Estes são tempos difíceis. Uma recessão global desencadeada pela pandemia de coronavírus e distúrbios civis generalizados criaram uma mistura combustível de angústia – estressores que aumentam o risco de problemas de saúde a longo prazo. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, agência governamental dos Estados Unidos) emitiram recentemente diretrizes para lidar com essa ansiedade. Entre eles está a meditação.

Os budistas estão familiarizados com essa estratégia há milhares de anos. E, como mostra o exemplo do CDC, os cientistas acreditam cada vez mais que podem aprender com o budismo.

O impulso para o diálogo entre o budismo e a ciência vem do topo. Quando Tenzin Gyatso –o 14º dalai lama – era criança no Tibete rural, viu a Lua através de um telescópio e se maravilhou com suas crateras e montanhas. Seu tutor lhe disse que, de acordo com textos budistas, a Lua emitia sua própria luz. Mas Gyatso tinha suas dúvidas. Ele descobriu o que Galileu vira 400 anos antes e ficou convencido de que o dogma deveria se curvar à observação.

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Diálogo contínuo

Como dalai lama, Gyatso mantém um diálogo com os cientistas desde então. “Se a ciência provou que alguma crença do budismo está errada, então o budismo terá que mudar”, disse ele.

Essas são palavras marcantes do líder de uma grande religião mundial. A maioria dos americanos acredita que ciência e religião se chocam. Mas os budistas aceitam a evolução como a fonte das origens humanas mais do que qualquer outro grupo religioso.

Como professor de astronomia que ensina monges e monjas tibetanos há mais de uma década, eu os considero altamente receptivos à ciência como uma maneira de entender o mundo natural.

O programa que ensino começou em resposta ao desejo do dalai lama de injetar ciência no treinamento dos religiosos budistas. Em nossa espartana sala de aula – as janelas estão abertas para pegar uma brisa no calor das monções e os macacos se comunicam nos pinheiros do lado de fora – falamos de cosmologia.

Os monges e monjas absorvem ansiosamente as últimas pesquisas que apresento – energia escura, multiverso, Big Bang como evento quântico. Suas perguntas são simples, mas profundas. Eles abordam o aprendizado com alegria e humildade. Fora da aula, eu os vejo aplicando o pensamento crítico às decisões em suas vidas diárias.

Sim, a tradição monástica budista foi reiniciada com uma dose da ciência do século 21. Mas como o budismo influenciou a ciência?

Budistas como céticos

Os cientistas estão cada vez mais usando a sabedoria budista para entender vários tópicos de pesquisa e iluminar a condição humana. Quando os psicólogos usam conceitos budistas em seu trabalho, por exemplo, eles descobrem que seus pacientes são menos inclinados a mostrar preconceito contra pessoas fora de seu grupo social e religioso. E os cientistas usaram os princípios harmônicos embutidos nas tigelas budistas para projetar painéis solares mais eficientes.

Ambas as disciplinas compartilham uma abordagem empírica. Os budistas são treinados para ser céticos e para apenas aceitar uma proposição após o exame das evidências. As seguintes palavras são atribuídas a Buda: “Assim como um ourives testaria seu ouro queimando-o, cortando-o e esfregando-o, você deve examinar minhas palavras e aceitá-las, não apenas por reverência por mim”.

Numerosos estudos mostram que a meditação tem um efeito positivo na saúde e no bem-estar. Testes de eletroencefalograma (EEG) para medir as ondas cerebrais dos monges fornecem prova disso. Monges e outros especialistas em meditação produzem altos níveis de ondas cerebrais gama, que têm uma série de benefícios para o funcionamento cognitivo.

A meditação também beneficia o sistema imunológico. E tem sido demonstrado que reduz a divagação da mente, o que aumenta a felicidade e reduz a depressão. A meditação pode até diminuir a taxa de atrofia cerebral. Em um caso notável, a meditação pode ter baixado em oito anos a idade do cérebro de um monge budista.

Consciência e ilusão

Cientistas ocidentais e estudiosos budistas também colaboraram em um dos mistérios profundos da experiência humana: a consciência. Os pesquisadores usaram a neurociência para apoiar a ideia de um eu em constante mudança. Os neurocientistas modelaram o sentido do eu em termos de mudança de redes e circuitos no cérebro. O seu senso de um “você” estável e enraizado é uma ilusão, eles concluíram.

Christof Koch é um dos principais especialistas em consciência. Koch e seu colega Giulio Tononi apresentaram uma audaciosa teoria da consciência. Eles argumentam que ela não está localizada e não pode ser identificada em nenhuma parte do cérebro. Eles também escrevem que plantas, animais e micróbios podem ser conscientes. A teoria deles “trata a consciência [como] uma propriedade intrínseca e fundamental da realidade”.

Espere. O eu não está em lugar nenhum e a consciência está em todo lugar? Isso parece mais sofisma zen do que análise científica. Mas vejo isso como um sinal da convergência frutífera da ciência ocidental e da filosofia oriental.

Questionamentos

Ainda é cedo para determinar o que essa pesquisa ambiciosa fornecerá. Mas mostra que a contribuição do pensamento budista está forçando os cientistas a questionar seus métodos, suposições e construções lógicas. Koch e Tononi, por exemplo, estão menos preocupados com os mecanismos físicos e as estruturas localizadas do cérebro do que com a rede de conexões transitórias que podem estar subjacentes à consciência.

A melhor lição que o budismo tem para a ciência diz respeito ao equilíbrio. Ao seu modo gentil, o dalai lama castiga os cientistas por não prestarem atenção suficiente às implicações negativas de sua busca pelo conhecimento. Ele escreve: “É evidente que nosso pensamento moral simplesmente não foi capaz de acompanhar a velocidade do avanço científico”.

Em um mundo conturbado, ser guiado pela ciência, mas insistir em refletir os valores humanos, pode ser o melhor conselho de todos.

 

* Chris Impey é professor de astronomia da Universidade do Arizona (EUA).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.