Banco de desenvolvimento KfW é acusado de financiar projetos prejudiciais a povoados de países emergentes. Relatório diz que investimentos não protegem direitos humanos e silenciam quem protesta.Similar na Alemanha ao brasileiro BNDES, o KfW é o maior banco de desenvolvimento do mundo, apoiado pelo Estado alemão e criado para financiar projetos em todo o globo, desde estradas na África até sistemas de abastecimento de água na Ásia.

Mas o que acontece quando os projetos apoiados pelo banco deslocam uma aldeia, poluem um rio ou silenciam a dissidência?

Um novo relatório sobre o histórico de direitos humanos do KfW afirma que essas não são apenas hipóteses; são riscos reais e não estão sendo tratados de forma adequada.

O KfW é apoiado por bilhões em dinheiro público. Portanto, essas falhas não são vistas apenas como trágicas; elas são pagas pelos contribuintes alemães.

Acusações

Compilado pela Coalizão pelos Direitos Humanos no Desenvolvimento – grupo de organizações da sociedade civil – o relatório levanta preocupações sobre como os projetos internacionais do KfW estão afetando comunidades vulneráveis.

A Coalizão, que inclui o Urgewald, uma ONG alemã conhecida por monitorar os impactos sociais e ambientais das finanças globais, acusa o KfW de “atividade bancária irresponsável” e de causar “danos ocultos”.

Bancos de desenvolvimento como o KfW tentam destacar como estão moldando o futuro nas economias emergentes. Mas o relatório alega que projetos de infraestrutura financiados pela instituição levaram à realocação forçada de comunidades indígenas na Indonésia e no México. Os planos para apoiar um projeto de grafite na Tanzânia foram criticados por ocorrerem sem o envolvimento adequado dos moradores locais ou compensação.

Marc Fodor, coordenador de campanha da Coalizão pelos Direitos Humanos no Desenvolvimento, acredita que, para o KfW, as questões sociais são “apenas um complemento” aos negócios.

Em entrevista à DW, Fodor afirmou que o relatório revela que muitos projetos apoiados pelo KfW foram lançados sem o consentimento prévio das populações locais, violando os padrões internacionais sobre direitos indígenas e desenvolvimento participativo.

Quem reclamou teria enfrentado represália

Fodor também observou que a própria investigação do KfW sobre represálias graves na Indonésia, onde indígenas teriam sido presos e espancados, concluiu apenas que “o consentimento livre, prévio e informado não foi respeitado”.

“Não se trata apenas de as pessoas não terem sido consultadas. Foi muito mais sério do que isso”, disse ele.

Além de nomear projetos controversos do KfW, o relatório criticou o procedimento de reclamações da instituição por carecer de “disposições para garantir a independência”, acrescentando que o banco alemão não estava “prevenindo, abordando e remediando represálias contra aqueles que levantavam preocupações” sobre os impactos de seus projetos.

O relatório não acusa o KfW de irregularidades deliberadas, mas sugere que a devida diligência e a supervisão do banco são insuficientes e, muitas vezes, pouco claras.

“É um labirinto… Eu não conseguia entender quais eram as políticas – embora isso seja meu ganha-pão”, disse Fodor.

O KfW contestou algumas das alegações.

Para avançar, os grupos de direitos humanos afirmam que o KfW deve ir além das reformas processuais e abraçar a mudança estrutural, como, por exemplo, estabelecer um mecanismo independente de responsabilização em todas as suas operações internacionais, com claras salvaguardas de direitos humanos.

Além disso, eles pedem políticas proativas para evitar represálias, acesso público aos documentos do projeto e consultas significativas às comunidades afetadas antes da aprovação de qualquer financiamento.

Muitos outros bancos de desenvolvimento já tomaram medidas nessa direção. O Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento, por exemplo, publicam online avaliações ambientais e sociais detalhadas.

O Banco Europeu de Investimento (BEI) – instituição financeira internacional da União Europeia para o desenvolvimento – possui um escritório centralizado de reclamações com independência parcial.

Comparado a essas instituições, o KfW depende de políticas de parceiros e sistemas de reclamações dispersos, criticou o relatório, deixando lacunas que permitem que danos não sejam checados.

O que diz o KfW?

Em resposta, o KfW emitiu um comunicado defendendo suas práticas. Afirma que, para as três áreas de negócios internacionais do KfW, o respeito aos direitos humanos e a gestão responsável dos riscos ambientais e sociais são “uma questão de rotina”.

“Todo o financiamento do KfW e de suas subsidiárias está sujeito a diretrizes de sustentabilidade. Estas exigem procedimentos e padrões para avaliações de impacto ambiental e social para todos os projetos financiados”, acrescentou o comunicado.

O KfW também enfatiza que emprega mais de 50 especialistas e aplica padrões internacionalmente reconhecidos, como os do Banco Mundial, da IFC e dos Princípios do Equador – diretrizes globais que os bancos usam para evitar o financiamento de projetos que prejudiquem as populações ou o meio ambiente.

Além disso, em casos de potencial dano grave às comunidades indígenas, essas comunidades são incluídas no processo. “Se os riscos forem considerados inaceitáveis, o financiamento é recusado”, conclui o comunicado.

O KfW posteriormente enviou um e-mail à DW com sua resposta às críticas a um projeto que apoiou em Ulumbu, na Indonésia. O banco disse que “suspendeu o financiamento para as medidas de infraestrutura planejadas” e pediu ao seu parceiro local que implemente totalmente as recomendações em uma auditoria sobre o impacto do projeto nas comunidades locais.