Operação contra o Comando Vermelho deixou ao menos 64 mortos. Capital e região metropolitana enfrentam mais de 12 horas de confrontos entre polícia e criminosos.Um dia após a operação policial mais letal do Rio de Janeiro, a capital do estado amanheceu nesta quarta-feira (29/10) sem vias obstruídas. Durante mais de 12 horas, integrantes do Comando Vermelho (CV) bloquearam diversas ruas e rodovias na cidade em retaliação a ação das polícias Civil e Militar.

Ao longo da madrugada, segundo o G1, moradores do Complexo da Penha levaram pelo menos 50 corpos para a Praça São Lucas, uma das principais da região. Eles teriam ainda afirmado que há muitos mortos na favela. Ainda não está claro se esses mortos foram incluídos no balanço oficial. Uma investigação

A megaoperação teve início na manhã desta terça-feira nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. De acordo com o balanço oficial, a ação terminou com 64 mortos, entre eles quatro policiais, e se tornou a operação mais letal da história do estado.

Operação Contenção

Batizada de Operação Contenção, a ação faz parte da iniciativa do governo estadual para combater o avanço do CV em regiões fluminenses. Ela foi resultado de mais de um ano de investigação, que teria identificado 94 integrantes do Comando Vermelho escondidos nos complexos de favelas do Alemão e da Penha.

Segundo a polícia, dois líderes do CV – Edgar Alves de Andrade, o Doca, e Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, atualmente cumprindo pena num presídio federal – eram responsáveis por ordenar a tomada de territórios no estado. Segundo o Jornal Nacional, somente nos últimos quatro anos, Doca teria comando a expansão do grupo criminoso para quase 50 regiões na capital e na Baixada Fluminense.

A investigação descobriu ainda que os chefes do CV se comunicavam em grupos de aplicativos de mensagem para informar os integrantes da quadrilha sobre vários temas, como punição a moradores, que incluem tortura e morte, e segurança em pontos de venda de droga.

A Operação Contenção contou com pelo menos 2.500 agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro que saíram para cumprir quase 100 mandados de prisão. Ao chegar nos complexos, as equipes teriam sido recebidas a tiros e com barricadas. Segundo a polícia, criminosos teriam ainda lançado bombas com drones.

Comando Vermelho

O Comando Vermelho é a maior facção do Rio de Janeiro e é uma das maiores do país. Surgida dentro do presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, na década de 1970, o CV atua no tráfico de drogas e expandiu seu controle em favelas nos últimos anos.

A organização criminosa estaria ainda presente em 26 estados e exerce um governo paralelo nas regiões que controla, impondo regras e controlando serviços.

Operação mais letal

A operação deixou 64 mortos. Segundo a polícia, 60 deles seriam suspeitos e teriam sido mortos em confrontos. Além disso, quatro policiais morreram. Eles eram: Marcus Vinícius Cardoso de Carvalho, 51 anos, que havia sido recém promovido a chefe de investigação; Rodrigo Velloso Cabral, 34 anos, que havia entrado a pouco mais de um mês na Polícia Civil; e os sargentos do Bope Cleiton Serafim Gonçalves, 42 anos, e Heber Carvalho da Fonseca, 39 anos.

Essa foi a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, segundo dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Das quatro ações policiais mais mortais da história fluminense, três ocorreram durante a gestão do atual governador Cláudio Castro (PL). Foram elas os massacres de Jacarezinho (2021), com 28 mortos, e de Vila Cruzeiro (2022), com 23 vítimas.

De acordo com o balanço da operação, 15 policiais e três inocentes ficaram feridos e 81 suspeitos foram presos. Foram apreendidos ainda 93 fuzis, duas pistolas e nove motos. Entre os presos estão Thiago do Nascimento Mendes, o Belão do Quitungo, um dos chefes do Comando Vermelho na região, e Nicolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro de Doca.

População afetada

De acordo com o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, cerca de 280 mil pessoas vivem nas regiões alvo da ação. A operação causou transtornos na capital e na região metropolitana.

Moradores foram feitos reféns por criminosos. Residências das regiões alvo foram atingidas por tiros. Ônibus foram usados como barricadas em diversos bairros e várias vias expressas. Segundo a Rio Ônibus, mais de 200 linhas foram impactadas e 71 veículos foram tomados por integrantes do CV. Muitos moradores tiveram que voltar a pé para casa. O metrô, as barcas e os trens funcionaram normalmente, mas tiveram um fluxo maior de passageiros.

Aulas foram suspensas em várias escolas e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC) de Quintino.

Suposta falta de ajuda

Em entrevista coletiva na tarde de terça, o governador Cláudio Castro alegou que o governo federal teria negado ajuda para as operações policiais no RJ e que, por isso, o estado estaria “sozinho” durante a Operação Contenção. Ele disse que teve três pedidos negado para que as Forças Armadas atuassem em ações estaduais.

O governo federal negou a falta de ajuda e afirmou ter atendido prontamente os pedidos do estado para o emprego da Força Nacional, além de destacar que não houve consulta ou pedido de Castro para apoio à atual operação. Na noite de terça, o governo federal autorizou ainda a transferência de dez presos do CV para presídios federais de segurança máxima.

Críticas internacionais

Organizações internacionais criticaram a letalidade da operação. O escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU se disse horrorizado com a operação policial no Rio e pediu investigações sobre o ocorrido.

“Esta operação mortal reforça a tendência de consequências letais extremas das operações policiais em comunidades marginalizadas do Brasil. Lembramos às autoridades suas obrigações perante o direito internacional dos direitos humanos e pedimos investigações rápidas e eficazes”, reiterou.

A Anistia Internacional afirmou que a operação mostra o fracasso da política de segurança pública do governo estadual, além de colocar a cidade em estado de terror. “A perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro”, destacou.

A Defensoria Pública da União também repudiou o aumento da letalidade policial no Rio de Janeiro e defendeu o combate ao crime dentro dos limites da legalidade.

“Para a Defensoria Pública da União, ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade, ausência de políticas sociais e exclusão institucional.”

cn (ots)