Na Alemanha, surgem cada vez mais evidências de que a propaganda russa vem se infiltrando nas redes sociais. Autoridades e pesquisadores apontam que objetivo é dividir sociedade e fortalecer partidos pró-Kremlin.Duas empresas ligadas ao Kremlin são suspeitas de desenvolver, de forma sistemática, amplas campanhas para desinformar eleitores nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Ucrânia e em Israel. É o que mostram investigações conduzidas pelo FBI (a polícia federal americana) e por autoridades policiais do estado alemão da Baviera, além de uma série de reportagens investigativas.

Num relatório sobre a campanha de desinformação, o Departamento do Estado da Baviera para a Proteção da Constituição (BayLfV, o serviço de inteligência do estado, que vigia as ameaças à ordem democrática), sintetizou em agosto de 2024 os objetivos da estratégia: “A campanha em larga escala tem como objetivo semear dúvidas sobre os valores democráticos liberais, espalhando desinformação deliberada e narrativas pró-russas nas sociedades ocidentais”.

Laços com o gabinete de Putin

O FBI americano, por sua vez, tem como alvo duas empresas: Structura e SDA. Aparentemente, ambas estão intimamente ligadas ao gabinete do líder russo Vladimir Putin. As empresas são consideradas responsáveis pela criação de vários sites propagandísticos. A estrutura e o design desses sites são deliberadamente semelhantes aos de veículos da mídia tradicional.

Os investigadores chamam essa abordagem de campanha “Doppelgänger” (sósia ou duplo em alemão). O conteúdo das páginas enganosas consiste em propaganda pró-Rússia e desinformação, que é disseminada por meio de bots e perfis especialmente criados nas redes sociais. Somente na Alemanha, a campanha teria alcançado cerca de 750 mil usuários.

Os investigadores começaram a seguir o rastro das empresas russas a partir de várias pistas. Por exemplo, o BayLfV notou que as contas usadas para espalhar propaganda permaneciam ativas durante o horário de expediente do fuso horário russo. Por outro lado, quase não havia atividade nos feriados russos. E os testes funcionais dos sites de desinformação eram realizados por meio de endereços IP de administradores russos.

Ao enviar dados em redes digitais, o endereço IP tem uma função semelhante à de um código postal. Ele faz com que o remetente e o destinatário dos dados sejam claramente identificáveis.

Campanhas com planejamento meticuloso

De acordo com o BayLfV, a Alemanha é o país mais afetado pela campanha de desinformação, com quase 7.983 campanhas criadas e distribuídas via Facebook ou X (ex-Twitter) ente maio de 2023 e julho de 2024. Quase 30% tiveram como alvo a Alemanha – quase o mesmo percentual da França, com os EUA aparecendo em terceiro lugar.

“As análises forenses do BayLfV revelaram que os responsáveis pelas campanhas estavam inicialmente ocupados com testes, variantes editoriais e adaptação de fluxos de trabalho”, aponta o órgão em relatório. “A partir de outubro de 2023, o fluxo de trabalho havia sido totalmente estabelecido.” Desde então, os números atingiram um novo patamar.

O objetivo central da campanha de desinformação é disseminar a falsa ideia que a Rússia não iniciou a guerra contra a Ucrânia, afirma Philipp Sälhoff, do think tank Polisphere. “Essa é uma narrativa muito central e muito presente”, explica ele em entrevista à DW.

Sälhoff atua como diretor administrativo de uma rede de consultoria que há anos analisa as atividades de propaganda russa nas mídias sociais.

“A narrativa propagada é que a Rússia está, na verdade, apenas se defendendo, e que a Ucrânia ou o governo ucraniano, ou mesmo o povo ucraniano, são nazistas. Que a guerra é apenas uma guerra por procuração com um Estado fantoche dos EUA e do Ocidente.”

O objetivo: polarização social

De acordo com Sälhoff, as campanhas das empresas russas que miram a Alemanha também parecem abordar tópicos que tentam acirrar a polarização na sociedade alemã. “Por exemplo, ao vincular migração e terrorismo. Ou a narrativa de que a coalizão governamental federal formada social-democratas, verdes e liberais não se preocuparia com os interesses da população e, em alguns casos, até age ativamente contra eles.”

A propaganda pró-Kremlin aparentemente também tenta angariar apoio em particular a dois partidos extremamente controversos na Alemanha, afirma Sälhoff: “Há todo um ecossistema de contas pró-Kremlin. E já existe uma posição relativamente clara a favor da AfD [ultradireita] e agora também a favor da BSW [populista de esquerda]. Esses partidos são retratados muito especificamente como partidos solidários, pacifistas, que ouvem e protegem os interesses das pessoas”.

As empresas russas também parecem ter definido metas específicas, segundo investigação do jornal Süddeutsche Zeitung e das emissoras alemãs WDR e NDR. Os três veículos tiveram acesso a informações sobre a atuação da empresa SDA por meio de um vazamento de dados. Os registros da empresa contêm “indicadores-chave de desempenho” (KPIs, na sigla em inglês), ou seja, metas de sucesso definidas.

Propaganda com objetivos definidos

A russa SDA define como uma de suas metas para a campanha “Doppelgänger” “aumentar a fatia de intenção de votos da AfD para 20%”. Outro objetivo era “aumentar o indicador de medo do futuro para 55%”. Também há indícios de que a SDA está monitorando eventos específicos, como manifestações, muito de perto. Mais de 35 protestos na Alemanha que ocorreram no outono de 2022 foram registrados em listas internas.

O partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) têm sido criticados há meses por sua aparente simpatia em relação à Rússia. Vários políticos da AfD, em particular, chamaram a atenção devido a contatos controversos com veículos da propaganda russa.

O eurodeputado da AfD Maximilian Krah chegou a ser questionado pelo FBI dos EUA sobre pagamentos por ativistas pró-russos, entre outras coisas. E o político da AfD Petr Bystron é acusado de ter recebido dinheiro de uma plataforma de propaganda russa.