Bancos de praça atravessados por ferros, calçadas e vãos cobertos por espetos: arquitetura hostil afasta os mais pobres dos centros urbanos e aprofunda desigualdade, apontam especialistas.Ao circular por uma cidade populosa, é provável que você já tenha se deparado com bancos com divisórias e calçadas com grades ou até mesmo espinhos. É a chamada arquitetura hostil, que visa afastar pessoas em situação de vulnerabilidade – principalmente moradores de rua – de locais públicos.

Londres, Seattle, Tokyo, São Paulo e Berlim são exemplos de metrópoles que têm casos de design hostil aplicado nos seus planejamentos urbanos. No Brasil, a Lei Padre Júlio Lancellotti, de 2022, proíbe técnicas construtivas hostis em espaços de uso público. Apesar disso, barreiras de exclusão social ainda são comuns em centros urbanos.

Um planejamento urbano adequado pressupõe a organização eficaz e sustentável, o uso inteligente do território e a garantia do bem-estar da população; se o espaço público exclui e afasta determinados indivíduos, isso é sinal de planejamento falho, pontuam especialistas ouvidos pela DW.

A arquitetura hostil se mostra em espaços que repelem a presença humana e não são feitos para permanência, explica o arquiteto e urbanista Leonhard Bravo. Ela pode ser um mecanismo de gentrificação, provocando a expulsão de determinados indivíduos da paisagem urbana e abrindo o caminho para a especulação imobiliária, atraindo moradores de maior poder aquisitivo e expulsando os que ali viviam originalmente.

A arquitetura hostil pode ser, também, uma ferramenta de controle social, ao inibir a presença e permanência de certos grupos em determinados espaços, como constatou um estudo da Universidade de São Paulo (USP).

O que acontece quando certos grupos são excluídos

Segundo Bravo, que também pesquisa segregação espacial pela UFSC, intervenções “hostis” na paisagem urbana geralmente são feitas sob o pretexto de torná-la mais “bonita” e uniforme. Sob essa lógica, exemplifica, moradores de rua deitados sob a fachada de uma loja de luxo são inconvenientes e devem, portanto, ter sua permanência ali desencorajada.

Mas o problema é que quando essas pessoas são expulsas dos grandes centros, a vulnerabilidade social não desaparece, só se agrava, pontua a psicóloga Maria Fernanda Olinto, que atua nos SUS em Porto Alegre (RS).

Isso porque, explica Olinto, esse deslocamento implica também na perda de acesso a serviços essenciais, já que as redes de cuidado socioassistencial, como distribuição de comida e atendimento médico, estão nos grandes centros.

“No momento que se instala uma arquitetura hostil nesse território da cidade, os usuários ficam sem conseguir ter seus direitos garantidos, o que só agrava ainda mais a segregação social”, ressalta.

Os especialistas também ponderam que o afastamento de determinados grupos do espaço público elitiza o lazer. Muitos jovens, por exemplo, consideram essencial poder usufruir das cidades para socializar e não precisar pagar caro em bares e restaurantes.

Entusiastas da arquitetura hostil afirmam que ela traz segurança aos espaços públicos. Mas críticos contra-argumentam que se uma cidade não tem locais que convidem as pessoas a descansar, interagir e conviver, esses espaços ficam desertos, o que é um fator de insegurança. “A permanência social gera vitalidade urbana, que combate muito a insegurança”, aponta Bravo.

A arquiteta e professora da Universidade de Ciências Aplicadas de Erfurt, na Alemanha, Petra Wollenberg, acredita que os arquitetos têm a obrigação ética de pensar em estratégias de design que possam ser inclusivas e adequadas para diferentes grupos sociais, mesmo que a proposta inicial do contratante seja a de instalar espinhos e divisórias nas ruas, por exemplo.