01/12/2010 - 0:00
Santorini, no Mar Egeu: a erupção do vulcão da ilha, em 1628 a.C., poderia ter dado origem ao mito da Atlântida.
Atlântida
A grande ilha descrita pelo filósofo grego Platão (427- 347 a.C.) nos livros Timeu e Crítias, cuja civilização teria sido destruída por terremotos e tsunamis depois de passar por um processo de degeneração, já ganhou dos pesquisadores as mais variadas localizações. Segundo algumas hipóteses, ela ficava: ao sul da Espanha; no litoral da Holanda; na costa atlântica perto do Estreito de Gibraltar; a sudoeste da Inglaterra; na Irlanda; no Mar Negro; ou até mesmo seria o continente americano.
Para Julia Annas, professora de filosofia da Universidade do Arizona (EUA), as coordenadas geográficas da Atlântida não interessavam muito a Platão; na verdade, ele teria elaborado uma ficção como suporte para discutir temas como governo e poder. Já pesquisadores que buscam o palco dessa suposta ficção salientam que os eventos descritos não teriam ocorrido em um ponto muito distante do lar do filósofo. O australiano Dale Dominey-Howes, da Universidade de Nova Gales do Sul, é um dos que apostam na ilha de Santorini, no Mar Egeu, cujo vulcão teve uma violenta erupção em 1628 a.C. O vulcão “basicamente entrou em colapso no mar no fim da erupção”, afirma ele. No epicentro, calculase que as ondas resultantes superaram 100 metros de altura. “O tsunami viajou em todas as direções”, avalia Dominey-Howes. O episódio é ligado ao fim da civilização minoica, na ilha de Creta.
Outra possível localização da Atlântida seria Helike, cidade-estado 150 quilômetros a oeste de Atenas, sede de uma floresta dedicada ao deus do mar, Poseidon, e conhecida por promover a coexistência pacífica com os estados vizinhos. O terremoto que varreu totalmente Helike do mapa, em 373 a.C., quando Platão estava na casa dos 50 anos, pode tê-lo inspirado a criar o cataclismo que destruiu a Atlântida.
As linhas da Atlântida?
A hipótese de que a Atlântida estaria além do Estreito de Gibraltar ganhou algum fôlego em 2009, quando o jornal britânico The Sun divulgou que uma busca feita pelo engenheiro aeronáutico inglês Bernie Bamford com o uso da ferramenta Google Ocean (uma extensão do Google Earth que combina imagens de satélite e mapas marinhos) encontrou no Oceano Atlântico, cerca de mil quilômetros a oeste da costa africana, na região das Ilhas Canárias, uma vasta área submersa (ao redor de 20.000 km2) com linhas cruzadas que lembrariam as vias de uma grande metrópole. Na avaliação de Bamford, as linhas – situadas a mais de 5,5 mil metros de profundidade, na Planície Abissal da Madeira – se mostram muito extensas e organizadas para serem algo feito pela natureza. O Google afirmou que as linhas cruzadas eram dados de sonar coletados enquanto os barcos mapeavam o leito oceânico, mas não soube explicar o que significavam os pontos em branco entre as linhas.
Amazônia
Um voo para Rio Branco, a capital acreana, feito em 1999 pelo paleontólogo brasileiro Alceu Ranzi (da Universidade Federal do Acre) pode ter sido o início de uma ampla reviravolta na arqueologia amazônica. Essa região, dominada pela floresta tropical, tradicionalmente não era considerada lar de civilizações mais desenvolvidas. Mas o que Ranzi viu do alto, graças ao avanço do desmatamento na área, estava longe de parecer obra de uma tribo primitiva: uma grande série de figuras geométricas, incluindo retângulos e círculos perfeitos, gravadas no solo.
Ranzi atraiu a atenção de pesquisadores nacionais e estrangeiros para sua descoberta e, hoje em dia, já foram encontrados mais de 250 geoglifos (nome cunhado por Ranzi) na região do Alto Rio Purus, abrangendo o leste do Acre, o sul do Amazonas, o oeste de Rondônia e o norte da Bolívia. Em artigo publicado na revista Antiquity em 2009, Ranzi, a arqueóloga brasileira Denise Schaan (da Universidade Federal do Pará) e o antropólogo finlandês Martti Pärssinen descrevem os achados:
A civilização do Xingu
A fronteira do Acre com a Bolívia não seria o único reduto de uma civilização adiantada na Amazônia. O antropólogo norteamericano Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida em Gainesville, passou parte de 1993 vivendo com a tribo kuikuro, perto da cabeceira do Rio Xingu, e ali ouviu narrativas sobre vestígios de povos antigos nas redondezas. Ele começou a mapear esses locais – traços de estradas, casas e represas – em detalhes e publicou um artigo sobre o tema na revista Science em 2008. Heckenberger suspeita que dúzias de povos evoluídos viveram na Amazônia até serem dizimados por doenças trazidas pelo homem branco.
“Em geral, as figuras geométricas são formadas por uma vala de cerca de 11 metros de largura e atualmente 1-3 metros de profundidade, com bordas de terra adjacentes com 0,5-1 metro de altura, formadas pela deposição do solo escavado”, explicam os autores. “Os anéis das valas têm diâmetros que variam de 90 metros a 300 metros. As estruturas circulares são mais comuns no sul, enquanto estruturas compósitas e retangulares se tornam mais frequentes na direção norte. Quando há duas ou mais estruturas, elas são geralmente ligadas por estradas de terra. Algumas das estruturas retangulares simples podem ter estradas curtas saindo do meio dos lados ou dos cantos. As figuras compostas incluem um retângulo dentro de um círculo ou vice-versa.”
Datados entre os anos 1200 e 1283, esses geoglifos pré-colombianos seriam resquícios de avenidas, praças, sítios cerimoniais, casas, pontes, canais e estradas, espalhados ao longo de mais de 250 quilômetros de extensão. A população responsável por essas obras teria atingido 60 mil pessoas, avaliam Denise, Ranzi e Pärssinen – um número excessivo de habitantes para a capacidade da área.
Hoje se suspeita que o que já foi descoberto representa apenas 10% do total de geoglifos e ruínas existentes na área – o resto estaria coberto pela vegetação. As marcas são visíveis pelo Google Earth – uma ferramenta preciosa para os estudos na área, segundo os cientistas, já que é mais fácil observar essas figuras do alto do que no nível do solo.
As estátuas da Ilha de Páscoa são um testemunho de uma cultura que não resistiu a obstáculos criados por ela mesma – e pelos visitantes ocidentais, segundo as mais recentes teorias. Na página ao lado, um dos geoglifos recentemente encontrados na Amazônia.
Ilha de Páscoa
Quando o navegador holandês Jacob Roggeveen chegou a esse remoto ponto do Pacífico, em 1722, encontrou uma terra escassamente povoada, cuja “aparência desgastada não daria outra impressão que não fosse a de uma singular aridez e pobreza”. A partir dos relatos dos habitantes locais, encadeou-se uma série de eventos que explicava como a ilha chegara àquela condição: degradação ambiental, superpopulação, disputas entre clãs, surtos de fome que degeneraram inclusive em canibalismo. O biólogo norte-americano Jared Diamond abordou o caso detalhadamente em seu livro Colapso, de 2005, citando-o como amostra do que os homens podem gerar ao destruir o ambiente que os abriga.
Os relatos tradicionais da derrocada da Ilha de Páscoa estão sendo revistos. N ão há, por exemplo, muitas evidências que confirmem uma onda de fome
Imagem da Ilha de Páscoa do século 19, com alusão ao suposto canibalismo que teria grassado centenas de anos antes entre a população. Para Hunt e Lipo, não há confirmação histórica de onda de fome na ilha.
O antropólogo Terry Hunt, da Universidade do Havaí, e o arqueólogo Carl Lipo, da Universidade Estadual da Califórnia, Long Beach, têm reparos a fazer em relação a esse roteiro. Segundo seus estudos, divulgados em 2006, o desflorestamento, por exemplo, foi causado não apenas pelo corte para a produção de embarcações, mas também pela ação de ratos que vieram nos barcos dos primeiros ocupantes da ilha. Os dados disponíveis sobre a erosão do solo foram extrapolados de um único ponto da ilha para todo seu território. E as severas ondas de fome produzidas enquanto Páscoa era desmatada têm poucas evidências comprobatórias. Pesquisas mais recentes, aliás, apontam na direção contrária: a população pascoana cresceu durante o processo de desflorestamento.
Mas e a descrição de Roggeveen? Hunt e Lipo não a explicam, mas contrapõem a ela o relato de um membro de uma expedição francesa à ilha em 1789: “Em vez de encontrar homens exaustos pela fome (…), deparei, ao contrário, com uma população considerável, com mais beleza e graça do que os que encontrei depois em qualquer outra ilha; e um solo que, com muito pouco trabalho, oferecia excelentes provisões.”
As únicas evidências mais nítidas de um colapso populacional, segundo Hunt e Lipo, surgiram apenas depois da chegada de navegadores ocidentais à ilha. Entre 1722 e 1862, cerca de 50 navios europeus aportaram ali. Há relatos da difusão de doenças transmitidas sexualmente nos anos 1830, e a varíola se espalhou após a passagem de navios escravos com bandeiras do Peru e da Espanha, nos anos 1860. Em 1877, as doenças e as expedições em busca de escravos reduziram a população pascoana a cerca de 100 pessoas.
Em suma: foi a presença europeia, e não a devastação ambiental, a principal responsável pelo desastre pascoano, afirmam Hunt e Lipo. “As coisas funcionaram bem para os antigos ilhéus por séculos antes de os forasteiros chegarem”, diz Hunt. “Os visitantes europeus viram um estado patético e quiseram saber sobre um passado mais glorioso. O que eles não reconheceram foi que as doenças que haviam introduzido explicavam o triste estado que testemunharam.”
Vista do oásis de Dakhla, no oeste do Egito. O local teria sido ponto de passagem de uma civilização que habitava o deserto, cujos conhecimentos permitiram aos antigos egípcios atingir um elevado grau de evolução.
Civilizações do Saara
Em 1999, o alemão Carlo Bergmann encontrou três cacos de cerâmica antiga nas redondezas do oásis de Dakhla, a 350 quilômetros a oeste do Cairo. A descoberta levou-o a pesquisar mais, com a ajuda de dois arqueólogos conterrâneos, e em 2001 os três localizaram os vestígios de 27 “estações” ao longo de uma trilha usada no passado, denominada Abu Ballas, que corria 350 quilômetros a sudoeste de Dakhla, em pleno Saara, e desaparecia de repente. “É a primeira estrada trans aariana e mostra que havia expedições faraônicas que mergulhavam no deserto”, afirma Stefan Krö, da Universidade de Colônia (Alemanha), um dos arqueólogos envolvidos na expedição. Mas Bergmann e outros estudiosos sugerem uma hipótese mais ousada: em vez de uma rota concebida pelos antigos egípcios, ela seria obra de outra civilização, instalada no deserto, cujos conhecimentos permitiram ao Egito faraônico chegar ao seu elevado grau de evolução.
Como reforço à tese, pesquisadores encontraram ferramentas de pedra datadas de cerca de 5500 a.C. em Djara, local situado entre os oásis ocidentais e o vale do Rio Nilo. Essas peças só surgiram no vale do Nilo por volta de 500 anos depois. O deserto a oeste do Nilo também foi objeto de escavações do norte-americano Fred Wendorf, da Universidade Metodista do Sul, em Dallas. O material ali descoberto sugere que o culto a animais de criação, importante na época dos faraós, nasceu ali. Para Wendorf, a cultura ali baseada também desenvolveu conhecimentos astronômicos, adotados depois pela era pré-dinástica – outro reforço à hipótese de uma inesperada influência externa no antigo Egito.
Mas não foram esses os únicos segredos expostos pelo deserto ocidental. No sul da Líbia, pesquisadores das Universidades de Leicester e Newcastle (Grã-Bretanha) encontraram restos de cidades e uma grande rede de canais de irrigação espalhada por milhares de quilômetros. As obras são atribuídas aos garamantes, povo cujo ápice se deu nos primeiros séculos depois de Cristo. Eles teriam comerciado com seus contemporâneos romanos e, por vezes, atacado suas bases. Uma das curiosidades achadas pelos pesquisadores foi um azulejo de banho romano mil quilômetros deserto adentro. Os garamantes desapareceram misteriosamente, mas, para David Mattingly, da Universidade de Leicester, não há dúvida de que eles formaram um dos primeiros Estados saarianos.