18/09/2025 - 13:03
Surgido na Alemanha nos 1930 em oposição ao nazismo, movimento é caracterizado por descentralização em grupos independentes. Trump anunciou que pretende designar movimento como “terrorista”.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quarta-feira (18/09) que designará o movimento Antifa como uma “grande organização terrorista”, classificando-o como “um desastre radical de esquerda, perigoso e doentio”.
Durante anos, Trump culpou os antifas por várias ocorrências, como violência contra a polícia. Ele até mesmo falsamente tentou atribuir a invasão do Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, ao movimento.
“Também recomendarei fortemente que aqueles que financiam o ANTIFA sejam investigados minuciosamente, de acordo com os mais altos padrões e práticas legais”, escreveu Trump na quarta-feira no Truth Social, chamando a Antifa de “UM DESASTRE DOENTE, PERIGOSO E RADICAL DA ESQUERDA”.
O Antifa é um movimento político antifascista de esquerda. Não é uma organização centralizada, mas sim uma rede de “grupos e indivíduos independentes, radicais e com ideias semelhantes”, segundo uma análise do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA, divulgada em 2020.
A Casa Branca não ofereceu imediatamente detalhes sobre como o rótulo poderia ser aplicado.
Embora a aplicação da lei federal inclua o combate ao terrorismo doméstico sob sua alçada, os Estados Unidos não possuem uma lista de “organizações terroristas domésticas” designadas.
Especialistas afirmam que o fato de o movimento Antifa ser doméstico, não pode ser incluído na lista de organizações terroristas estrangeiras do Departamento de Estado — que inclui grupos como Estado Islâmico e Al Qaeda.
Trump ameaçou a medida na segunda-feira, depois que o chefe adjunto de gabinete para políticas da Casa Branca, Stephen Miller, prometeu que o governo desmantelaria um suposto “vasto movimento terrorista doméstico” que ele vinculou ao assassinato do ativista de direita Charlie Kirk.
O presidente americano, que está em viagem oficial ao Reino Unido, acrescentou que sua decisão visa proteger os cidadãos e ressaltou que qualquer ação violenta atribuída ao Antifa será tratada com todo o peso da lei.
Em sua postagem, o político republicano não deixou claro qual mecanismo usará para fazer a designação.
Rede descentralizada
Nos EUA, o movimento Antifa é uma rede descentralizada, que reúne ativistas que se definem como anarquistas, anticapitalistas ou comunistas e que não possui uma liderança definida, o que torna incerto quem ou o que seria exatamente o alvo.
Trump já acusou essa rede em inúmeras ocasiões de incitar a violência, incluindo os distúrbios posteriores à morte de George Floyd em 2020 – homem negro morto após um policial se ajoelhar sobre o pescoço dele –, durante seu primeiro mandato, e manifestou diversas vezes o desejo de designá-la como grupo terrorista.
Na época, juristas disseram que tal medida não teria base legal, seria difícil de executar e levantava preocupações sobre a liberdade de expressão, visto que a adesão a uma ideologia geralmente não é considerada criminosa.
Desde 10 de setembro, dia em que Kirk foi assassinado em um debate em uma universidade no estado de Utah, Trump tem responsabilizado a “esquerda radical” pela violência política que o país vive.
Ideologia, não um “grupo”
Críticos do presidente republicano alertam que tal medida poderia ser usada como pretexto para reprimir a dissidência e atingir rivais políticos.
Embora Kirk fosse um ultraconservador convicto, os Estados Unidos têm testemunhado violência contra membros de ambos os partidos políticos nos últimos anos, em meio a um forte aumento da polarização e ao fácil acesso a armas de fogo.
O termo “antifa” tem um histórico de confronto com grupos de direita e de desobediência civil.
Seus membros, muitas vezes vestidos inteiramente de preto, protestam contra o racismo, os valores de extrema direita e o que consideram fascismo, e dizem que táticas violentas às vezes são justificadas como legítima defesa.
Durante a primeira posse de Trump, em janeiro de 2017, dezenas de manifestantes do Antifa, vestidos de preto e usando máscaras, quebraram janelas e incendiaram um carro em Washington.
Os antifas também se envolveram em contraprotestos a manifestações racistas em Charlottesville, Virgínia, no final daquele ano.
Em junho de 2020, Trump afirmou que designaria formalmente o Antifa como “terrorista”, no mesmo nível da Al Qaeda e do Estado Islâmico.
Mas o diretor do FBI, Chris Wray, respondeu em uma audiência no Congresso que o Antifa era “um movimento ou uma ideologia”, e não um grupo.
Contra Hitler, comunistas criaram “ação antifascista”
O significado da palavra “Antifa” é centro de um debate complexo na Alemanha desde que o Partido Comunista da Alemanha (KPD) adotou o mote “ação antifascista” e o logotipo com duas bandeiras para a campanha eleitoral de 1932. Desde o início da década de 1920, eles pressionavam por um movimento interpartidário que foi chamado de “antifaschistische Aktion” (ação antifascista).
Mesmo assim, já na época, ele não constituía uma organização, mas um movimento comunista abrangente. Seu objetivo era distanciar-se do Partido Nazista, que descrevia como “fascista”, bem como da “Frente de Ferro”, um movimento de forças pró-republicanas que se opunha ao extremismo tanto da direita quanto da esquerda.
O KPD tentou se retratar como o único partido verdadeiramente “antifascista” na última eleição livre da República de Weimar, a qual o Partido Nazista de Adolf Hitler não venceria completamente, mas que, mesmo assim, colocaria os nazistas na rota do poder.
A incapacidade do KPD, dos social-democratas e de outras forças democráticas de trabalharem em conjunto, apesar de garantirem mais votos combinados do que os nazistas, ajudou Hitler a tomar o controle do poder na Alemanha. Em pouco tempo, os nazistas desmantelariam e ilegalizariam sistematicamente os dois maiores partidos de esquerda.
Algumas figuras do KPD no período entreguerras iriam, mais tarde, governar a Alemanha Oriental (RDA) durante a Guerra Fria. O partido governista da Alemanha comunista, o SED, usaria “antifascista” quase como sinônimo de socialista quando falava de seu governo, que na prática era uma ditadura.
Até Bernd Langer, autor de um livro simpático ao movimento antifascista na Alemanha, observa que o anticapitalismo sempre foi entendido como um componente central do movimento entre seus apoiadores mais fervorosos.
Perda de força na Guerra fria
No início da Guerra Fria, na Alemanha Ocidental capitalista, o movimento perdeu força, mas começaria a se recuperar em cidades tradicionalmente de esquerda, como Hamburgo e Berlim, nos anos 70 e 80. As principais raízes estavam na cena de ocupações de imóveis e no movimento estudantil de esquerda, que se autodenominava a “oposição extraparlamentar”.
Com a Reunificação, o movimento retomou o ritmo, ganhando também um impulso de maior filiação a causas modernas como o movimento antiglobalização ou os protestos contra as mudanças climáticas.
Mas pensar no movimento Antifa como uma coisa única seria errôneo. Muitos grupos de esquerda e extrema esquerda se identificam em maior ou menor grau com o rótulo “Antifa”, muitas vezes também abraçando o anarquismo e meios não políticos de oposição e protesto.
No entanto, há profundas divisões no campo Antifa da Alemanha. E boa parte delas tem relação com Israel. Enquanto alguns grupos se identificam com causas anti-imperialista e anticoloniais, que se chocam com o sionismo, outros estão profundamente alinhados com Israel e chegam a participar de manifestações em apoio ao país, o que causa estranhamento entre grupos Antifa de outros países.
Outros grupos, por outro lado, não têm posição em relação a Israel, preferindo se concentrar em causas de oposição ao fascismo na Alemanha.
Bandeiras
Para se ter uma ideia da extensão da divisão, os diversos grupos Antifa nem mesmo concordam sobre a forma do logotipo. O original do KPD nos anos 30 era formado por duas bandeiras vermelhas (socialistas), soprando para a direita, com os mastros da bandeira à esquerda.
A maioria agora mostra as bandeiras soprando para a esquerda. E provavelmente a versão mais comum agora torna a bandeira inferior preta, e não vermelha, como um aceno para o elemento anarquista do movimento e para o lado socialista.
Alguns preferem usar a cor preta na bandeira maior e na área da borda, com uma bandeira vermelha menor ao fundo. O consenso realmente não é o ponto mais forte do movimento.
A agência de inteligência interna da Alemanha observa que alguns adeptos do movimento apoiam também “ações militantes, que visam principalmente os adversários políticos, especialmente supostos ou comprovadamente ‘nazistas’. Isto pode muitas vezes resultar em danos consideráveis à propriedade, mas também às vezes a indivíduos”.
O tipo de público que toma parte em manifestações ou eventos organizados por grupos Antifa varia de acordo com a pauta. Protestos menos controversos podem atrair participantes simpáticos que não necessariamente se definiriam como anarquistas ou de extrema esquerda. Muitas vezes os antifas alemães conseguem maior adesão ao organizar contraprotestos contra a extrema direita ou ultimamente- promovendo manifestações contra o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).
md (AFP, DPA, EFE, Reuters, DW)