Polícia de São Paulo trabalha com duas linhas de investigação. PF investiga vínculo com crime organizado e adulteração de combustíveis. Ministério da Saúde busca antídotos no mercado internacional.Em 12 de setembro, uma sexta-feira, o empresário Ricardo Lopes passou mal e foi internado no Hospital Villa Lobos, em São Paulo. Quatro dias depois, ele morreu com um quadro de sangue ácido e edema cerebral. A confirmação de que Lopes foi a primeira vítima de intoxicação por metanol veio apenas em outubro, quando as autoridades já investigavam outros casos suspeitos de óbito por consumo de bebidas adulteradas.

O problema não é inédito no Brasil. Em 1992, quatro pessoas morreram em São Paulo pelo mesmo motivo. Em 1999, a Bahia registrou 35 mortes por ingestão de cachaça contaminada.

O novo surto, porém, vem ganhando proporções nacionais. O problema já foi notificado em ao menos 13 estados, segundo boletim divulgado pelo Ministério da Saúde (MS) na última segunda-feira. A pasta confirmou 16 casos de intoxicação por metanol de pacientes em tratamento e investiga outros 209.

Também foram contabilizados 13 óbitos suspeitos, que estão em análise, e dois confirmados. Nesta terça-feira, o governo de São Paulo atestou uma terceira morte, em São Bernardo do Campo. As outras duas vítimas haviam consumido bebidas alcoólicas em bares da capital paulista.

O que as autoridades já identificaram

Ainda não se sabe a origem do metanol que causa intoxicação em São Paulo, principal afetado pelo problema com casos notificados em 25 cidades. Contudo, diligências realizadas nos bares onde vítimas consumiram destilados levaram à descoberta de milhares de garrafas sem rótulo e sem comprovação de procedência.

Até o momento, a polícia paulista prendeu 20 suspeitos de envolvimento na manipulação de bebidas nos últimos dias. Segundo o governo de São Paulo, elas não têm relação entre si, o que pode indicar que diferentes operações de falsificação acontecem de forma simultânea. Um dos suspeitos foi detido por supostamente abastecer falsificadores com garrafas, rótulos, tampas e selos imitando produtos originais.

Ao menos 11 estabelecimento foram interditados por questões sanitárias e, desde o final de setembro, 16 mil garrafas foram apreendidas. Deste total, 1,2 mil foram encontrados com rótulos trocados em Diadema. Outros 103 mil vasilhames vazios foram confiscados em um galpão clandestino na capital paulista que vendia as garrafas para terceiros. Uma fábrica clandestina foi fechada em Jundiaí e 316 mil rótulos falsificados foram encontrados em diligências em quatro cidades.

Produtos confiscados são periciados pela Superintendência de Polícia Técnico-Científica, que já encontrou metanol em destilados vendidos por duas distribuidoras de bebidas. Segundo nota técnica, a concentração da substância indica que ela não é fruto de destilação natural e estava acima dos níveis permitidos por lei.

As linhas de investigação da Polícia Civil

Em entrevista à CNN, o delegado-geral de São Paulo, Artur Dian, afirmou que os agentes trabalham com duas linhas de investigação.

Em uma delas, as bebidas teriam sido propositalmente adulteradas para aumentar seu volume. Nessa avaliação, o falsificador pode ter tido a intenção de “batizar” o destilado com etanol puro, comprado em posto de gasolina, sem saber que o produto estava contaminado com metanol. A possibilidade da inserção proposital de metanol também é avaliada.

Há ainda a avaliação de que a contaminação tenha ocorrido de forma acidental, durante a limpeza dos vasilhames com metanol, feita na tentativa de reaproveitar garrafas usadas. No entanto, a tese é vista como secundária, uma vez que as quantidades residuais de um processo de higiene em tese seriam pequenas para gerar intoxicação generalizada.

PF investiga vínculo com crime organizado

A Polícia Federal também abriu um inquérito para apurar o problema. Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a corporação não descarta nenhuma hipótese. Em uma delas, a investigação apura se há conexão do problema com a infiltração do crime organizado no setor de combustíveis, que motivou uma megaoperação policial em agosto contra ativos do Primeiro Comando da Capital (PCC).

“Muitos caminhões e muitos tanques de metanol foram abandonados depois desta operação. E esta é uma hipótese que está sendo estudada, trilhada e acalentada pela Polícia Federal”, afirmou o ministro.

Nesta linha de investigação, a PF tenta identificar se o metanol encontrado nas bebidas teria vindo de combustível fóssil ou produtos agrícolas. A tese é que o metanol importado pelo crime organizado para adulterar combustíveis pode ter sido redirecionado para distribuidoras clandestinas de bebidas.

“Se esta é origem do metanol que está adulterando as bebidas, a atuação repressiva será numa direção. Se esse metanol tiver origem a partir de produtos agrícolas, a repressão terá outros alvos”, acrescentou.

Já o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, negou que as contaminações por metanol em bebidas alcoólicas tenham relação com o crime organizado.

Ministério da Saúde solicita antídotos

As ações também se concentram no Ministério da Saúde. Por meio de uma parceria com hospitais universitários federais, a pasta enviou remessas de etanol farmacêutico, antídoto utilizado no tratamento de intoxicações, para nove estados, e abriu a compra emergencial de 150 mil ampolas para reposição do produto.

O etanol farmacêutico dificulta a absorção do metanol pelo organismo, mas o principal antídoto é o fomepizol, que inibe diretamente a enzima responsável pela metabolização da substância.

Como o medicamento não está disponível no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou chamada pública internacional para identificar fornecedores internacionais do fomepizol e manifestou intenção de adquirir mil unidades do medicamento por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

O ministério fechou a compra de 2,5 mil unidades do medicamento de um fabricante do Japão, que mantém estoques nos EUA. O antídoto deve chegar ao Brasil nos próximo dias. O governo de Portugal também informou que, a pedido de autoridades brasileiras, irá doar ampolas de fomezipol para serem distribuídas no Brasil.

Medidas de prevenção

O metanol é um álcool usado em solventes e outros produtos químicos. A ingestão de apenas 4 ml a 10 ml da substância já pode causar danos graves. Ele é metabolizado no organismo em forma de ácido fórmico, que gera acidez no sangue. O consumo pode atacar o fígado, cérebro e o nervo óptico, levando a cegueira, coma e em casos extremos a morte.

Como medida de prevenção, o ministério da Saúde orienta que o consumo de bebidas alcoólicas destiladas como vodka, gim e whisky ocorram somente se houver garantia de segurança da origem, verificando se o lacre da garrafa está intacto, por exemplo.

“Os principais sintomas devido à intoxicação por metanol podem aparecer entre 12h e 24h após a ingestão da substância. Neste momento em que há uma alta nas notificações, é importante redobrar a atenção porque os sinais se associam aos de uma ressaca comum”, diz a pasta.

gq/cn (ABR, OTS)