04/04/2025 - 8:20
Supremo Tribunal Federal determina ações para reduzir letalidade em operações da polícia, mas flexibiliza algumas normas.O estado do Rio de Janeiro terá que apresentar um plano abrangente para reocupar territórios atualmente dominados por organizações criminosas, como parte de um plano de ações relativas à segurança pública aprovado ontem, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O conjunto de medidas estabelece regras paras garantir a redução da letalidade da Polícia Militar durante operações nas comunidades do Rio. Ao mesmo tempo, flexibiliza vários pontos previstos na liminar anterior, de 2020, com o fim das restrições ao uso de helicópteros nas incursões policiais.
A decisão foi firmada ao final do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 365, conhecida como ADPF das Favelas. O processo tramitava na Corte desde 2019, quando entidades de direitos humanos denunciaram uso desproporcional da força repressiva nas operações.
O relator do caso, o ministro Edson Fachin, reconheceu avanços das autoridades fluminenses na diminuição da letalidade policial, mas rebateu as acusações de que a ADPF vinha limitando os esforços contra o crime organizado.
“O que dizem os fatos é que no período de vigência das medidas cautelares proferidas nesta ação caíram significativamente os índices de letalidade policial, bem como de vitimização policial e outros diversos índices oficiais de criminalidade”, afirmou durante o julgamento.
Entenda a seguir o que muda com a decisão do STF.
Plano de retomada de aéreas ocupadas
A Corte determinou que o Estado do Rio de Janeiro apresente um plano de retomada das regiões que hoje estão sob o domínio de facções criminosas. O programa terá que levar em conta princípios do urbanismo social e viabilizar a presença do poder público de maneira permanente.
As ações incluiriam a instalação de equipamentos públicos, a elaboração de políticas voltadas aos jovens e o fomento à qualificação de serviços públicos.
Uso de helicópteros liberado
Em 2020, o ministro Edson Fachin havia restringido o uso de helicópteros em operações nas favelas a situações de “extrema necessidade”, com a apresentação de justificativa por relatório. Agora, porém, as restrições foram derrubadas, embora o STF tenha reforçado a necessidade de cumprimento de parâmetros proporcionais no uso da força.
“Ao Judiciário não é dado definir, previamente à operação, qual é o armamento a ser utilizado ou qual é o contingente a ser empregado”, disse Fachin no voto consensual.
Sem restrições a operações perto de escolas e hospitais
O STF também relaxou as regras para operações em perímetros de escolas, creches, hospitais e postos de saúde. Pela liminar, essas incursões só poderiam ocorrer em situações “excepcionais” e deveriam ser comunicadas previamente ao Ministério Público e autoridades de saúde e educação, com um abrangente relatório de justificativas.
Com a nova ordem, “não há restrições territoriais por perímetro à ação policial”, mas a proporcionalidade deve ser respeita. A utilização de escolas ou hospitais como base operacional passa a ser permitida em caso de “extrema necessidade”, desde que se verifique o uso desses estabelecimentos por elementos criminosos.
Atuação da Polícia Federal
Ainda conforme a decisão, aPolícia Federal terá que abrir inquérito para a apuração de indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional. Violações de direitos humanos cometidas pelas organizações criminosas também devem ser investigadas.
A PF poderá trabalhar com outras forças de segurança para identificar a atuação desses grupos, sobretudo as movimentações financeiras. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Receita Federal e a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio de Janeiro devem dar prioridade máxima a esses casos.
Autópsia obrigatória
O tribunal estabeleceu ainda protocolos para casos de mortes de civis ou agentes de segurança em decorrência de intervenção policial. Os eventuais corpos serão fotografados na posição em que forem encontradas e sempre será realizada uma autópsia, com laudo em até dez dias. O Ministério Público deve ser imediatamente informado das ocorrências.
Uso de câmeras e saúde mental
O STF aumentou de 120 para 180 dias o prazo para que o governo do Rio implemente sistemas de câmera, gravação e GPS nas fardas dos agentes das polícias Civil e Militar. A Corte reconheceu, porém, que as corporações avançaram na instalação desses equipamentos.
Também em 180 dias, as autoridades do Rio deverão criar um programa de assistência à saúde mental dos profissionais de segurança público. Nos episódios mais críticos, o atendimento psicossocial passa a ser obrigatório.
Repercussão
O governador do Rio de Janeiro (PL), Cláudio Castro, comemorou a decisão do STF e chamou de “importantíssima” a retirada de restrições ao uso de helicópteros. “O dia a dia da atividade policial é diferente, mas não tenho dúvidas de que a decisão retirou barreiras em relação à atuação das nossas forças de segurança no combate à criminalidade”, afirmou em Brasília, onde acompanhou o julgamento.
Castro era um dos principais críticos à ADPF das Favelas, a qual acusava de limitar as ações de segurança pública. No ano passado, relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em números da Polícia Civil, atribuiu o avanço de facções no Rio, em parte, às restrições impostas pelo STF em 2020.
Apesar disso, levantamento do Instituto Fogo Cruzado apontou que, entre os 174 tiroteios registrados na região metropolitana do Rio em março, 39% aconteceram em operações militares. A proporção é maior que a verificada em igual mês de 2024, quando 25% dos disparos se deram nessas condições.
Para o advogado Humberto Adami, representante do Movimento Negro Unificado (MNU) e o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), o cenário refuta a tese de Castro de que o Supremo teria impedido a atuação policial. “Os ministros lembraram que não é só a polícia, o Estado tem que funcionar de outras formas [no combate à criminalidade]”, afirmou ele, que também acompanhou o julgamento do Supremo.
A ONG Rede das Marés, que atua na favela que é um dos principais focos de violência do Rio, expressou preocupação com a possibilidade do uso irrestrito de helicópteros. Mesmo assim, a organização considerou a decisão geral um “passo importante no avanço para a garantia de direitos fundamentais a populações de favelas e periferias”.
am/cn (ots)