Com popularidade em queda, presidente deu reviravolta e transformou legislativas em plebiscito a seu favor. Para analistas, triunfo nas urnas se deve a temor de instabilidade econômica e de volta do peronismo.Em resultado surpreendente até para os próprios membros de seu partido, o governo do presidente Javier Milei obteve uma clara vitória nas eleições legislativas de domingo (26/10) na Argentina.

O partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA), registrou quase 41% dos votos, superando em nove pontos percentuais o peronismo kirchnerista e seus aliados, que obtiveram quase 32%.

Milei e seus correligionários teriam se dado por satisfeitos com muito menos. Há pouco mais de um mês, nas eleições da província de Buenos Aires, a coalizão peronista saiu triunfante, por uma ampla margem sobre o LLA.

“O governo estava sem ar e nas cordas. E, de repente, deu um golpe e nocauteou o adversário”, afirmou à imprensa argentina o analista político Marcelo Bonelli, comparando a vitória de Milei a uma luta de boxe.

Busca por estabilidade

Para o sociólogo Gabriel Rocca, pesaram mais na avaliação dos eleitores a contenção da inflação e o dólar barato, vitórias atribuídas ao atual governo, e menos as denúncias de corrupção ou os vínculos de alguns dos candidatos governistas com o narcotráfico.

“Trata-se de um sucesso extraordinário de Milei, já que a eleição foi apresentada como um plebiscito sobre sua gestão e, nessa lógica, ele obteve um apoio contundente”, afirma.

Na interpretação de outros analistas ouvidos pela DW, parte da sociedade sentia que, se Milei perdesse a eleição, a Argentina enfrentaria um cenário de turbulência política, econômica e social. A isso, se soma a rejeição ao governo anterior num cenário de afiada polarização política.

“O apoio ao governo reuniu aqueles que perceberam uma encruzilhada entre duas opções: Milei ou o caos”, diz o cientista social Nicolás Welschinger. Ele cita entre os principais medos deste segmento da população a disparada do dólar, o colapso financeiro, o retorno do peronismo e a perda do apoio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O chefe da Casa Branca é o outro vencedor desta eleição, de acordo com Rocco. “Sua intervenção inédita na política e na economia argentinas foi fundamental para sustentar as aspirações eleitorais do governo.”

Vulnerabilidades permanecem

O governo aumentou significativamente sua representação no Congresso: passou de 37 para 93 cadeiras na Câmara dos Deputados – de um total de 257 – e de 6 para 19 cadeiras no Senado – de um total de 72.

Para o analista econômico Juan Massot, Milei terá maior margem de manobra em matéria macroeconômica, como para conduzir mudanças da política monetária e cambial. O que não significa, entretanto, que a situação argentina tenha deixado de ser frágil.

“Esta eleição não reduz, a curto prazo, a vulnerabilidade do país frente a choques externos, como uma queda na demanda por commodities ou uma crise financeira global”, afirma Massot. “Não é fácil conseguir uma melhoria rápida do emprego e do salário real, mesmo com uma política macroeconômica bem elaborada.”

A sociedade argentina, entretanto, deverá começar a cobrar resultados em breve da gestão Milei – sobretudo uma vez passada a euforia dos mercados. É esta a avaliação do analista político Gustavo Córdoba.

“Não houve um voto de premiação, mas sim um voto de prorrogação, no sentido de ‘vamos ver se agora, com este terceiro impulso eleitoral, o governo vai concretizar as reformas e o bem-estar econômico prometidos'”, afirma.

As próximas eleições presidenciais na Argentina estão previstas para 2027, e o país começa a analisar os resultados das urnas de olho no pleito. Num cenário de pouca estabilidade política e econômica, entretanto, analistas e eleitores sabem que até lá muito pode acontecer.