09/07/2025 - 14:29
Governo Netanyahu diz que pretende criar “cidade humanitária” com 600 mil deslocados em Rafah, que seriam proibidos de deixar o local. Críticos veem preparação para expulsão em massa da população do território.O governo de Israel anunciou planos para confinar centenas de milhares de palestinos de Gaza numa faixa fechada no sul do enclave devastado para a guerra, justificando que isso é necessário para separar civis do Hamas, mas a medida está sendo encarada por críticos como mais um passo na direção de uma expulsão em massa da população.
Nesta segunda-feira (08/07), o ministro da Defesa, Israel Katz, detalhou a jornalistas a estratégia, que envolveria uma zona fechada ao longo da fronteira com o Egito.
Katz ordenou às forças armadas israelenses que elaborassem planos para construir o que chamou de “cidade humanitária” em Rafah, município que foi duramente destruído pela guerra e hoje está quase desabitado. Segundo a imprensa israelense, ele disse que as pessoas deslocadas para a área seriam submetidas a controles para impedir a entrada de membros do Hamas. Ainda segundo essas declarações, as pessoas não poderiam sair depois de entrarem na zona.
O plano inicial seria levar 600 mil deslocados para uma “zona humanitária” ao longo da costa, com o objetivo de, depois, transferir toda a população remanescente de Gaza, estimada em 2 milhões de pessoas, para Rafah. Katz afirmou que Israel busca uma entidade internacional para fornecer ajuda, enquanto as tropas israelenses fariam a segurança do perímetro.
A estrutura para receber a população deslocada seria construída durante um cessar-fogo de 60 dias, que está sendo negociado no Catar.
Israel justifica que seu objetivo é separar a população civil do Hamas, grupo que controla partes de Gaza e mantém dezenas de reféns sequestrados no ataque de 7 de outubro. O grupo já declarou que só libertará os reféns restantes em troca de um cessar-fogo permanente e da retirada das forças israelenses.
Grupos de direitos veem preparação para expulsão em massa
Críticos apontam que o plano é parte da estratégia do governo de Israel de manter controle permanente sobre Gaza e transferir sua população para outros países. Ou seja, o confinamento na “cidade humanitária” seria uma etapa inicial para, depois, forçar a população palestina a deixar Gaza permanentemente.
Katz, por exemplo, expressou esperança de que um “plano de emigração” da população para outros países se concretize.
Nesta semana, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, endossou a ideia ao lado do presidente dos EUA, Donald Trump, em visita à Casa Branca. Ele disse estar “perto de encontrar vários países” dispostos a acolher palestinos que desejem deixar a Gaza. “Se as pessoas quiserem ficar, podem ficar, mas se quiserem ir, devem poder fazê-lo”, disse.
A proposta foi inicialmente sugerida por Trump, em fevereiro. Na ocasião, defendeu “assumir o controle” de Gaza, demolir edifícios e transformar o território em uma “Riviera”. Para isso, seria necessário deslocar 2 milhões de palestinos para países vizinhos.
Nações da região e críticos chamam a estratégia de deslocamento forçado, algo que é proibido pelo direito internacional. A crença dos críticos que os moradores deslocados a Rafah se vejam obrigados a deixar o território uma vez que o restante Gaza está praticamente inabitável como consequência da guerra. Dessa forma, emigrar dificilmente seria uma escolha voluntária, mas resultado de uma tática de coerção.
“Forçar pessoas a viverem em algo que equivale a um grande campo de concentração lembra capítulos sombrios da história”, disse Tania Hary, diretora executiva da Gisha, ONG israelense que defende o direito de circulação dos palestinos.
Além disso, os palestinos temem que, mesmo que saiam temporariamente para escapar da guerra, Tel Aviv não cumpra a promessa de permitir seu retorno, repetindo o êxodo em massa ocorrido antes e durante a guerra de 1948, que levou à criação de Israel.
“A liderança de Israel não esconde o objetivo de expulsar os palestinos de Gaza e manter controle permanente sobre grandes partes do território”, acrescentou Tania Hary.
Netanyahu não nega o interesse de manter suas forças na região. Ele já afirmou que Israel manterá controle permanente sobre Gaza e descartou qualquer papel para a Autoridade Palestina, rival política do Hamas que governa pequenas faixas da Cisjordânia, o outro território palestino ao leste de Israel.
“Acredito que os palestinos devem ter todos os poderes para se governarem, mas nenhum poder para nos ameaçar. Isso significa que um poder soberano, assim como a segurança geral, permanecerá sempre em nossas mãos”, disse Netanyahu ao lado de Trump.
Membros do governo de Israel, incluindo alguns ministros de extrema direita, já defenderam publicamente a deportação forçada da população de Gaza e o estabelecimento de assentamentos judaicos na área.
Saída forçada
Muitos palestinos veem Gaza como parte essencial de sua identidade e rejeitam qualquer plano de expulsá-los.
Para a analista sênior do think tank International Crisis Group, Mairav Zonszein, a ideia de que a saída de Gaza seria uma livre escolha dos moradores é falsa, pois o território se tornou inabitável.
“É bastante cínico o primeiro-ministro israelense falar em livre escolha num lugar que está sitiado há anos, sob um regime do Hamas, sob ocupação israelense e bombardeios israelenses por meses e meses. Acho que qualquer pessoa que conseguisse sair, sairia – mas também com o coração pesado, sabendo que talvez nunca possa voltar”, afirmou à DW.
Ajuda humanitária apoiada por Israel é criticada
Israel e Estados Unidos já lançaram um programa de distribuição de ajuda em Rafah, que tem sido marcado por violência e controvérsias. Centenas de palestinos foram mortos ou feridos tentando chegar aos pontos operados pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF), uma ONG ligada aos dois países que vem monopolizando a distribuição de ajuda no enclave.
Testemunhas palestinas e autoridades de saúde dizem que forças israelenses atiraram repetidamente contra multidões que se aproximavam dos locais. O exército afirma ter disparado tiros de advertência contra suspeitos.
A GHF nega que tenha ocorrido violência nos locais sob sua responsabilidade, que ficam em zonas militares israelenses sem acesso da imprensa independente. O grupo também nega qualquer envolvimento em planos de transferir a população.
Numa coletiva em maio, Netanyahu pareceu ligar as duas iniciativas, dizendo que Israel implementaria o novo programa de ajuda e depois criaria uma “zona estéril” no sul de Gaza, livre do Hamas, para onde a população palestina seria transferida.
gq (AP, DW, ots)