Presidente dos EUA se gaba de ter encerrado 8 guerras desde que voltou ao poder. Mas paz está bem longe de ter sido estabelecida em vários conflitos. E por trás da propaganda estão interesses econômicos.”Hoje fomos bem-sucedidos onde tantos outros falharam”, declarou o presidente dos EUA, Donald Trump, em júbilo, quando os presidentes de Ruanda e da República Democrática do Congo (RDC) assinaram um acordo de paz no início deste mês, que, pelos contestados cálculos da Casa Branca, marcou a oitava guerra encerrada pelo líder americano.

No entanto, do outro lado do Oceano Atlântico, paz continua sendo uma ideia ilusória em muitos países, incluindo a República Democrática do Congo. Em vez de festejar o acordo assinado em 4 de dezembro, as pessoas no nordeste do país ficaram dentro de casa, dominadas pelo medo do que pode vir enquanto as animosidades continuam.

Somente na semana seguinte ao acordo de paz, mais de 500 mil pessoas foram deslocadas em toda a região, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah).

Mera retórica

A assinatura do acordo de paz desencadeou novos combates entre rebeldes e as forças de defesa da RDC, que resultaram na tomada de controle de novos territórios pelos rebeldes, incluindo a cidade de Uvira, relatou à DW uma pessoa que trabalha para uma organização humanitária e que pediu para ficar anônima.

“Parece mais um acordo político que resultou da pressão americana do que um verdadeiro processo ou acordo de paz”, acrescentou.

A República Democrática do Congo não é o único lugar onde a retórica de Trump sobre o fim das guerras e o estabelecimento da ordem parece ser mais retórica do que realidade.

Dois meses depois de uma cerimônia de paz patrocinada pelos EUA em outubro, os conflitos recomeçaram na fronteira entre Camboja e Tailândia, deixando mais de 30 mortos, entre soldados e civis, e deslocando 800 mil, segundo autoridades.

Também no cessar-fogo entre Israel e o grupo radical palestino Hamas foram registradas violações nas últimas semanas, e ainda não está claro como serão implementadas questões críticas da segunda parte do acordo, como o desarmamento do Hamas.

Já a percepção de Trump sobre o papel dos EUA na breve guerra entre Israel e Irã, no início deste ano, é mais o reflexo da falta de poderio militar da República Islâmica do que de uma verdadeira iniciativa de paz.

Na verdade, das oito guerras que Trump afirma ter encerrado, duas nem sequer foram conflitos armados: não havia estado de guerra entre Egito e Etiópia nem entre Sérvia e Kosovo, mas tensões entre os países.

Em outros casos, até mesmo aliados de Trump parecem estar se afastando de sua esfera de influência: nas tensões entre Índia e Paquistão, Nova Déli busca diminuir o envolvimento dos EUA, enquanto o Paquistão continua a cortejar o governo Trump.

A única guerra que o governo Trump comprovadamente ajudou a resolver é a disputa entre Armênia e Azerbaijão, onde o envolvimento ativo dos EUA levou efetivamente ao fim de um conflito de quase 40 anos.

“O que ele chama de paz foram, em sua maioria, pausas temporárias ou acordos de normalização que ignoraram as causas profundas do conflito. Não se trata de acordos de paz duradouros, mas de soluções políticas de curto prazo que adiaram – em vez de impedir – a retomada da guerra”, diz a ativista Medea Benjamin, fundadora do grupo pacifista Code Pink, dos EUA.

Grande pacificador

Não é nenhum segredo que Trump se considera merecedor do Prêmio Nobel da Paz, pelo qual fez campanha, e que espera ser o quinto presidente dos EUA a recebê-lo.

Mas, à parte isso, o historiador Theo Zenou avalia que há uma força maior impulsionando o esforço do presidente dos EUA de ser visto como um grande pacificador durante seu segundo mandato: seu “desejo de ser aclamado mundialmente como um grande líder”.

“Ele sabe que não há nada mais nobre do que ser visto como um pacificador. Mas ele não quer fazer o árduo trabalho de ser um pacificador, que envolve supervisionar longos processos de reconciliação entre nações em guerra”, diz Zenou.

O pesquisador Eugenio Costa Almeida, do Instituto Universitário de Tecnologia de Lisboa, avalia que a atuação diplomática de Trump vai além do prestígio pessoal e opera “na interseção entre estratégia geopolítica, interesses econômicos e uma lógica de afirmação da liderança pessoal e eleitoral”.

Mas essa atuação não está de fato funcionando, avalia Costa Almeida, por deixar de fora atores-chave dos conflitos. No caso da RDC, o pesquisador destaca que o grupo rebelde M23 foi excluído do acordo de Trump mesmo tendo assinado um acordo provisório com o governo do país no Catar, meses antes.

Já Benjamin avalia que os esforços de Trump pela paz têm pouco que ver com um interesse genuíno em melhorar o mundo e são sobretudo uma justificativa para o corte de ajuda militar, ajuda ao desenvolvimento e outros tipos de auxílio no exterior, o que se alinha ao princípio “Os Estados Unidos em primeiro lugar” e acena à base política do mandatário republicano.

De olho na China

E há ainda a competição com a China pela hegemonia global. A nova Estratégia de Segurança Nacional colocou a rivalidade geopolítica entre os EUA e a China como uma competição sobretudo econômica, e combater o poder da China no cenário internacional é agora o principal objetivo do governo americano.

Nesse contexto, assinar indiscriminadamente os chamados acordos de paz permite a Trump “afirmar sua liderança global e posicionar os Estados Unidos como um mediador indispensável num momento em que a China está expandindo sua influência diplomática e econômica na África, bem como em outras regiões”, afirma Costa Almeida.

“A competição entre potências globais – especialmente por recursos estratégicos, como minerais críticos e terras raras, como os da República Democrática do Congo – sugere que reduzir a esfera de influência de rivais como a China pode ser um fator subjacente”, acrescenta.

Zenou acrescenta que Trump está disposto a usar “todos os meios que considera aceitáveis” para atingir seus objetivos – e os dos EUA – e que o presidente americano não hesitaria em usar da “coerção ou intimidação para conseguir o que quer”.

Para os países envolvidos, os acordos facilitados por Trump podem servir ao propósito de agradar o presidente americano e assim “garantir tarifas de importação mais baixas ou uma cooperação mais estreita com os EUA em questões econômicas e de segurança”.