04/04/2014 - 16:50
Desde o início da era industrial os oceanos ficaram 26% mais ácidos, um processo que prejudica vários ecossistemas costeiros. A bióloga marinha alemã Kirsten Isensee, da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, explica quais são as ameaças do fenômeno, nesta entrevista.
Há dados suficientes disponíveis sobre a acidificação dos oceanos?
Trata-se de um fenômeno complexo e de difícil observação. Isolá-lo a partir de outros fatores que afetam os oceanos é um desafi o. Além disso, para observar desenvolvimentos que impactam ecossistemas é preciso tempo. Tendo em conta o tempo de vida das gerações das diferentes espécies, pode-se levar meses ou anos para observar o impacto da acidificação e o grau em que as espécies se adaptam ao ambiente em mudança. A maior parte da pesquisa realizada hoje é de curto prazo e baseada em laboratório. Portanto, não é o suficiente. Precisamos fazer pesquisas no mar para aprofundar nosso conhecimento, mas os altos custos envolvidos tornam isso difícil.
Qual é a dimensão dessa ameaça?
A acidez dos oceanos aumentou 26% desde o início da era industrial, porque parte do dióxido de carbono (CO2) lançado na atmosfera é absorvida pelo oceano, causando reações químicas na água do mar que reduzem o seu pH (sigla de “potencial hidrogeniônico”, que indica a acidez, a neutralidade ou a alcalinidade de uma solução aquosa). Esse processo é conhecido como acidifi cação, ou também de o “outro problema do CO2”, em referência ao problema maior do aumento da temperatura da água. Conforme a acidez aumenta, a capacidade do oceano de absorver CO2 diminui. O ritmo acelerado da acidifi cação também é um problema, já que é muito difícil para as espécies adaptar-se em um curto período. O fenômeno tem um impacto negativo sobre recifes de coral, crustáceos e moluscos, para os quais é mais difícil produzir e manter conchas de carbonato de cálcio em um ambiente cada vez mais ácido. Vários impactos econômicos também já foram observados. A maior taxa de mortalidade de larvas de ostras em viveiros na Costa Oeste dos Estados Unidos, por exemplo, está reduzindo sua produtividade. A acidificação afeta o oceano como um todo, mesmo em áreas com pouca ou nenhuma influência direta antrópica, como o Ártico. Essa é mais uma prova de que todas as partes do oceano estão ligadas e formam um sistema global.
Há consciência suficiente sobre os múltiplos riscos?
Eles estão começando a receber atenção, pelo menos por parte da comunidade científica. Em 2004, quando o primeiro simpósio Oceano em um Mundo com Alto CO2 foi realizado, em Paris, o tema era pouco conhecido. O evento reuniu 120 participantes. O mais recente, em Monterey (EUA), em 2012, atraiu 530 especialistas e cientistas. Também tem aumentado o número de publicações e eventos com foco na acidificação. Outro indicador notável é que a acidificação é citada no documento final da Conferência de 2012 das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
É possível reduzir a acidificação?
Só há um caminho: precisamos reduzir nossas emissões de CO2. Mas é possível promover a resiliência de ecossistemas locais, agindo sobre outros fatores de estresse que afetam o oceano, por meio da criação de áreas marinhas protegidas e da implementação de uma gestão sustentável das zonas costeiras.
Qual é o papel da Comissão?
A Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) sempre foi pioneira na identificação de ameaças. A acidificação dos oceanos é um campo relativamente novo de estudo, e a COI tem estado na sua linha de frente desde o início. Ela está participando de várias iniciativas internacionais, como o Centro de Coordenação Internacional de Acidificação dos Oceanos e o Sistema de Observação Global do Oceano. Também está bem posicionada para reunir cientistas e tomadores de decisões. Buscamos envolver países em desenvolvimento. Os oceanos preocupam a todos.
O que é a Rede Global de Observação da Acidificação dos Oceanos?
A Rede foi criada em 2012 e pretende reunir cientistas de tantos países quanto possível – 28 até agora. O objetivo é coletar dados confiáveis e comparáveis que permitam avaliar o grau de acidificação do oceano e seu impacto no mundo inteiro, a fim de construir uma base de informações global e, usando essas informações, fornecer projeções futuras.