25/11/2025 - 7:16
Mesmo no exterior, Alexandre Ramagem, Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro ainda têm acesso a verbas de gabinete e mantém os mandatos. Para especialistas, leniência da Câmara com esses casos piora a imagem do Congresso.A confirmação, na semana passada, de que o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) fugiu para os Estados Unidos numa suposta tentativa de escapar de uma condenação do Supremo Tribunal Federal (STF) fez dele o terceiro parlamentar bolsonarista a deixar o país durante o mandato.
O ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo de Jair Bolsonaro foi localizado em um condomínio de luxo em Miami, para onde fugiu em setembro. Ele foi condenado pelo STF a 16 anos de prisão pela tentativa de golpe de Estado , após a derrota na eleição de 2022, no mesmo processo do ex-presidente. Ele é considerado foragido.
A Ramagem se somam Carla Zambelli (PL-SP), presa emjulho na Itália após fugir do país e já condenada a 10 anos pelo STF por invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se mudou para os Estados Unidos em fevereiro alegando “perseguição política”. Neste mês, o filho de Bolsonaro tornou-se réu no Supremo por suposta tentativa de coagir a Justiça brasileira ao tentar influenciar autoridades americanas no processo que envolve o ex-presidente.
Filiados ao Partido Liberal (PL) e aliados de primeira hora de Jair Bolsonaro, preso preventivamente nesse sábado (22/11), os três deputados federais mantêm, apesar dos imbróglios com a Justiça, verbas e cargos na Câmara dos Deputados .
De acordo com especialistas consultados pela DW, além do impacto nas contas públicas, o caso dos deputados “fujões” colocaria em evidência a incapacidade do Congresso e do seu presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB), de punir os próprios membros, e também revelaria uma busca dos bolsonaristas por uma narrativa de “perseguição” para supostamente encobrir os crimes cometidos.
Imobilismo político
Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli tiveram os salários congelados pela Câmara desde que saíram do país. No entanto, continuam tendo acesso a verbas por meio dos gabinetes. De acordo com o site Metrópoles, o filho do ex-presidente já gastou mais de R$ 1 milhão para manter os nove servidores a que tem direito durante o mandato.
O gabinete Zambelli também tem mantido os gastos, apesar de a deputada estar presa na Itália. Em setembro, por exemplo, os gastos da estrutura parlamentar dela ultrapassaram os R$ 100 mil, segundo a CNN Brasil.
Já Ramagem, que se licenciou do cargo em setembro, antes de fugir do país por Roraima para os EUA, custou, desde então, mais de R$ 300 mil para os cofres públicos, incluindo salários. O levantamento é da revista Veja.
“Do ponto de vista jurídico, existem leis e regras para coibir crimes, mesmo que cometidos por parlamentares. Mas, do outro lado, existe um regimento da Câmara, que parece ser desenhado para proteger os deputados”, afirma o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
De acordo com a legislação, um deputado, mesmo que condenado pela Justiça, precisa passar por um processo político para perder o mandato – o que requer tramitação em comissões da Câmara e votação em plenário, que precisa ser pautada pelo presidente da Casa. No caso de Zambelli, o processo de cassação foi aberto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em julho, mas ainda não saiu do colegiado para o plenário.
“Provavelmente, no seu regimento, existe esse espaço para que o Hugo Motta, que tem demonstrado debilidades no exercício do poder, não tome uma decisão que ao punir vai desagradar a base bolsonarista”, acrescenta Prando.
Ele lembra o caso da rebelião dos deputados bolsonaristas, que ocuparam em agosto a mesa-diretora da Câmara por 36 horas, impedindo os trabalhos parlamentares. A crise só foi contida por causa da atuação do presidente anterior, Arthur Lira (PP-AL). “Isso acabou deixando o Hugo Motta refém dessa bancada bolsonarista mais fanatizada”, complementa o politólogo.
Os parlamentares “fujões” também podem perder o mandato por acúmulo de faltas no exercício do mandato. Segundo a Constituição, basta um terço de ausências em um ano legislativo para que isso aconteça. O critério já valeria para Eduardo Bolsonaro, que já faltou a 78% das sessões em 2025, e Zambelli, com 55% de ausências. Ramagem, por outro lado, esteve presente em todas as sessões – o ex-chefe da Abin ainda está de licença na Casa, mesmo foragido. Os dados são da Câmara.
“O Eduardo Bolsonaro talvez seja uma figura sem paralelos na Nova República, por atacar o país dos EUA, articulando tarifas contra o Brasil. Mesmo assim, o Hugo Motta não fez uma reunião para cassar o mandato dele por faltas. Enquanto isso, o regimento permite que uma presa na Itália [Zambelli], outro foragido nos EUA [Ramagem] e outro já réu e autoexilado sigam ganhando recursos públicos sem exercer o mandato”, diz Prando. “O regimento da Casa permite. E se o STF toma uma decisão, os deputados falarão que é uma interferência dos Poderes.”
O filho do ex-presidente, porém, foi incluído na Dívida Ativa da União, após a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atender um pedido da própria Câmara por débitos de cerca de R$ 14 mil por não participar das votações no Congresso.
Descrédito institucional
Já Lucas Pereira Rezende, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vê no comportamento dos três deputados em questão uma tentativa de desacreditar ainda mais as instituições brasileiras.
Para ele, mesmo com a presença de parlamentares condenados pela Justiça em outros países, os impactos serão baixos nas relações internacionais. “É natural que, mesmo entre países parceiros, um processo de extradição possa demorar ou até mesmo ser negado, sem que isso abale as relações”, diz ele. “A maior ameaça não é para fora. É para dentro”, complementa Rezende.
Ele vê, no caso do “autoexílio” de Eduardo Bolsonaro, uma repetição da estratégia bolsonarista de tentar desmoralizar o Estado Democrático de Direito. “É claro que ele [Eduardo Bolsonaro] está brincando com as instituições, já que o desligamento de um deputado por faltas é algo extremamente raro no Brasil. São formas, dentro do instrumental jurídico e normativo da Câmara, de se brincar com as regras”, explica o professor da UFMG.
Desde a redemocratização do país, apenas três deputados perderam o mandato por faltas: Chiquinho Brazão, acusado de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2025; e Felipe Cheidde e Mário Bouchardet, ambos em 1989.
No caso de Eduardo, Zambelli e Ramagem, pontua Rezende, a falta de reação por parte da Câmara passa uma imagem para a sociedade de permissividade, o que desmoraliza ainda mais a instituição perante a opinião pública. “O que vai acontecer é reforçar perante a sociedade brasileira a falta de compromisso com as demandas que afetam a sociedade. Está bastante claro o uso dessas narrativas, que visam favorecer uma visão específica do bolsonarista e dessas figuras individualmente”, finaliza o professor da UFMG.
