15/07/2024 - 15:37
Elas participaram de atentado contra o líder nazista em 20 de julho de 1944. Mas não só: resistência feminina contra o Terceiro Reich teve várias faces e estratégias. Uma exposição resgata suas histórias.Durante o Terceiro Reich, foram feitas várias tentativas de assassinar o líder nazista Adolf Hitler. A mais conhecida ocorreu em 20 de julho de 1944 e fazia parte de um plano chamado Operação Valquíria.
Mais de 200 pessoas estavam envolvidas, principalmente o oficial do Exército alemão Claus Schenk Graf von Stauffenberg. Mas, além dele e de seus colegas oficiais militares, mulheres civis também participaram da resistência, como Erika von Tresckow, que junto do marido, o major Henning von Tresckow, teve papel importante na trama. Ela entregava mensagens para coordenar grupos de resistência militar e civil, e digitava cópias dos comandos preliminares da operação.
Quando o plano de assassinato fracassou, Henning von Tresckow cometeu suicídio. Erika foi presa pela Gestapo, a polícia secreta nazista, mas conseguiu fingir que não tinha conhecimento dos planos e foi liberada.
Resistência por muitos motivos
Erika von Tresckow é uma das 260 mulheres cujas histórias estão sendo contadas atualmente no Memorial da Resistência Alemã, em Berlim, na exposição “Mulheres na resistência contra o nacional-socialismo”. É o resultado de anos de pesquisa, financiada pelo Parlamento alemão, sobre o papel das mulheres na resistência ao Terceiro Reich.
As histórias ilustram várias formas de resistência, diz Johannes Tuchel, diretor do Memorial. “Isso inclui mulheres que foram para o exílio, cristãs, social-democratas, socialistas, mas também membros da Swing-Jugend [juventude do swing, nome que parodiava os grupos jovens nazistas]”, explica ele, referindo-se aos jovens que eram fãs do swing, um estilo musical de jazz nascido nos Estados Unidos e renegado pelos nazistas por causa de suas raízes negras e judaicas.
Marchar? De jeito nenhum
Tuchel conta que a Swing-Jugend representava “um estilo de vida alternativo e, a partir daí, é apenas um pequeno passo para ser interpretado como um comportamento rebelde, contrário às aspirações nazistas”. Ele parafraseia o falecido Coco Schumann, músico de jazz alemão e sobrevivente do Holocausto: “Alguém que ouviu swing não pode marchar.”
Entre as mulheres que se recusaram a marchar estavam as comunistas, anarquistas, judias, testemunhas de Jeová e lésbicas. Todas se sentiram compelidas a lutar contra o nazismo, um regime que já desafiavam somente por existir.
Panfletos, cartões postais e propaganda
Alguns dos nomes e histórias reunidas já são conhecidos. “Uma exposição sobre mulheres na resistência não pode omitir o nome de Sophie Scholl”, diz Tuchel, referindo-se à única mulher do núcleo duro do movimento de resistência estudantil Rosa Branca, executada aos 21 anos de idade por distribuir panfletos antinazistas.
Outro nome famoso é o de Marlene Dietrich, a estrela de cinema que trocou a Alemanha por Hollywood antes da chegada dos nazistas ao poder. Quando os Estados Unidos entraram na guerra contra a Alemanha nazista, ela usou o poder de sua fama ao se apresentar para as tropas americanas e para os prisioneiros de guerra alemães no norte da África, na Itália, França, Bélgica e Alemanha, além de participar de esforços de propaganda com o objetivo de baixar a moral dos militares alemães.
Outros nomes são menos conhecidos, mas suas histórias inspiraram escritores e cineastas. Erich Maria Remarque, autor do romance antiguerra proibido pelos nazistas Nada de novo no front, dedicou seu romance A centelha da vida, de 1952, à irmã mais nova, Elfriede Scholz, que foi presa e executada por criticar abertamente a guerra. Ela havia descrito os soldados alemães como “bestas prontas para o abate” e desejou a morte de Hitler.
Elise Hampel e seu marido, Otto, tentaram despertar sentimentos antinazistas com cerca de 300 cartões postais escritos à mão e lançados em caixas de correio ou escadarias de Berlim depois que o irmão de Elise foi morto em combate. Eles também foram executados. A história deles inspirou o romance Morrer sozinho em Berlim, de Hans Fallada, de 1947, que ganhou popularidade nas últimas décadas e foi adaptado para o cinema cinco vezes.
Aumento das críticas – e da perseguição
Os Hampels, Scholz e Scholl foram todos executados em 1943. Tuchel diz que esse foi o ano em que a perseguição aos que resistiam ao regime, incluindo às mulheres, se intensificou, e as condenações que antes poderiam resultar em uma sentença de seis meses de prisão passaram a ser punidas com a morte. E foi nessa época, ressalta Tuchel, que as atividades de resistência das mulheres aumentaram.
“Temos uma sociedade quase totalmente sem homens na Alemanha durante os anos de guerra”, explica, com cerca de 8 milhões de homens servindo nas Forças Armadas em 1944. “O que significa que as mulheres também assumiram posições que até então só os homens ocupavam na vida cotidiana. Elas tinham o duplo fardo do trabalho na fábrica e do cuidado das crianças e da família. Naquela época ainda vigoravam os velhos papéis de gênero, mas, ao mesmo tempo, havia uma disposição crescente para observar criticamente as coisas.”
O regime nazista temia a dissidência dentro do país, e por isso a reação às mulheres que “falavam demais” era muito dura. “A partir de 1943, [essas falas] não eram mais entendidas como brincadeira e malícia, e sim como desmoralização das tropas – algo que poderia ser punido com a pena de morte.”
Tuchel acredita que os esforços de resistência ainda trazem lições para as pessoas de hoje: “É possível fazer algo contra as ditaduras. Sim, é arriscado, mas isso não significa que temos de nos resignar às marés políticas. Quaisquer que sejam os desafios totalitários – nós podemos fazer alguma coisa.”