05/11/2025 - 12:38
A Alemanha está recrutando cuidadores estrangeiros para trabalhar em hospitais e lares de idosos, e 300 mil já optaram pelo país. No entanto, permanência de longo prazo depende de fatores que vão além do salário.Mais de 300 mil pessoas deixaram seus países de origem nos últimos anos e hoje cuidam de idosos e doentes na Alemanha. Isso certamente é bom para a Alemanha, mas é também bom para os próprios cuidadores?
Uma equipe interdisciplinar de pesquisadores da Universidade de Erlangen-Nurembergue fez um estudo para saber como essas pessoas se sentem na Alemanha e o que é necessário fazer para que cuidadores com histórico de migração fiquem no país.
Para isso eles entrevistaram cuidadores, gestores de hospitais e de lares de idosos, escolas de idiomas, centros de aconselhamento e agências de recrutamento. O estudo mostra o que é importante para o bem-estar desses profissionais, tanto no ambiente de trabalho como também na vida privada fora do trabalho.
Alemanha depende dos profissionais de fora
Os cuidadores são uma mão de obra disputada por muitos países. Estudiosos falam até mesmo de uma indústria internacional da migração. O processo de migração de mão de obra no setor de cuidados é altamente profissionalizado, enfatiza o geógrafo Stefan Kordel, da Universidade de Erlangen-Nurembergue. Entidades públicas e privadas, até mesmo alguns hospitais e casas de repouso, estão envolvidos na competição por enfermeiros, cuidadores e até mesmo estagiários qualificados. Interesses econômicos estão em jogo.
A Alemanha depende fortemente da imigração de cuidadores. Sem eles, o setor de cuidados entraria em colapso, diz a Agência Federal do Trabalho (BfA). Quase um em cada quatro cuidadores em lares de idosos tem nacionalidade estrangeira, segundo os dados oficiais.
Se forem consideradas todas as profissões da área da saúde, uma em cada cinco pessoas na Alemanha vem do exterior. E a tendência é crescente, pois faltam profissionais qualificados. Muitos cuidadores estão se aposentando e outros estão abandonando a profissão devido à exaustão profissional, um fenômeno apelidado de pflexit (união do alemão pflege, ou cuidados, com o inglês exit).
Além dos cuidadores vindos do exterior, há profissionais qualificados em hospitais e lares de idosos que são alemães com um histórico de migração na família, por exemplo filhos de imigrantes. E outros são refugiados, muitos deles da Síria ou da Ucrânia.
Todos trabalham para que os idosos e doentes na Alemanha recebam cuidados, e isso diante de uma necessidade crescente devido ao envelhecimento da sociedade alemã.
Folhetos coloridos do recrutamento
“Berlim é linda, Heidelberg é romântica”: folhetos coloridos com dizeres como esses são usados pelas agências de recrutamento para atrair profissionais do exterior. Muitos deles, porém, acabam em áreas onde a vida é bem diferente do idílio sugerido pelos folhetos. Para os cuidadores, acaba sendo uma questão de sorte em qual instituição eles vão parar e que apoio vão receber para construir uma nova vida num novo país.
Com alguns países, como Filipinas, Índia, Indonésia e Tunísia, a Alemanha mantém programas oficiais chamados Triple Win. A ideia desses programas é que os três lados saiam ganhando: os países de origem, a Alemanha e os indivíduos recrutados, para os quais, por exemplo, os custos de cursos de idiomas e passagens aéreas são cobertos. Agências privadas de recrutamento recebem um selo de aprovação do governo de “recrutamento justo”.
Mas há também casos de intermediários que exigem grandes somas de dinheiro dos cuidadores, relata Kordel. Ele menciona casos em que 12 mil euros foram pagos, para os quais foram feitos empréstimos ou a família se uniu para juntar os recursos. Já na Alemanha, os cuidadores recrutados precisam arrumar um segundo emprego, além do trabalho de cuidador, para pagar dívidas. Kordel observa que situações assim precisam ser mais bem divulgadas no exterior.
Diferenças na formação profissional
Outra questão recorrente é a da formação profissional. Em muitos países de origem, cuidador de idosos não é uma formação técnica, como na Alemanha, mas universitária. Profissionais que não foram devidamente informados sobre isso muitas vezes ficam sabendo só na Alemanha que vão passar uma boa parte do tempo realizando cuidados básicos, como dar banho em pessoas ou ajudá-las a se alimentar. Em alguns países de origem, isso geralmente é feito por familiares ou auxiliares.
A decepção costuma ser grande quando cuidadores formados nas Filipinas, por exemplo, não são autorizados a administrar soro intravenoso ou inserir cateteres na Alemanha, diz Myan Deveza-Grau, da organização da diáspora filipina PhilNetz. “Eles não conseguem entender por que não podem fazer isso.”
A dificuldade para aprender alemão
A língua também costuma ser uma barreira para a adaptação ao novo país. “Tenho que estudar muito alemão à noite. Por isso, não tenho tempo para outras atividades. Nos fins de semana, temos que nos preparar para provas e para o curso de alemão. E também temos que frequentar o curso de alemão aos domingos”, relata uma estagiária do Vietnã.
Ela diz que quase não sobra tempo para criar laços sociais. Além disso, há muita burocracia, reclama, o que torna os programas de mentoria e a compreensão dos colegas ainda mais importantes.
Os pesquisadores dizem que estudantes e cuidadores fazem cursos de alemão em seus países de origem e obtêm certificados de proficiência, mas que frequentemente há um longo período de espera antes de poderem entrar na Alemanha. Outra dificuldade são os dialetos falados em algumas regiões da Alemanha.
Discriminação e racismo
“Que conselho você daria a alguém do exterior que quer trabalhar como cuidador na Alemanha?”, perguntaram os pesquisadores a profissionais desse setor. “Que você certamente sofrerá racismo”, respondeu uma mulher da Guiné que vive na Alemanha há mais de dez anos e tem passaporte alemão.
Ela não é um caso isolado, como demonstra o estudo. Hospitais e casas de repouso se esforçam para conscientizar seus funcionários, mas isso não se aplica aos próprios pacientes e seus familiares. “Se a pessoa que precisa de cuidados diz: ‘Não vou deixar que uma pessoa negra cuide de mim’, então as coisas se complicam”, diz o pesquisador Tobias Weidinger, da Universidade de Erlangen-Nurembergue.
E a discriminação também é sentida em outros locais, como já mostraram outros estudos: em repartições públicas, no transporte público, nas ruas e no mercado imobiliário. Que um profissional estrangeiro se sinta bem na Alemanha depende de toda a sociedade, resume Kordel.
“Experiências de discriminação e racismo influenciam a decisão de permanecer ou de deixar o emprego, o local de residência ou até mesmo a Alemanha”, diz.
Deveza-Grau relata que cuidadoras filipinas também se mostram preocupadas com o avanço do partido de ultradireita AfD. Algumas dizem que avaliam se mudar para o Canadá, que também recruta ativamente esses profissionais, se a situação não mudar.
“Vou ficar onde minha família está bem, onde não sofro bullying, onde tenho amigos”, resume um cuidador.
