República Democrática do Congo está sob ataque de grupos rebeldes no leste do país, uma região rica em minerais usados na fabricação de tecnologia de ponta. Civis já começaram a fugir para nações vizinhas.O aumento da violência na República Democrática do Congo provocou temores de instabilidade em larga escala em um dos países mais abalados por conflitos na África. Em 27 de janeiro, o grupo rebelde M23, apoiado por soldados da vizinha Ruanda, assumiu o controle de Goma, a maior cidade do leste do país. Com cerca de 1 milhão de habitantes, Goma desempenha um papel essencial na economia e na administração da RD Congo.

Na esteira da invasão, uma fuga em massa da principal prisão da cidade levou mais de 4 mil detentos às ruas, fazendo com que os moradores se trancassem em casa.

Na capital, Kinshasa, manifestantes responderam atacando as embaixadas de países como Bélgica, Holanda, Quênia, Uganda e Estados Unidos, exigindo que a comunidade internacional pressione Ruanda por seu suposto envolvimento no conflito.

Por que o conflito interessa ao resto do mundo

Rica em recursos naturais, a República Democrática do Congo tem metais e minerais como ouro, estanho e coltan que são essenciais para a fabricação de telefones celulares e baterias para veículos elétricos.

E é por isso que o conflito, aparentemente distante, pode repercutir no mundo inteiro. Inclusive no Brasil, onde 87,6% da população acima dos dez anos de idade usa smartphone, segundo o IBGE, e cada brasileiro tem em casa, em média, 2,2 aparelhos como computadores, smartphones, laptops e tablets, de acordo com um estudo de 2024 da Fundação Getulio Vargas.

Esses minerais usados na produção de tecnologia de ponta desencadearam um ciclo de corrupção e derramamento de sangue em meio à disputa pelo controle do território por grupos armados, milícias locais e agentes estrangeiros.

A RD Congo tem sido abalada por conflitos há mais de 30 anos, desde o genocídio de Ruanda, em 1994.

Os conflitos armados já deslocaram mais de 7 milhões de pessoas somente dentro do país. Organizações de direitos humanos têm relatado atrocidades generalizadas, incluindo massacres, violência sexual e recrutamento de crianças como soldados.

Mais de 100 grupos armados disputam controle da região

No centro da crise na RD Congo está o ressurgimento do grupo rebelde M23, liderado pela etnia tutsi, que ganhou poder rapidamente em 2012 e tomou a cidade de Goma, mas foi expulso pelo exército congolês e pelas forças da ONU em 2013.

O M23 voltou a pegar em armas em 2021, alegando agir para proteger os tutsis de discriminação e violência.

Já as autoridades congolesas afirmam que o grupo é apenas um representante de forças externas que buscam controlar os abundantes recursos minerais do país, especialmente nos territórios que fazem fronteira com Ruanda e Uganda.

Atualmente, há mais de 100 grupos armados tentando se instalar no leste da República Democrática do Congo. Os esforços para pacificar a região, a exemplo de um acordo de paz com os rebeldes do M23, assinado em Nairóbi, no Quênia, em 2013, fracassaram diversas vezes.

Qual é o papel de Ruanda?

O envolvimento de Ruanda na RD Congo é um ponto de tensão internacional. Oficialmente, autoridades ruandesas negam apoiar os rebeldes do M23. Mas, desde 2012, especialistas da ONU e de organizações de direitos humanos acusam Ruanda de apoiar o M23 com logística, armas e até mesmo pessoal.

Em parte, essa história começa no genocídio de Ruanda em 1994, quando 800 mil pessoas, principalmente da comunidade tutsi, foram massacradas por extremistas da etnia hutu. O genocídio terminou com o atual presidente de Ruanda, Paul Kagame, liderando uma força de rebeldes tutsis. Muitos hutus fugiram pela fronteira para a República Democrática do Congo.

Kagame alega ser necessário neutralizar as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), um grupo rebelde hutu que opera no leste da RD Congo. O argumento é que alguns membros desse grupo, que participaram do genocídio de 1994, representariam uma ameaça direta à segurança de Ruanda.

Já o governo congolês acusa Ruanda de usar o conflito como uma desculpa para explorar os recursos naturais, principalmente nas áreas controladas pelo M23. O comércio de minerais, incluindo o tráfico ilegal de ouro e coltan, é um negócio lucrativo que supostamente beneficia Ruanda e desestabiliza a RD Congo.

O diretor do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos HORN, Hassan Khannenje, disse à DW que não acredita que Ruanda vá deixar o vizinho em paz tão cedo.

“Ruanda esteve, está e sempre estará envolvida na República Democrática do Congo. O país é de interesse estratégico e nacional para Ruanda. Não se trata apenas de minerais, embora os minerais alimentem o conflito”, disse Khannenje, acrescentando que a concorrência entre grupos rebeldes dão uma “justificativa adicional para ocupar partes da RDC”.

As consequências diplomáticas têm sido graves. Em 26 de janeiro, a RDC rompeu com Ruanda. Os esforços regionais de mediação pouco progrediram.

O conflito pode se espalhar?

De acordo com a ONU, o conflito pode se transformar em uma crise regional mais ampla. Alguns especialistas, como Khannenje, dizem que isso é improvável.

“O que podemos ver talvez seja apenas uma escalada entre as partes que já estão no conflito – o governo da RD Congo e o M23 – e algum apoio maior de países da região ou de fora dela”, afirma Khannenje.

Uganda, assim como Ruanda, também foi acusada de apoiar grupos armados no leste da RDC, embora negue as acusações. Em meio a isso, refugiados de Kivu do Norte, no leste do país, já estão fugindo para nações vizinhas, aumentando os temores de instabilidade nas fronteiras.

Sanções foram impostas aos líderes do M23, e houve advertências contra a interferência estrangeira. Mas não há resposta global ao conflito. Seu fardo e suas consequências são carregadas pelas nações africanas sozinhas, principalmente pelos mais de 100 milhões de habitantes da República Democrática do Congo.

Organizações humanitárias alertam que a violência pode levar à fome, ao surto de doenças e a mais deslocamentos em massa. Sem uma ação urgente, o conflito corre o risco de se transformar em uma tragédia de grande escala com consequências para toda a região.