Governo Merz enfrenta extensa lista de desafios externos, como deterioração das relações com os EUA e crescente dependência da China. Berlim tem enfrentado dificuldades para lidar com rapidez de mudanças geopolíticas.O historiador e cientista político Herfried Münkler recentemente resumiu o que considera ser o principal problema da política externa do governo alemão: “O idealismo liberal de uma ordem internacional baseada em regras revelou-se uma ilusão”.

Ao mesmo tempo, o governo alemão continua a considerar a preservação do multilateralismo e de uma ordem internacional baseada em regras como seu objetivo principal. O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, alertou que “a China e a Rússia estão tentando reformular a ordem internacional baseada no direito internacional”.

O chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, por sua vez, disse considerar que a ordem liberal não está sendo questionada apenas por governos há muito considerados autoritários. “Infelizmente, isso também se aplica aos Estados Unidos”, disse ele, referindo-se ao presidente Donald Trump. Um recente documento estratégico dos EUA criticando duramente os aliados europeus e a UE reforçou essa impressão.

Pressão sobre os europeus

Uma grande preocupação entre os líderes políticos e militares alemães é que os Estados Unidos possam estar se distanciando da Europa em questões de segurança. No início de dezembro, o general alemão Christian Freuding disse à revista americana The Atlantic que o contato direto com seus homólogos dos EUA havia sido “cortado”.

Em contraste, no passado, Freuding disse à revista, a comunicação era possível “dia e noite”. Ele classificou a perda dos canais de contato como “sinal de alerta” — especialmente à luz da possibilidade de um ataque da Rússia a países-membros da Otan no leste europeu.

Os europeus também estão sentindo as consequências da mudança de rumo dos EUA em relação à Ucrânia. Trump propôs um acordo de paz que atendesse a muitas das demandas feitas pelo líder russo, Vladimir Putin. E a estratégia de segurança dos EUA divulgada no final de 2025 prevê que os americanos busquem uma “estabilidade estratégica” com a Rússia — para o desânimo dos governos de outros países da Europa.

“Se chegar ao ponto em que os americanos de alguma forma se retirarem, a pressão sobre os europeus para que sejam capazes de agir e formar um forte contrapeso aumentará mais uma vez”, avalia Henning Hoff, do Conselho Alemão de Relações Exteriores.

Merz tem trabalhado com o presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro britânico Keir Starmer para contrabalançar o declínio da ajuda dos EUA à Ucrânia. “Ninguém deve duvidar do apoio à Ucrânia”, declarou Merz em uma reunião trilateral em Londres no início de dezembro. No entanto, os três líderes estão tendo que lidar com orçamentos apertados, pressão interna da oposição mais à direita e declínio do apoio público à Ucrânia em seus próprios países.

Dependência da China

Com a indústria alemã dependente de terras raras controladas pela China, Berlim também se tornou cada vez mais dependente de Pequim.

“Os chineses têm sido muito bem-sucedidos em se tornar líderes em muitos campos tecnológicos e assumir posições que tradicionalmente pertenciam à indústria alemã”, avalia Hoff. “E, nesse momento, a Alemanha também deixa de ser tão importante.”

Merz planeja visitar a China no início de 2026. Na cúpula do G20 em Joanesburgo, Merz disse à DW: “A China poderia exercer um pouco mais de pressão sobre a Rússia para acabar com esta guerra [na Ucrânia]. Se necessário, isso também será levantado em minhas conversas com o presidente chinês [Xi Jinping] no próximo ano”. No entanto, até o momento, nada sugere que isso possa acontecer.

Alemanha e Israel

Durante sua visita a Israel em dezembro, Merz disse: “Venho como um amigo de Israel que sabe que a amizade entre a Alemanha e Israel é infinitamente valiosa e preciosa”.

Após a ofensiva terrorista lançada pelo grupo palestino Hamas em 7 de outubro de 2023, Israel respondeu com uma campanha militar de dois anos em Gaza que deixou mais de 70.000 mortos. Ao lado do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, Merz reconheceu que a guerra colocou a Alemanha diante de “alguns dilemas”. Merz também invocou a responsabilidade da Alemanha pelo Holocausto ao afirmar que seu governo buscava defender a segurança de Israel, mas acrescentou que faria críticas quando necessário.

Notavelmente, Merz não está mais usando a formulação da ex-chanceler federal Angela Merkel, de que “a segurança de Israel é uma razão de Estado da Alemanha”. Em vez disso, ele vem afirmando que apoiar a existência e a segurança de Israel pertence “ao núcleo imutável” das relações entre os dois países.

Em questões-chave, no entanto, os dois governos continuam distantes — especialmente na solução de dois Estados. A Alemanha continua a apoiar a ideia de um futuro Estado palestino vizinho a Israel. Mas o premiê Netanyahu rejeita isso, argumentando que “o objetivo de um Estado palestino é destruir o único Estado judeu”.

Hans-Jakob Schindler, analista do Oriente Médio e de segurança, avalia que a solução de dois Estados é “possivelmente uma visão de futuro muito, muito distante, cuja viabilidade prática está cada vez mais em questão”.

Schindler também aponta que a Alemanha e a União Europeia perderam em grande parte seu papel de mediadores no Oriente Médio. “É claro que tanto os palestinos quanto os israelenses veem Washington como o mediador central, e não a Europa”, diz Schindler. A União Europeia pode desempenhar um papel importante na reconstrução de Gaza e no fornecimento de ajuda humanitária, avalia, “mas, como mediadora central, a Europa, em parte, realmente perdeu espaço nos últimos 10 anos”.

As alianças incômodas da Alemanha

A Alemanha também precisa decidir como conduzir sua política externa em um mundo onde questões geopolíticas estão mudando rapidamente e as regras internacionais acabam sendo cada vez mais ignoradas.

Johannes Varwick, professor de relações internacionais da Universidade de Halle, na Alemanha, avalia que buscar parceiros que ainda valorizam o multilateralismo — incluindo parceiros incômodos — é a abordagem correta. “A Alemanha está tentando manter antigas alianças, ao mesmo tempo em que forma novas parcerias e expande redes com outras potências médias em todo o mundo”, diz Varwick, citando como exemplos o Brasil, o México e o Vietnã. “Manter um diálogo crítico entre partes diferentes é essencial. Conversar apenas com aqueles que já concordam torna a pessoa bastante solitária nessa realidade da política internacional.”

Merz tem enfatizando a política externa alemã como uma prioridade do seu governo desde a sua posse, em maio — e, devido às suas muitas viagens ao exterior, às vezes foi chamado de forma zombeteira de “chanceler da política externa”.

“No geral, pode-se realmente falar de uma certa revitalização”, disse Hoff.

Mas, segundo o especialista Henning Hoff, “a política externa do governo Merz ainda é muito lenta para responder a essa nova situação global”. Para o próximo ano, são esperadas mudanças no Ministério das Relações Exteriores. Entre outras coisas, uma comissão vai se debruçar sobre a questão da dependência em relação à China. “Tudo isso é bom”, avalia Hoff, “mas chega com dois, três, quatro, cinco anos de atraso”. “E, se não conseguirem acelerar o processo, as coisas ficarão difíceis.”