23/10/2025 - 8:24
Americano acusa líderes de Venezuela e Colômbia de envolvimento com narcotráfico. Retórica do “narco” desencadeia tensões e pode ser pretexto para justificar objetivos políticos mais amplos na região.O governo dos EUA informou nesta quarta-feira (22/10) ter bombardeado um segundo barco no Oceano Pacífico, em águas internacionais perto do litoral da Colômbia, matando três pessoas, que chamou de “narcoterroristas”, um dia após ter destruído outra embarcação na região, deixando dois mortos.
Os bombardeios marcam uma expansão da operação militar iniciada semanas atrás no Caribe – onde ocorreram sete ataques americanos a embarcações que Washington alega serem relacionadas ao narcotráfico –, causando mais de 30 mortos e aumentando a tensão com Venezuela e Colômbia.
Não só “narcoterrorista”, mas também “narcoestado” e “narcoditadura” são termos que estão ressurgindo nas narrativas geopolíticas das Américas. O prefixo “narco” começou a ser usado na década de 1980 com o surgimento e aumento do poder das organizações de tráfico de drogas e teve uma evolução desfavorável para a região.
O atual conflito armado no Mar do Caribe e no Oceano Pacífico contra supostos cartéis de drogas, que os Estados Unidos classificaram como organizações terroristas, abala as relações diplomáticas do hemisfério, criando novos confrontos e cenários políticos repletos de incertezas.
A relação histórica entre governos autoritários e narcotráfico vai além das ideologias. O breve regime anticomunista de Luis García Meza na Bolívia foi apelidado de “ditadura da coca” e caiu em 1980 devido aos seus vínculos com o narcotráfico. Mas o termo “narcoestado” tornou-se popular na Colômbia com o Cartel de Medellín e o poder político alcançado por seu chefão, Pablo Escobar. Hoje, as implicações de rotular um presidente ou uma nação como narcos podem repercutir em todo o hemisfério.
Colômbia tem um “narcopresidente”?
Recentemente, o presidente dos EUA, Donald Trump, se referiu ao presidente colombiano, Gustavo Petro, como um “chefão do tráfico”. A Colômbia agora “enfrenta uma grave crise de segurança”, ressalta Rebecca Bill Chávez, presidente do think tank Diálogo Interamericano, com sede nos Estados Unidos.
Os dois países desenvolveram a aliança mais forte do continente desde 2000, com avanços importantes no combate ao narcotráfico, financiado pelos EUA com até 2 bilhões de dólares por ano. “Mas, nos últimos anos, esse progresso se deteriorou, especialmente desde que Petro assumiu o poder”, explica Chávez. “O cultivo e a produção de coca atingiram níveis recordes, grupos armados se fragmentaram e se expandiram para novas áreas, e a violência contra líderes sociais disparou.”
Imediatamente após esses insultos, Trump anunciou o fim dos subsídios e financiamentos americanos para a Colômbia combater o narcotráfico. Segundo Rebecca Bill Chávez, essa ação “só pioraria uma situação já ruim. Enfraqueceria a capacidade da Colômbia de controlar seu próprio território e daria às redes criminosas mais espaço de manobra”.
A Colômbia é o maior produtor de cocaína do planeta e abriga as principais rotas do narcotráfico. O conflito gerado pelas políticas conflitantes de Trump e Petro pouco contribui para reverter ou controlar a indústria das drogas, o que tem efeitos negativos em toda a região. Especialistas concordam que a verdadeira ameaça não reside no uso do prefixo “narco”, mas em como o narcotráfico afeta as estruturas estatais e enfraquece a democracia.
Para Jonas von Hoffmann, pesquisador do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), sediado em Hamburgo, chamar o presidente do país, Gustavo Petro, de narcotraficante é algo que não tem credibilidade. “Embora seja verdade que tenha ocorrido em seu governo um aumento no cultivo de coca [uma tendência anterior ao seu mandato] e que ele tenha defendido políticas alternativas de drogas, isso não o torna um ‘narcopresidente’, por mais impreciso que seja o termo”, avalia o especialista.
A retórica das acusações de “narco” pode ter implicações muito mais sérias para a região e para a Colômbia. Chávez teme que “na pior das hipóteses, a retórica se endureça e leve a uma espiral de tarifas e sanções, bloqueios de ajuda se tornem permanentes e ataques marítimos ou aéreos se expandam devido a erros de cálculo ou danos a civis, desencadeando uma crise ainda maior”.
Das palavras aos atos
Chamar um governante de “narcopresidente” geralmente não tem consequências jurídicas. Hoffmann afirma que termos como “narcopresidente” ou “narcoestado” carecem de significado jurídico e têm valor analítico limitado.
“Todos esses prefixos foram usados política e estrategicamente para desqualificar certos atores… nenhum deles tem relevância jurídica em sentido estrito”, explica Hoffmann.
Em um dos casos mais emblemáticos, a oposição mexicana ao ex-presidente Andrés Manuel López Obrador conseguiu posicionar o rótulo “narcopresidente” para se referir ao presidente em diversos meios de comunicação e redes sociais. No entanto, “nenhuma das acusações realmente repercutiu entre os eleitores”, argumenta Hoffmann.
“O que poderia fazer a diferença, embora não necessariamente, seriam investigações criminais sobre ligações com o narcotráfico e condenações de altos funcionários e figuras políticas, como aconteceu com presidentes em Honduras e Paraguai.”
Venezuela, Equador e a geopolítica de narrativas
As percepções dos cidadãos sobre aqueles que os governam e a manipulação de narrativas desempenham um papel crucial na dinâmica de poder do continente. Há uma “multipolarização de narrativas, onde o discurso é completamente confuso”, afirma Leonardo Gómez Ponce, jornalista especializado em narcotráfico e fundador da unidade investigativa Tierra de Nadie, no Equador.
Para Gómez Ponce, enquanto as narrativas distraem a população “os grupos continuam operando e crescendo à vontade”. Segundo os especialistas, o narcotráfico é usado como pretexto para justificar objetivos políticos mais amplos na região.
Eles concordam que, no caso da Venezuela, o crime organizado e o narcotráfico estão de alguma forma ligados ao regime de Nicolás Maduro. No entanto, a intenção mais aparente de Trump é promover uma mudança de regime na Venezuela, em vez de atacar os canais de tráfico de drogas mais poderosos, como os da Colômbia ou do Equador. Petro também acusa Trump de tentar, com suas ações recentes, influenciar as eleições em seu país no próximo ano.
Enquanto aumenta a pressão americana sobre Venezuela e Colômbia, “no Equador, o presidente Daniel Noboa se alinhou ao presidente Trump na tomada de decisões”, enquadradas no combate ao narcotráfico, explica Gómez Ponce. Quando Noboa “propôs a abertura do Equador a bases militares estrangeiras, começou a se formar um triângulo que acabou criando o terreno fértil para uma estratégia militar perfeita para os EUA”, argumenta o analista.