14/11/2025 - 16:58
Operação “Lança do Sul” visa combater o “narcoterrorismo” na região, segundo Casa Branca. Mas governo Trump não esclareceu se a iniciativa apenas nomeia onda de ataques já realizados ou representa nova investida militar.O Pentágono anunciou nesta quinta-feira (13/11) o lançamento da operação militar “Lança do Sul” sem explicar os objetivos e as implicações desse passo em sua estratégia contra o narcotráfico no Caribe. O anúncio gerou maior tensão em meio ao recrudescimento da pressão da do presidente americano Donald Trump sobre a Venezuela.
A operação foi anunciada pelo secretário de Guerra dos EUA, Pete Hegseth, em sua conta oficial no X, definindo-a como uma missão que busca expulsar os “narcoterroristas” do hemisfério e proteger os Estados Unidos do fluxo de drogas originado na América Latina.
“Esta missão defende nossa pátria, elimina os narcoterroristas do nosso hemisfério e protege nossa pátria das drogas que estão matando nosso povo. O hemisfério ocidental é a vizinhança dos Estados Unidos – e nós o protegeremos”, escreveu Hegseth no X.
No entanto, o anúncio não foi acompanhado de contexto ou prazo da missão, o que gerou dúvidas se a investida seria apenas uma nova roupagem para as operações que os EUA já realizam no Mar do Caribe e no Pacífico, ou uma nova estratégia mais agressiva na região.
Sob o argumento de combater o narcotráfico, a administração de Trump intensificou sua ofensiva contra cartéis latino-americanos que considera terroristas e aos quais declarou um “conflito armado direto”.
Desde agosto, as forças dos EUA reforçaram suas operações em águas internacionais, enviando tropas e navios de guerra para a região. Em setembro, Washington começou a atacar embarcações que supostamente carregavam drogas e, até o momento, afundou pelo menos 20 barcos e matou 75 pessoas que estavam a bordo.
Um memorando secreto do Departamento de Justiça dos EUA obtido pelo New York Times procura validar juridicamente os ataques. O documento parte da premissa que os Estados Unidos vivem um conflito armado contra cartéis de drogas e argumenta que tais mortes extrajudiciais são atos de legítima defesa sob os poderes de guerra do presidente.
Coincidentemente, o governo americano renomeou o departamento chefiado por Hegseth para “Secretaria de Guerra”. “O presidente Trump ordenou ação, e a secretaria de Guerra está entregando”, disse o secretário ao anunciar a operação “Lança do Sul”.
Por outro lado, o mesmo memorando defende que os ataques não dependem de autorização do Congresso, uma vez que a ação não se enquadrada na Lei dos Poderes de Guerra, já que não expõem militares americanos a perigo direto, aponta o New York Times.
A estratégia é rechaçada por críticos, que consideram os bombardeios como crimes de guerra. Além da pressão imposta à soberania de países latino-americanos, os bombardeios diferem do modelo anterior de atuação dos EUA na região, que buscava interceptar tais embarcações e julgar seus tripulantes dentro do devido processo legal. Trump é acusado de ordenar assassinatos ilegais contra civis que não representam ameaça militar imediata.
Intensa movimentação militar
Horas antes da notícia do Pentágono, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, havia afastado a possibilidade de envio de suas forças ao México e rejeitou empreender “ações unilaterais” no país vizinho contra o narcotráfico sem que as autoridades locais o solicitem. A presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, já havia verbalmente rechaçado a presença de tropas americanas no país.
Já o caso da Venezuela e da Colômbia gera maior atrito. Trump não descartou possíveis ataques em águas territoriais destes países, conforme sugeriu em outubro em diferentes intervenções no Salão Oval. Reportagem da CNN americana identificou que o republicano ainda avalia bombardear instalações de cocaína e rotas de tráfico de drogas dentro do território venezuelano, o que representaria uma escalada inédita.
Somado ao ataque às embarcações, os EUA mobilizam destróieres com mísseis guiados, caças, bombardeiros, drones, um submarino de propulsão nuclear e um grupo de assalto anfíbio com 4,5 mil militares a bordo do porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do Pentágono. Isso representa 8% de toda a frota global americana de navios de guerra.
Washington também fortalece sua presença militar em países aliados. Pela primeira vez em mais de duas décadas, o Pentágono deslocou tropas terrestres para o Panamá. Exercícios militares são realizados com Trinidad e Tobago, a 10 quilômetros da Venezuela, e em um aceno a Trump, o Equador realizará um referendo para voltar a permitir a presença de forças estrangeiras em seu território.
Venezuela responde à “ameaça”
Esse deslocamento militar tensionou a relação de Washington com a Colômbia e seu presidente, Gustavo Petro, acusado por Trump de ser “narcotraficante” e sancionado economicamente. Petro rejeitou os ataques às embarcações, classificando-os como “execuções extrajudiciais”.
Entretanto, a principal pressão de Trump segue sendo contra Nicolás Maduro, a quem acusa de liderar o Cartel de los Soles para exportar drogas aos Estados Unidos.
Maduro denunciou a “ameaça” da presença militar americana e afirma que isso responde à vontade da Casa Branca de promover “uma mudança de regime” e retirar o chavismo do poder.
Apesar de amenizar o tom e pedir que uma guerra não seja deflagrada, o presidente venezuelano convocou a população a se preparar para uma eventual “luta armada”. Ele também ordenou a criação de comandos de defesa integrados por cidadãos, militares e funcionários públicos.
Além disso, também anunciou o deslocamento de 200 mil militares e a “mobilização de meios terrestres, aéreos, navais, fluviais e de mísseis” para enfrentar os Estados Unidos.
A líder opositora Maria Corina Machado, Prêmio Nobel da Paz de 2025, declarou na quarta-feira que o país vive “horas decisivas” de “um momento histórico”, sem falar explicitamente da ofensiva americana, mas pedindo uma “transição pacífica” na Venezuela, alimentando ainda mais os rumores de um possível ataque direto dos Estados Unidos.
Chegada de navio gera inflexão
Um dos principais pontos de inflexão no momento é a iminente chegada do USS Gerald R. Ford na região. A operação “Lança do Sul” foi anunciada apenas três dias após o maior navio de guerra americano entrar na zona do Comando Sul, que abrange a América Latina e o Caribe. Ainda faltam alguns dias para a embarcação alcançar a Venezuela.
Especialistas divergem sobre a possibilidade de aviões de guerra americanos decolarem do USS Gerald R. Ford para bombardear alvos dentro da Venezuela e aumentar a pressão sobre Maduro. Ainda assim, seja para esse propósito ou apenas para patrulhar o Caribe, a presença do navio por si só já envia uma mensagem.
“Este é o símbolo do que significa ter novamente poder militar dos EUA na América Latina”, disse Elizabeth Dickinson, analista sênior do International Crisis Group para a região dos Andes. “E isso gerou muitas ansiedades na Venezuela, mas também em toda a região. Acho que todos estão observando com expectativa para ver até que ponto os EUA estão realmente dispostos a usar força militar.”
Questionado, Marco Rubio insiste que o único foco da movimentação militar é impedir que drogas entrem nos EUA combatendo “narcoterroristas criminosos organizados”.
“É isso que ele autorizou. É isso que os militares estão fazendo. É por isso que nossos recursos estão lá”, disse a repórteres na quarta-feira.
Contudo, especialistas divergem sobre a real motivação da Casa Branca. “Não há nada que um porta-aviões traga que seja útil para combater o tráfico de drogas”, disse Dickinson. “Acho que é claramente uma mensagem muito mais voltada para pressionar Caracas.”
Bryan Clark, analista de defesa do Hudson Institute, afirmou que a administração Trump não teria enviado o Ford “se não pretendesse usá-lo”.
“Esta administração está muito aberta a usar força militar para alcançar determinados objetivos”, disse Clark. “Acho que eles vão querer realizar algumas operações militares, a menos que Maduro renuncie no próximo mês”
gq (EFE, OTS)
