Nunca se vira uma orca – conhecida por ser um temível predador, e apelidada de “baleia assassina” – cuidando de animais de outras espécies. Por isso mesmo, a descoberta de uma equipe de oceanógrafos  do West Iceland Nature Research Center, da Orca Guardians Iceland (Islândia) e da Universidade de Dalhousie (Canadá) de uma orca fêmea adulta nadando e cuidando de uma jovem baleia-piloto de barbatanas longas surpreendeu o meio científico. O caso, ocorrido em agosto de 2021 na costa de Snæfellsnes (oeste da Islândia), está descrito em um artigo publicado na revista Canadian Journal of Zoology.

As orcas são facilmente identificadas por suas marcas brancas brilhantes em meio à pele negra escura. Elas são consideradas os maiores golfinhos oceânicos, seguidas exatamente pelas baleias-piloto, um pouco menores que as orcas, mas bem maiores do que os animais que normalmente chamamos de golfinhos (chegam até a 8,5 metros de comprimento). Ambos são carnívoros.

Segundo os oceanógrafos, sua observação é inédita não apenas porque o filhote estava viajando com um grupo de orcas, mas também porque ele estava sendo cuidado por uma das fêmeas adultas, denominada Sædís pela equipe. Um comportamento específico evidenciava isso: a orca encorajava o filhote a nadar na posição escalonada, que fica logo atrás da nadadeira peitoral do adulto. Nessa posição, o filhote pode aproveitar a onda de pressão gerada pelo adulto para se mover no mesmo ritmo, gastando muito menos energia. Os cuidados também tendem a incluir proteção e alimentação.

A orca Sædís em formação escalonada com filhote de baleia piloto de nadadeiras longas. O filhote exibia sinais claros de emagrecimento por meio de uma depressão profunda posterior ao respiradouro e um tronco estreito, indicando má condição corporal e problemas de nutrição. As dobras fetais fortes, indicando que o filhote era recém-nascido, são claramente visíveis em ambos os lados do corpo. Todas as imagens foram tiradas em 12 de agosto de 2021 (duas imagens superiores por M.-T. Mrusczok e imagem inferior por S. Rodríguez Ramallo). Crédito: Canadian Journal of Zoology (2023). DOI: 10.1139/cjz-2022-0161

Nível de empatia

“Percebi imediatamente que havia algo estranho nisso”, disse Thérèse Mrusczok, presidente da Orca Guardians Iceland e pesquisadora do West Iceland Nature Research Centre, que trabalhava como observadora no barco de observação de baleias Láki Tours e testemunhou o encontro. “É outro nível de empatia que vemos nesses animais se eles são capazes de cuidar de outra espécie.”

Embora Sædís pode ter fornecido proteção, não era capaz de alimentar a pequena baleia-piloto porque não estava produzindo leite. Segundo os pesquisadores, ela nunca teve sua própria prole ao longo dos nove anos em que foi seguida por eles.

A equipe de oceanógrafos propõe duas hipóteses principais para explicar o fenômeno nunca visto antes. Ou o filhote separou-se de seu próprio grupo por algum motivo desconhecido e foi encontrado por Sædís, ou foi roubado da mãe original.

Interação

A observação da fêmea e do filhote durou pouco mais de 20 minutos, e não se sabe o que ocorreu com a pequena baleia-piloto depois, embora os pesquisadores acreditem que ela provavelmente morreu de fome. A equipe avistou Sædís cerca de um ano depois, interagindo com um grupo de baleias-piloto. Não havia evidências do filhote, mas os pesquisadores sugerem que a orca estava se comportando de uma maneira que sugeria que ela poderia estar tentando roubar um substituto.

“Tudo é possível – observar orcas me ensinou que nunca sei o que está acontecendo”, disse Mrusczok. “Sempre há mistério, sempre há mais para descobrir.”