03/08/2024 - 9:18
Especialistas apontam quais fatores levam países a se tornarem potências olímpicas e apontam onde Brasil pode melhorar. Fatores como investimento contínuo, gestão, apoio a atletas e treinadores são fundamentais.Apesar das conquistas históricas já garantidas nos Jogos Olímpicos de Paris, o Brasil segue longe do topo no ranking de medalhas. Potências conhecidas mantêm o domínio: líder absoluto na soma das edições olímpicas, os Estados Unidos, por exemplo, estão entre os primeiros.
Os motivos que explicam o desempenho dos países é estudado há quase o mesmo tempo de existência da era moderna dos Jogos. Os estudos testam diferentes hipóteses que abastecem análises estatísticas e diferentes teorias.
“Os que ganham muitas medalhas são países que têm investimento não só nos esportes olímpicos, mas em todos. Eles oferecem uma boa quantidade de atletas de alto nível que é fruto de um grande processo seletivo que começa com uma base muito forte”, analisa Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), especializada em estudos olímpicos.
É difícil competir com o tradicional e vasto sistema de esportes oferecido nos Estados Unidos. Num país onde a cultura de patrocínios privados é muito difundida, também é complexo rastrear o quanto de dinheiro é investido no setor. Só em 2023, o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos (Usopc, na sigla em inglês) declarou ter recebido cerca de 345 milhões de dólares – cerca de R$ 1,5 milhão.
O Japão, que antecedeu a França como sede, tem se saído bem e abocanhou diversas vitórias contra brasileiros em Paris. Segundo pesquisadores, o fenômeno é como um efeito residual dos investimentos feitos pelo ex-anfitrião. O país asiático traçou um plano estratégico para destacar seus atletas na edição que sediou, em 2021, e injetou mais de 6 bilhões de dólares só em recursos públicos em meio à preparação para os Jogos. Como resultado, ganhou 27 ouros e terminou a competição em terceiro no quadro de medalhas, atrás de Estados Unidos e China.
As possíveis explicações
Leandro Mazzei, professor de Ciências do Esporte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), se debruça sobre o tema há alguns anos. Ele diz que há duas tendências correntes que explicam a conquista – ou não – de medalhas quando se trata de esporte internacional de alto rendimento: mais países concorrem desde a década de 1990 e há concorrentes com mais poder de conquistar medalhas.
Ainda assim, mesmo com maior número de competidores, alguns países têm muito sucesso. O que o conhecimento adquirido por meio de estudos estatísticos e pesquisa qualitativa aponta é que metade das medalhas vão para países de renda alta, população grande e sistema esportivo mais centralizado.
“Os outros 50% de medalhas são explicados por gestão, investimento em longo prazo, recursos financeiros, cultura esportiva, desenvolvimento de talentos, suporte para atleta e treinadores, instalações, competições existentes no país e suporte científico”, destaca Mazzei.
Os itens citados pelo pesquisador fazem parte de um modelo conceitual conhecido como Spliss, abreviação para a teoria chamada de Sports Policy factors Leading to International Sporting Success, e que seriam os pilares que sustentam o sucesso no esporte de alto rendimento.
Os sucessos do Brasil
Em Paris, o primeiro ouro do Brasil veio com o judô. O esporte é um caso de sucesso brasileiro desde 1972, em Munique, quando rendeu a primeira medalha olímpica da modalidade. A partir daquela ocasião, o judô, que chegou aos brasileiros por meio da influência da imigração japonesa, passou a receber mais atenção e fomento.
A dificuldade de financiar esportes faz parte da história nacional. O futebol, naturalmente, é um caso à parte, enraizado na cultura e, algumas vezes, usado até politicamente.
A situação para os atletas de alto rendimento começou a mudar em 2001, com a chamada lei das loterias, o programa do governo federal Bolsa atleta, de 2004, além de programas específicos das Forças Armadas.
A lei das loterias instituiu que cerca de 1,7% das apostas sejam direcionadas ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). A fonte segura de dinheiro abastece diversas confederações, como a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) que, em 2023, recebeu 10,6 milhões de reais desse repasse.
A política ajudou a pavimentar o caminho da ginástica brasileira rumo à elite mundial. Em 2012, Arthur Zanetti, nas argolas, conquistou o primeiro ouro. Em 2024, as meninas levaram a primeira medalha por equipe na modalidade, vinte anos depois da estreia de um time feminino completo em Jogos Olímpicos.
Letícia de Queiroz Lima investigou durante o doutorado na Unicamp quais são os fundamentos desse crescente sucesso da ginástica brasileira. A pesquisa apontou respostas como instalações esportivas, desenvolvimento e suporte para treinadores, suporte financeiro, políticas públicas específicas para ginástica feminina, participação do esporte de base, competições, características dos treinadores e das ginastas e treinamento da arbitragem.
“A ginástica é um esporte em que as crianças começam muito cedo e a família, os responsáveis, são muito importantes para isso”, menciona Lima como mais um pilar para o sucesso. “Mas um dos pontos fracos no país é a falta de apoio à participação no esporte de base”, adiciona.
Apesar de pelo menos uma fonte de recursos ter sido assegurada para esportes olímpicos, a distribuição do dinheiro num país de dimensões continentais ainda é desigual, avaliam especialistas ouvidos pela DW. Outros problemas seriam a falta de apoio na base e a dificuldade de acesso.
A ginasta Rebeca Andrade, brasileira com mais medalhas olímpicas, por exemplo, foi revelada por um projeto social com apoio da prefeitura da cidade de Guarulhos, em São Paulo. Dentre as mais de cinco mil cidades brasileiras, são poucas as que oferecem práticas contínuas de esporte a crianças e jovens.
O acesso difícil
Fernando Scavasin fez parte do time brasileiro da esgrima por vinte anos e diz ter conhecido este esporte por acaso. Aos 12 anos, ele foi atrás de aulas gratuitas de futebol e basquete no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, mas se interessou por outra coisa depois de ler uma placa no local: “Venha fazer esgrima”.
“Nem sabia o que era, mas fui ver. Acabei me tornando um atleta por ter tido acesso a um esporte que nunca tinha ouvido falar”, conta Scavasin, que atualmente oferece aulas de esgrima nas escolas.
Ele relata dificuldades em chegar a um alto rendimento e afirma que o programa Bolsa Atleta, que recebeu de 2004 a 2020, foi como um “grito de independência” na sua trajetória: com o apoio financeiro era possível escolher melhor os materiais para treinar e participar de competições.
A medalha olímpica na modalidade ainda não foi alcançada pelo Brasil. “Vejo uma desorganização estrutural grande, há também a questão cultural. Ainda é muito dificil”, justifica Scavasin.
Atleta, figura exposta
Para Katia Rubio, os fatores que levam à medalha são fruto de um longo processo, e não podem ser explicados de forma tão objetiva. Com uma extensa pesquisa sobre Jogos Olímpicos, ela vê a dificuldade que os atletas brasileiros têm para manter o alto nível e atender às expectativas do público.
A cada promessa de medalha não cumprida, a sensação de derrota é estampada pelas inúmeras câmeras que transmitem as competições e os torcedores em casa aumentam o coro da frustração.
“O que eu lamento demais é que quem responde por tudo isso no final é só o atleta. Porque é ele quem está ali, diante das câmeras, diante do público. E ele serve de anteparo para tudo aquilo que não foi feito pelos dirigentes, patrocinadores, gestores. E todo esse meio envolvido fica protegido. A única figura exposta é o atleta”, critica Rubio.