15/01/2022 - 6:31
1. Bestseller instantâneo
Não havia listas de bestsellers na época de Martinho Lutero, mas ninguém pode duvidar do sucesso de sua tradução da Bíblia.
Embora não tenha sido a primeira tradução da Bíblia cristã para o alemão, foi a primeira a ser amplamente difundida.
Como o próprio Lutero disse, “ele ouviu o homem comum” para encontrar seu estilo de tradução. Ele não gostava de traduções literais e trabalhou em cada frase por um longo tempo para tornar a leitura mais fácil.
A primeira parte da Bíblia, que consistia na tradução do Novo Testamento para o alemão, foi publicada há quase 500 anos, em setembro de 1522, para a Feira do Livro de Leipzig – evento que ocorre até os dias de hoje.
Na época, foram impressas 3.000 cópias – considerada uma grande tiragem para o período. Cada exemplar custava entre meio gulden e 1,5 guldens, a moeda do sul da Alemanha. Era uma bela soma em dinheiro, mas bem mais barata do que as versões anteriores do Livro Sagrado.
“Antes de Lutero, você tinha que pagar o equivalente, hoje em dia, a um Mercedes Classe S por uma Bíblia impressa. No século 16, uma Bíblia de Lutero era vendida pelo mesmo preço que uma geladeira hoje em dia”, compara o teólogo Hartmut Hövelmann.
A Bíblia se esgotou em três meses e as reimpressões foram feitas rapidamente. A primeira edição foi chamada de “Testamento de setembro”, e a segunda, com revisões, de “Testamento de dezembro”.
A primeira versão da obra de Lutero consistiu na tradução do Novo Testamento e é vista como um dos estopins da Reforma, que dividiu a Igreja Católica. Lutero completou a tradução do Velho Testamento em 1534. A versão completa da Bíblia também foi um sucesso. Cerca de 200.000 cópias foram publicadas antes de Lutero morrer em 1546
2. Escondido em um castelo
Martinho Lutero não conseguiu traduzir o Novo Testamento na paz de sua casa.
Em 1517, ele publicou suas famosas “95 teses”, protestando contra a prática do clero católico de vender indulgências, por meio das quais os pecadores podiam comprar sua saída do purgatório. Em janeiro de 1521, o papa excomungou Lutero por ele se recusar a revogar suas teses da Reforma.
Três meses depois, Lutero, que já havia sido condenado como herege, se apresentou diante da Dieta em Worms (uma assembleia do Sacro Império Romano Germânico) e foi convidado, pela última vez, a se retratar.
Mais uma vez, ele se recusou a fazê-lo, levando o imperador Carlos 5º a emitir o Édito de Worms, um decreto declarando Lutero um fora da lei e dando a qualquer um o direito de capturá-lo ou até mesmo de matá-lo.
O Príncipe Frederico 3º, Eleitor da Saxônia, conseguiu proteger Lutero, sequestrando-o e escondendo-o no Castelo de Wartburg, na Turíngia.
Lutero ficou lá por 10 meses sob o nome de Junker Jörg e, nesse período, se dedicou a traduzir a Bíblia. A palavra Junker se refere a uma categoria de nobre alemão.
3. Luta contra o diabo
Seu gabinete no castelo Wartburg é conhecido hoje como “Sala de Lutero”. Lá, ele traduziu o Novo Testamento do grego antigo para o antigo alto alemão, usando traduções latinas como auxílio – por exemplo, a do famoso humanista Erasmo de Roterdã. Lutero levou 11 semanas para concluir o Novo Testamento.
Diz a lenda que o diabo até o visitou nessa sala uma noite. Lutero ouviu um arranhão e jogou o tinteiro no demônio. Uma mancha de tinta azul teria ficado marcada na parede, ao lado do fogão. Mitos foram criados em torno da mancha desde o século 17, mas não se sabe se ela data mesmo da época de Lutero, já que o cômodo foi repintado várias vezes.
4. Trabalho em equipe
Depois que Lutero traduziu o Novo Testamento, ele se dedicou ao Antigo Testamento, trabalhando com vários outros teólogos e linguistas. Sozinho, ele não teria conseguido traduzir o texto do hebraico antigo e do aramaico, uma vez que não falava essas duas línguas tão bem quanto o latim e o grego antigo.
Entre seus auxiliares estavam Philip Melanchthon, Caspar Cruciger, Matthäus Aurogallus e Justus Jonas. A tradução foi concluida em 1534.
Terminado o trabalho, Lutero escreveu na “Carta Aberta sobre a Tradução”: “No Livro de Jó, nos esforçamos tanto, Melanchthon, Aurogallus e eu, que mal conseguimos terminar três linhas em quatro dias”.
5. Versão ilustrada
Algumas edições da tradução da Bíblia de Lutero foram ilustradas com xilogravuras. Onze imagens de página inteira da oficina do artista e impressor Lucas Cranach, inspiradas na série Apocalipse, de Albrecht Dürer, foram exibidas em edições decorativas do “Testamento de setembro”.
Mesmo 500 anos depois, o trabalho de Lutero continua inspirando impressionantes obras de arte. Em 2017, o artista Yadegar Asisi montou na cidade de Wittenberg um grande panorama 360º, com vida e obra do reformador, em alusão ao 500º aniversário da Reforma.
6. Bíblia de Lutero inspirou uma tradução para o inglês
As traduções para o inglês de partes da Bíblia já existiam desde o século 7º. A Bíblia de Wycliffe foi publicada no século 14, em inglês vernáculo, como parte de um movimento pré-Reforma que era contra muitos dos ensinamentos da Igreja Católica Romana. Os motins que se seguiram à sua publicação tornaram ilegal, sob pena de morte, ter uma tradução da Bíblia para o inglês.
Mesmo assim, William Tyndale, um reformador inglês e contemporâneo de Martinho Lutero, se encorajou a criar uma versão em inglês da Bíblia e distribuí-la. Ele foi para Alemanha em 1524, com o apoio de ricos comerciantes de Londres. No ano seguinte, completou sua tradução do Novo Testamento.
Tyndale não apenas leu as traduções para o latim feitas por Erasmo de Roterdã, mas também as de Lutero – e até aprendeu alemão para fazer isso.
Sua Bíblia foi impressa em Colônia, na Alemanha, e as primeiras edições foram contrabandeadas para a Inglaterra em 1526.
Tyndale também começou a trabalhar na tradução do Antigo Testamento, mas foi preso antes de ter concluído. Ele foi queimado na fogueira como herege em 1536, mas sua tradução ainda é, em grande parte, a base para a moderna Bíblia em inglês.
7. Uma mulher se perdeu na tradução
Martinho Lutero e seus colegas são altamente reconhecidos por sua tradução da Bíblia e sua influência é considerada revolucionária. No entanto, a versão não era perfeita.
Por exemplo, estudiosos descobriram mais tarde que eles haviam mudado um nome feminino da versão grega original para masculino: Junia, uma apóstola mencionada no Novo Testamento na carta de Paulo aos Romanos. Essa figura foi transformada em “Júnias”, nome masculino que não existia nos tempos antigos.
Posteriormente, isso foi corrigido para refletir o papel significativo desempenhado pelas mulheres na pregação e divulgação do cristianismo primitivo.
Mesmo na época de Lutero, as teólogas se destacavam. Afinal, o protestantismo pregava em palavras, mesmo que não na prática, que todas as pessoas eram iguais.
Argula von Grumbach arriscou muito para promover o protestantismo, escrevendo cartas, intervindo em debates teológicos e falando publicamente em apoio a Martinho Lutero, com quem também se correspondia.
A reformadora e escritora protestante Katharina Zell escreveu seis livros e três panfletos, além de salmos e interpretações da Bíblia, e acolheu refugiados protestantes na casa paroquial de seu marido em Estrasburgo.
8. Não é a última edição
Por mais importante que tenha sido a tradução da Bíblia de Lutero e seus colegas, não foi a primeira – e certamente não será a última.
Ela é constantemente revisada. Em 2017, ano que marcou o 500º aniversário da Reforma, uma versão modificada foi publicada pela Sociedade Bíblica Alemã. As passagens antissemitas inseridas por Lutero e seus colegas foram alteradas.
A língua também foi adaptada e modernizada para se aproximar do alemão falado hoje em dia. A tiragem de 260.000 cópias, em 14 edições diferentes, se esgotou em apenas algumas semanas. Como resultado, mais 240.000 cópias foram impressas.
Além disso, foi lançada em 2021 uma versão simplificada, que visa atingir a geração mais jovem. Ela tem sido referida pela Sociedade Bíblica como a “Bíblia para a geração do smartphone”.