12/11/2025 - 15:54
Enviado pelo governo e alterado pela oposição, projeto enquadra novos crimes e endurece penas. Redução da competência da PF e equiparação de facções a terrorismo ficaram de fora da versão final.Duas semanas após a operação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro deixar 121 mortos e colocar no centro da agenda política a segurança pública – maior preocupação dos brasileiros no momento – o plenário da Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta (12/11) ou quinta-feira um projeto de lei que cria novos crimes e endurece penas para integrantes de facções criminosas.
O texto em análise é resultado de dias de acirrada disputa política entre governo federal e oposição sobre como lidar com as organizações criminosas, e do interesse do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em afirmar que sua gestão foi capaz de encaminhar uma solução legislativa para o tema.
O que está em votação
O projeto em discussão cria uma nova lei, o marco legal do combate ao crime organizado, e altera o Código Penal e outras cinco leis já existentes: a Lei de Execução Penal, o Estatuto do Desarmamento, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei de Organizações Criminosas e a Lei de Inelegibilidade. O texto:
– Cria novos tipos penais, como o de domínio social estruturado, que abrange condutas como usar violência para exercer o controle de territórios ou comunidades e restringir o provimento de serviços públicos e privados.
– Agrava penas, que no caso de domínio social estruturado será de prisão de 20 a 40 anos, com possibilidade de superar os 65 anos de prisão com agravantes como liderar organização criminosa. Uma pessoa não pode ficar mais de 40 anos presa no Brasil, mas condenações maiores que esse limite influenciam na progressão de regime.
– Fortalece instrumentos de combate ao crime, como sequestro, arresto e indisponibilidade de bens físicos, digitais e financeiros, inclusive mantidos em nome de pessoas interpostas, e intervenção em pessoas jurídicas utilizadas pelo crime.
Opositor relatou projeto do governo
A tramitação do texto na Câmara foi iniciada a partir de um projeto enviado pelo Palácio do Planalto à Câmara em 31 de outubro, logo depois da operação contra o Comando Vermelho no Rio.
Esse projeto do governo criava o crime de organização criminosa qualificada, para os casos de domínio de território em comunidades ou controle de atividades econômicas, estabelecia novos instrumentos de investigação e repressão e endurecia diversas penas: por exemplo, até 15 anos de prisão em caso de controle de territórios ou atividades econômicas mediante uso de violência, ou até 30 anos de prisão para homicídios cometidos por ordem ou em benefício de facções criminosas.
A oposição inicialmente apostava em outro projeto de lei, do deputado federal Danilo Forte (União-CE), que equipara as fações a organizações terroristas. Mas surgiram críticas de que isso poderia favorecer uma eventual intervenção externa de outro país sob o pretexto de combate ao terrorismo, e afastar o investimento de empresas estrangeiras no Brasil.
Guilherme Derrite (PP-SP) anunciou que se licenciaria de seu cargo de secretário estadual de segurança pública de São Paulo para reassumir seu mandato de deputado federal para relatar o projeto de Forte. Como esse texto perdeu força, Motta então escolheu Derrite para relatar o projeto enviado pelo Palácio do Planalto, com o intuito de agradar os deputados de direita na Câmara.
Poucas horas após ser nomeado relator, na sexta-feira, Derrite apresentou seu primeiro relatório, que modificava a Lei Antiterrorismo para aplicar a alguns atos das facções criminosas as mesmas penas aplicadas aos crimes de terrorismo. Ele argumentou que isso não significava considerar as facções como organizações terroristas, mas equiparar a lesividade dos crimes das facções aos crimes de terrorismo.
Críticas, recuos e alterações
Após a divulgação do primeiro relatório de Derrite, alguns especialistas em segurança pública vieram à público afirmar que, na prática, o texto criava o mesmo resultado de equiparar as fações a organizações terroristas, e mantinha o risco de afetar investimentos de empresas no Brasil. Poderia, também, abrir espaço para que pessoas que pagam “taxas” em áreas controladas por facções fossem enquadradas por financiamento de terrorismo.
O relatório inicial de Derrite também enfraquecia as competências da Polícia Federal (PF), determinando que ela só agiria contra organizações criminosas a pedido de governadores. Houve reação, inclusive da PF, que divulgou uma nota oficial criticando o texto, e de Motta, que afirmou que não permitiria que a PF perdesse prerrogativas no combate ao crime organizado.
O secretário nacional de Justiça, Mario Sarrubbo, que foi procurador-geral de Justiça de São Paulo de 2020 a 2024, disse que a proposta de Derrite “banaliza o terrorismo” e poderia “desestabilizar todo o sistema penal e processual brasileiro”.
Na segunda-feira, Derrite apresentou um novo relatório, também criticado por governo e especialistas. Alguns avaliaram que, por incluir os novos tipos penais na Lei Antiterrorismo, isso poderia gerar questionamento judicial em operações sobre crime organizado realizadas pelas polícias estaduais – já que terrorismo é um crime de competência federal.
Esse segundo relatório alterou o item sobre a atuação da PF contra o crime organizado, que então poderia se dar mediante pedido dos governadores ou por iniciativa própria “através de comunicação às autoridades estaduais competentes”. Para o governo federal, no entanto, isso era insuficiente e seguia colocando a autonomia da PF em risco, e o Planalto lançou uma campanha em redes sociais afirmando que o texto poderia prejudicar o combate ao crime organizado.
O presidente da Comissão de Constituição de Constituição e Justiça do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), por sua vez, disse que qualquer texto que ferisse a autonomia da PF seria arquivado – da mesma forma como havia sido feita com a PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara mas bloqueada no Senado.
Na terça-feira, diante dos riscos de contestação judicial e de arquivamento de sua proposta no Senado, Derrite apresentou a terceira versão de seu relatório, que não altera nenhum dispositivo sobre a competência da PF nem inclui novos tipos penais na Lei Antiterrorismo. Ele concedeu entrevista coletiva sobre o novo texto ao lado de Motta, na Câmara.
Quem cantará vitória?
O governo federal mostrou satisfação com as alterações no último relatório de Derrite. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), as considerou “uma monumental vitória que nós alcançamos”. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, havia se reunido mais cedo com Motta e disse que o encontro havia sido “muito proveitoso”.
Mas, nesta quarta-feira, o Planalto afirmou que ainda vê problemas no texto, em especial um possível conflito de normas estipuladas no chamado marco legal do combate ao crime organizado e dispositivos já presentes no Código Penal e outras leis, e uma alteração que reduziria o financiamento de fundos nacionais da área de segurança pública.
Por sua vez, Derrite afirmou que seu terceiro relatório não era um “recuo”, mas uma “estratégia” para atender ao “interesse do povo brasileiro”. Ele enfatizou que o texto estipula penas máximas para integrantes de organizações criminosas (de até 40 anos de prisão) superiores à pena máxima para crime de terrorismo, cuja pena máxima é de 30 anos de prisão.
Como é homem de confiança de Tarcísio de Freitas, o envolvimento de Derrite no tema pode ser benéfico a uma eventual candidatura do governador paulista ao Planalto em 2026. Derrite já declarou também que pode se lançar ao Senado em 2026.
Já Motta deseja votar logo o projeto para sinalizar sua disposição de contribuir para o enfrentamento das facções criminosas.
“Não queremos deixar qualquer margem de dúvidas sobre o papel da Câmara sobre segurança pública: estamos endurecendo as penas, dificultando a vida de quem participa do crime organizado. Não vamos compactuar com aquela narrativa de que a Câmara não está agindo”, afirmou ele na terça-feira.
