09/12/2025 - 17:27
Capital paulista concentra 78% dos ônibus a bateria no país, em transição apoiada por decisão política e financiamento de bancos como o BNDES. Em outras capitais, no entanto, a transição está lentaHá uma mudança na paisagem urbana de São Paulo: ônibus elétricos movidos a bateria são cada vez mais comuns nas avenidas da cidade. Verdes e silenciosos, há 820 deles em circulação, 172% a mais do que no final do ano passado.
Preferidos por motoristas e passageiros, eles reduzem a poluição do ar e sonora e são parte de uma tendência no transporte municipal de passageiros. Mas se em São Paulo a transformação é clara, em outras capitais a transição está lenta: no segundo lugar do ranking figura Belém, com 42 ônibus elétricos a bateria, seguido por Goiânia, com 17, e Aracaju, com 15.
O preço desses veículos é cerca de três vezes maior do que um similar a diesel, o que à primeira vista pode desestimular a compra, e requer a instalação de carregadores potentes nas garagens. Por outro lado, sua operação é mais barata: o gasto com eletricidade é cerca de um quarto do valor do diesel usado em um veículo a combustão, e eles têm vida útil de 15 anos, cinco a mais do que os tradicionais.
Um levantamento da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), fonte dos dados acima, aponta que São Paulo tem hoje 78% dos ônibus elétricos a bateria do país. Outras cidades importantes, como Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, não têm nenhum em operação.
Como foi em São Paulo
A expansão dos ônibus elétricos paulistanos é baseada em uma combinação de normas sobre redução de emissões, decisão política e apoio de bancos de fomento, em especial do BNDES.
A primeira norma que previu a descarbonização da frota municipal foi a Lei de Mudanças Climáticas, aprovada em 2009, que estipulou que até 2018 nenhum ônibus da capital paulista seria movido a combustível fóssil. Um objetivo ambicioso, que não saiu do papel – em 2018 a lei foi atualizada e a nova meta passou a ser 2038.
Em 2019, na gestão João Doria, a prefeitura realizou uma nova licitação do transporte público municipal e incluiu o requisito de descarbonização nos contratos. E em 2022, no governo Ricardo Nunes, uma normativa proibiu os operadores do sistema de comprarem novos ônibus a combustão.
Mesmo com todas essas regras, ainda não estava claro como seria financiada a transição para os ônibus elétricos, e havia dificuldade de engajar os operadores do sistema na transição.
Prefeitura banca diferença do valor
A questão financeira começou a ser resolvida em 2023, quando a prefeitura lançou uma política para subsidiar a compra de ônibus elétricos pelos operadores. Em vez de cada empresa buscar financiamento próprio para adquirir os veículos a bateria, o próprio governo municipal obteve recursos a juros baixos de bancos de fomento e os usou para bancar a diferença de preço existente entre o modelo a diesel e o elétrico.
Para viabilizar isso, a prefeitura obteve R$ 6 bilhões em linhas de financiamento, oriundos de BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e Banco da China.
Como, no final das contas, é a prefeitura que banca os custos do sistema de ônibus não cobertos pela arrecadação com passagens, o financiamento a juros mais baixos reverte em economia para o próprio sistema no longo prazo – assim como a redução de custos com a substituição do diesel pela eletricidade.
A capital paulista foi a primeira cidade a receber apoio do BNDES nesse sentido, com financiamento aprovado em outubro de 2023. Em novembro de 2024, em evento no Palácio do Planalto sobre investimentos do banco federal em mobilidade em São Paulo, Nunes posou para foto ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Problemas com a rede elétrica
Mas houve percalços no processo. “Foram muitas resistências, o que é natural quando você rompe uma trajetória já em curso”, afirma à DW Flávia Consoni, professora da Unicamp e especialista em políticas públicas de mobilidade elétrica. Ela cita que operadores alegavam que não havia produção nacional de ônibus elétricos suficiente, ao passo que as montadoras respondiam que o que faltava era demanda.
Ela relata também atrasos e problemas na instalação dos carregadores de baterias nas garagens, que dependem de conexões de alta potência à rede elétrica, sob responsabilidade da concessionária Enel. Como resultado, ônibus às vezes ficam parados nas garagens por falta de energia suficiente para recarregá-los, um problema que vem sendo resolvido aos poucos. Para ajudar a contornar isso, a prefeitura pretende instalar baterias de grande porte nas garagens para aumentar a previsibilidade do carregamento dos veículos.
Apesar de São Paulo ter acelerado a transição neste ano, a gestão Nunes não cumpriu sua própria meta de adotar ônibus elétricos em 20% da frota até o final de 2024, ou cerca de 2,4 mil veículos. Incluindo os trólebus, alimentados por cabos elétricos aéreos, a cidade superou a marca dos mil ônibus no início de novembro. Agora, a meta é chegar a 2.200 veículos elétricos até 2028.
Cidades em processo de aprendizagem
Iêda Oliveira, coordenadora do Grupo de Veículos Pesados da ABVE e diretora da Eletra, uma fabricante brasileira de ônibus elétricos, avalia que a experiência paulistana faz parte de um “movimento de aprendizado” de gestores públicos e empresas de ônibus municipais.
As oportunidades de financiamento estão se expandindo. O BNDES segue lançando editais para apoiar municípios e regiões metropolitanas, e se tornou o maior financiador de ônibus elétricos da América Latina. Na COP30, realizada em novembro em Belém, o governo federal anunciou um novo fundo, composto por recursos públicos e privados, para apoiar a compra de 1.700 ônibus elétricos.
Muitas cidades brasileiras têm manifestado interesse em receber financiamento para comprar os veículos, mas Consoni, da Unicamp, alerta que esse processo requer preparo para evitar os problemas enfrentados no caso paulistano.
“Não é só trocar uma tecnologia por outra, tem que mobilizar uma série de serviços, qualificar a mão de obra de manutenção, conversar com o setor de energia”, diz. Entre outras iniciativas, ela cita um projeto da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) que apoia cinco capitais e regiões metropolitanas brasileiras com consultorias para elaborar licitações e promover as adaptações necessárias para adotar os veículos elétricos.
Modelos podem variar
E não há uma receita única para todas as cidades. Consoni cita o caso São José dos Campos, que quer substituir toda sua frota de 400 ônibus por modelos elétricos até setembro de 2026 e recebeu os primeiros cinco veículos em outubro, sob uma modelagem diferente: a cidade do Vale do Paraíba optou por contratar uma empresa que alugará os ônibus, e uma outra que fará a operação do sistema. A licitação só teve sucesso na sexta tentativa, devido à falta de empresas qualificadas interessadas.
Já Porto Alegre recebeu em novembro autorização da Câmara Municipal para receber um empréstimo de R$ 448 milhões do BNDES para a compra de 100 ônibus elétricos e a instação de estações de recarga, por meio de subsídios às operadoras.
Oliveira, da ABVE, relata que até há pouco tempo os empresários que operam ônibus municipais eram resistentes à transição, pois desconheciam os custos e procedimentos envolvidos. Agora, em especial após a experiência de São Paulo, ela diz que eles perceberam que os veículos elétricos conseguem ficar mais tempo em serviço do que os a diesel e permitem uma manutenção mais programada. “Hoje temos a comprovação na prática dos benefícios dessa tecnologia”, afirma.
Ela vê também potencial de desenvolvimento industrial com essa transição, já que o Brasil tem uma matriz energética limpa, uma das maiores fábricas globais de motores elétrico, a WEG, tradição com os trólebus e uma das maiores frotas de ônibus municipais do mundo. “Temos condições para sermos líderes nessa transição energética”, afirma. A empresa onde ela trabalha, a Eletra, detém hoje 64% do mercado nacional de ônibus elétricos, e estima que o Brasil terá até o final de 2026 a maior frota do tipo na América Latina.
Planos de capitais
A DW perguntou às dez capitais mais populosas quantos ônibus elétricos a bateria elas têm hoje em operação e quais são os planos para os próximos anos. Além de São Paulo, três responderam.
Em Salvador, há oito ônibus elétricos e a cidade prepara uma operação de crédito junto ao Banco Mundial para comprar mais 100 veículos. O governo local espera até 2028 ter ao menos 50% da frota do BRT Salvador com ônibus zero emissões, e até 2023 ter 40% de sua frota movida a veículos de baixa emissão.
No Distrito Federal, há seis ônibus elétricos em operação e a meta é ter 90 até o final de 2026, já comprados. Os novos veículos estão sendo fabricados pela chinesa CRRC. O primeiro ônibus desse lote deve entrar em operação em janeiro, e os demais começam a chegar a partir de março.
No Recife, não há ônibus elétrico a bateria em operação. O governo local afirma que iniciou estudos voltados à descarbonização da frota, mas até o momento não há previsão de adoção de ônibus elétricos movidos a bateria.
