14/03/2025 - 8:54
Washington e Kiev concordaram com um cessar-fogo temporário, mas Moscou impôs condições para aceitar pausa no conflito, que já dura mais de três anos. Confira os interesses dos implicados no conflito.Desde a reunião entre representantes dos governos dos Estados Unidos e da Ucrânia na cidade litorânea de Jeddah, na Arábia Saudita, há esperanças de um cessar-fogo temporário da guerra no país europeu, que já dura mais de três anos.
Uma trégua depende no momento da Rússia, o país agressor, que já indicou ser a favor da proposta, porém sob seus termos. Envolvidos ainda na busca de uma solução do conflito estão os Estados Unidos e União Europeia, que a apoiaram a Ucrânia após a invasão em fevereiro de 2022.
Confira quais são os interesses dos principais atores envolvidos na guerra da Ucrânia.
As condições da Rússia
O presidente russo, Vladimir Putin, disse nesta quinta-feira (13/03) estar aberto, em princípio, a um cessar-fogo de 30 dias na Ucrânia, mas elencou várias condições antes de se comprometer com uma paralisação dos combates.
Na sua primeira manifestação pública sobre a proposta de cessar-fogo de 30 dias que foi praticamente imposta aos ucranianos pelo governo do presidente americano, Donald Trump, Putin disse que há ainda muitas “questões” a serem resolvidas e sugeriu que quer negociá-las com Washington. Ele também não recuou nas exigências que já havia feito.
Nos últimos três anos de conflito na Ucrânia, Putin já deixou claro que pretende no mínimo impor uma neutralidade militar da Ucrânia – com o país fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) –, desarmamento do vizinho e reconhecimento da anexação ilegal sob o direito internacional de quatro regiões ucranianas ocupadas pelo Kremlin.
“Concordamos com a proposta de cessar as hostilidades, mas isso deve levar a uma paz duradoura e eliminar as causas subjacentes dessa crise”, disse Putin após o anúncio da proposta de cessar-fogo.
Segundo especialistas, Moscou quer empurrar a Otan para fora da Europa Oriental e aumentar sua influência na Ucrânia. “Não acho que seja realista que um acordo que preveja a independência e soberania da Ucrânia seja aceito pela Rússia”, avaliou o especialista em Rússia Janis Kluge, do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP) ao jornal americano The New York Times. Ele lembra ainda os apelos repetidos de Moscou por novas eleições na Ucrânia.
As condições que Moscou coloca para uma eventual negociação de paz se inserem nessa estratégia. Isso inclui a recusa da Rússia em aceitar a presença de tropas estrangeiras na Ucrânia para garantir um acordo de paz. A adesão da Ucrânia à Otan também é inaceitável para Moscou.
A devolução de territórios ucranianos anexados e ocupados pela Rússia também é pouco provável. Em fevereiro, Putin chegou a oferecer para o presidente dos EUA, Donald Trump, um acordo próprio de exploração de matérias-primas nos territórios ocupados. A Rússia estaria pronta “para trabalhar com os parceiros estrangeiros, incluindo os americanos, nessas novas regiões”, declarou Putin numa entrevista.
Moscou tem ainda um grande interesse na suspenção das sanções impostas ao país pelo Ocidente depois da invasão da Ucrânia. O boom econômico que a Rússia vivenciou devido à economia de guerra acabou, e agora paira a ameaça de recessão e inflação.
Ucrânia quer reaver territórios
Diante da intensa pressão americana, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, concordou em fazer concessões. Até pouco tempo atrás, a posição de Kiev era “não falar com Putin” e “recapturar todos os territórios ocupados pela Rússia, incluindo a Crimeia”.
Agora, depois do bate-boca no Salão Oval, no qual Trump acusou Zelenski de não demonstrar apreço pela ajuda dos EUA e ter má vontade com o fim da guerra, Kiev considera um sucesso a retomada da ajuda militar americana e da troca de informações de inteligência. No caso de um acordo, há também a perspectiva de possíveis garantias de segurança.
Embora um cessar-fogo não preveja a devolução dos territórios ocupados, a Ucrânia espera que esses territórios sejam reconquistados em longo prazo. Ao mesmo tempo, Kiev conta com o apoio internacional para fortalecer sua posição e garantir que a pressão sobre a Rússia seja mantida.
EUA querem cortar gastos e lucrar
Trump quer se destacar politicamente como o mediador da paz. Embora ele não tenha conseguido cumprir sua promessa de campanha de “encerrar a guerra 24 horas depois” de sua posse, ele conseguiu aumentar a pressão sobre Kiev e Moscou.
Na reunião de ministros do Exterior do G7 no Canadá, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, declarou que “seria perfeito” se o encontro enviasse a mensagem de que “os Estados Unidos fizeram algo de bom para o mundo”.
A paz possibilitaria para Trump alcançar seu objetivo de reduzir os gastos com ajuda militar e humanitária enviadas à Ucrânia. Isso também se encaixa em seus planos de diminuir o engajamento do país com a Otan e obrigar os países europeus a aumentarem seus orçamentos de defesa.
Os Estados Unidos têm ainda interesse nos recursos minerais da Ucrânia. O país europeu possui reservas de combustíveis fósseis e de minérios importantes. Um acordo que concede aos EUA o direito de explorar terras raras na Ucrânia, como compensação pela ajuda militar dos últimos anos, deveria ter sido assinado na Casa Branca em fevereiro.
Após a reunião explosiva em Washington, Trump cancelou a ajuda militar e de inteligência à Ucrânia. Diante da pressão e depois do encontro na Arábia Saudita, Zelenski teria concordado em assinar o acordo.
Especialistas temem que a pressão que Trump impôs a si mesmo para acabar rapidamente com a guerra poderia levá-lo a fazer concessões generosas a Putin.
União Europeia
A guerra na Ucrânia e o temor de que o conflito pudesse se espalhar por outros países fizeram com que os Estados-membros da União Europeia (UE) aumentassem drasticamente seus gastos com defesa. Países que foram neutros por décadas, como a Finlândia e a Suécia, entraram para a Otan.
A maioria dos Estados-membros do bloco aderiu às sanções econômicas contra a Rússia. “Precisamos colocar a Ucrânia na posição mais forte possível. Sanções são uma forma de exercer pressão”, declarou a chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas.
Bruxelas também pretende restringir a crescente influência russa na Europa e, por isso, ofereceu à Ucrânia a possibilidade de ingressar no bloco. Desde junho de 2022, o país é um candidato à adesão à UE.
Hungria e Eslováquia estão entre os países do bloco que simpatizam ou cooperam com Moscou, além da Sérvia, que é candidata à adesão à UE. Na Romênia, o candidato de extrema direita à Presidência Calin Georgescu foi apoiado pela Rússia – no entanto, o Tribunal Constitucional romeno barrou a sua candidatura, após a anulação do pleito realizado em novembro.