23/12/2015 - 22:29
Um único tubarão-cinzento-dos-recifes pode gerar US$ 250 mil no setor de turismo ao longo da sua vida. Se pescado, esse animal geraria uma renda única de US$ 50 a US$ 60, segundo cálculos do grupo especializado em tubarões da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, da sigla em inglês). Diante desses dados, não é preciso saber fazer conta para perceber que os tubarões valem muito mais vivos do que mortos.
Apesar do que os números provam e da importância desses animais para o ambiente marinho, a sopa de barbatana de tubarão, apreciada pelos asiáticos, ainda provoca a pesca de 73 milhões de indivíduos por ano. E 30% das espécies de tubarões e arraias do mundo inteiro estão ameaçadas ou quase ameaçadas, segundo a Lista Vermelha, preparada regularmente pela IUCN, que alerta para o risco de desaparecimento dos animais.
Os tubarões existem há mais de 400 milhões de anos (150 milhões de anos antes dos dinossauros) e estão no topo da cadeia alimentar marinha, ou seja, não têm predadores. “Se eles seguem aqui é porque têm um papel vital para manter o equilíbrio dos oceanos”, reforça Sofia Graça Aranha, bióloga especializada em tubarões, cofundadora do núcleo carioca da ONG Sea Shepherd Brasil e embaixadora do selo Shark Free. “Seus únicos predadores são outros tubarões, orcas e nós, os culpados pela redução dessas populações.”
O ciclo de vida desse rei dos mares é marcado por crescimento lento, alta longevidade, maturidade sexual tardia (algumas espécies só se reproduzem após os 50 anos) e baixo potencial reprodutivo, a uma taxa de um filhote a cada dois anos. “Mata-se num ritmo mais acelerado do que esses animais conseguem se reproduzir. É preciso entender que encher o barco de turistas é mais lucrativo do que encher o barco de tubarões pescados”, argumenta Sofia.
Mas o tema costuma ser pouco falado e falado às avessas na mídia. “O mais comum é explorar o lado monstruoso do tubarão, a visão sensacionalista de vilão dos mares”, diz Lygia Barbosa da Silva, diretora da Tru3Lab, produtora do que inicialmente ia ser um documentário e acabou por se tornar uma série de oito documentários, chamada Shark & I (Tubarão e Eu, em tradução livre).
Fonte de renda
O primeiro episódio foi filmado nas Bahamas, onde um levantamento sobre os últimos 20 anos revelou que os tubarões relacionados ao turismo – basicamente apoiado no mergulho com os animais soltos – contribuíram com mais de US$ 800 milhões para a economia do país. “Sou crítica a essa abordagem, porque o animal é um predador e você está condicionando-o a receber comida na boca em um mesmo lugar reiteradas vezes”, diz Sofia. Mas ela também aponta o lado interessante dessa prática: acabar com a fama de mau do tubarão, embora a prática não deixe de pôr o turista em risco, porque tratar com animais tem sempre o fator da imprevisibilidade.
De qualquer modo, tudo indica que os riscos são baixos. Na comparação de várias estatísticas realizada pelo Museu de História Natural da Flórida, descobriu-se que a taxa de mortes humanas por qualquer outra causa é muito maior do que os óbitos causados por acidentes com tubarões. É mais fácil morrer por comer tubarão do que ser comido por ele. Ser topo de cadeia também significa que a carne do animal contém níveis elevadíssimos de toxinas, ao bioacumular os metais tóxicos que vêm desde o plâncton, que os absorve das atividades de terra (agrotóxicos usados na lavoura e que terminam nos mares), até o último peixe que lhe serviu de alimento.
Em novembro de 2013, 110 moradores de uma vila de Madagascar foram parar no hospital depois de comer tubarão e nove morreram. Esse é um episódio que se repete há pelo menos duas décadas: após a captura de um animal de grande porte, sua carne chega ao mercado e pode intoxicar milhares de pessoas e matar várias delas. O brasileiro talvez não saiba, mas consome muita carne de tubarão (frequentemente chamado nas nossas peixarias de “cação”), que não é muito saborosa, mas costuma ter preço baixo. As toxinas são inofensivas para a saúde dos animais, mas fatais para os humanos.
“Dependendo da quantidade consumida, pode agravar ou levar a problemas de memória e locomoção, por exemplo”, adverte a bióloga. Para alertar o consumidor brasileiro, Sofia desenvolveu o selo Shark Free, a ser estampado por todos os comércios que se responsabilizarem em não vender, transportar ou trabalhar com subprodutos de tubarão. O objetivo é diminuir a demanda por carne, dente, colágeno, barbatana e óleo de fígado de tubarão. “Diminuir a demanda representa diminuir o estímulo para a pesca”, defende.