Após cinco anos, implementação da ferramenta pelo Banco Central foi bem-sucedida, mas ainda exclui quase um quarto dos brasileiros – sobretudo os mais pobres, idosos, moradores rurais e pessoas com menos escolaridade.Ao ouvir a pergunta “aceita Pix ?”, o jardineiro Mario Ramalho responde que não trabalha com a ferramenta e dá duas opções aos clientes: pagar o valor do serviço em espécie ou depositar na conta de uma vizinha dele. Como é raro que tenham dinheiro vivo, a preferência é pela segunda modalidade. O que era para ser um pagamento instantâneo, se torna um processo mais demorado. “Pego o dinheiro com ela no dia seguinte”, explica. “Meu celular é dos antigos, só serve para ligar”.

Assim como Ramalho, 23,6% dos brasileiros ainda estão à margem do Pix, apesar do esforço do Banco Central (BC) para a modernização dos meios de pagamento. A funcionalidade, lançada em 2020, completou cinco anos em novembro. De acordo com uma pesquisa publicada pelo próprio BC no ano passado, a adesão na época já era de 76,4%. O objetivo da instituição é oferecer uma forma de transferência bancária gratuita, digital e instantânea – mas a facilidade ainda não chega a todos. Problemas como acesso à internet e a smartphones, além de dificuldades para usar a ferramenta são alguns dos motivos que afastam quase um quarto dos brasileiros do Pix.

Para a pesquisadora em Infraestruturas Públicas Digitais do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) Viviane Fernandes, o Pix é uma política bem-sucedida do BC, mas que precisa ser ampliada para abranger os cidadãos que ainda estão excluídos desta solução.

“É impressionante o que o Pix conseguiu fazer em termos de inclusão financeira, mas precisamos prezar pela qualidade dessa inclusão, cujo limite é quem tem como acessar o Pix. Quem tem as ferramentas e o conhecimento para isso?”, indaga.

Quem são os excluídos

A pesquisa do Idec “Desafios do Pix e Gov.br: soberania, segurança e inclusão das IPDs brasileiras” elenca os grupos excluídos pela ferramenta: pessoas com pouca escolaridade, indivíduos de baixa renda, habitantes de áreas rurais ou remotas, indivíduos sem acesso à internet e pessoas com deficiência. “Esses perfis estão mais suscetíveis a enfrentar barreiras – cognitivas, técnicas, estruturais e culturais – que dificultam a adesão a meios de pagamento digitais”, diz o documento.

Dados do Banco Central apontam que a adesão ao Pix é maior entre os mais jovens: 91,2% dos adultos entre 25 e 34 anos usam a ferramenta, enquanto entre os acima de 60 essa proporção cai para 43,9%. A adesão ao Pix também é maior entre os indivíduos de mais alta renda (91,7% dos que ganham acima de 10 salários mínimos, frente a 67,8% dos que ganham até dois).

No entanto, são os mais pobres que usam o Pix com mais frequência para transferir valores baixos. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou que um dos motivos é que nas regiões de alta renda e maios escolaridade há mais oferta de outros meios de pagamento, como cartão de crédito, mais usado por esse público, para, por exemplo, acumular milhas.

Há ainda aqueles que têm Pix, mas não sabem lidar com a ferramenta sozinhos. É o caso da empresária Antonia Gonçalves, de 76 anos, moradora do Incra 7, área rural do Distrito Federal. Quando ela precisa fazer pagamentos com o Pix, sempre pede ajuda a um dos cinco filhos

“Todo mês tenho que pagar o plano de saúde e os funcionários, peço para minha filha agendar, porque abrir o Pix e colocar a chave, eu não sei fazer”, conta. “Se não for assim, não pago. Meus filhos dão o passo a passo para usar o aplicativo, assim eu consigo”. Outro problema é que, por vezes, ela chega a ficar até três dias sem sinal de internet. “Tenho que pegar o carro, porque não passa ônibus, e dirigir por dois quilômetros até a estrada principal para captar o sinal de internet do mercado”.

Conectividade e escolaridade

Para o coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Lauro Gonzalez, a exclusão do Pix “esbarra fatalmente nas questões de exclusão digital”. Ele afirma que essa marginalização “acaba sendo pior para os recortes populacionais mais vulneráveis dentre os vulneráveis”. Por isso, afirma que apesar da alta adesão ao Pix é preciso enfrentar a exclusão digital para completar o que chamou de “inclusão da última milha”.

Um dos aspectos dessa exclusão é a conectividade, ou seja, a conexão à internet e o acesso a smartphones. A pesquisa TIC Domicílios de 2025, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, apontou que 15% dos brasileiros não usam a internet. Além disso, entre os usuários, a taxa de acesso entre a classe A é de 99%, enquanto nas D e E, é de 73%. Para 39% dos internautas, o pacote de dados do celular terminou em algum momento nos últimos três meses. Pelo estudo da FGV, nos municípios de menor conectividade, a adesão ao Pix é mais baixa.

“Estamos falando fundamentalmente da população de baixa renda, por isso a qualidade da conexão é um problema. Outro, são os preços dos pacotes de dados. E o terceiro tem a ver com a qualidade dos aparelhos”, diz Gonzalez.

De acordo com o levantamento de junho do ano passado da consultoria Fiserv, 12% dos que não usam o Pix não o fazem porque a rede de internet é instável. E 21% se sentem excluídos e ultrapassados por não usarem a ferramenta.

O nível de escolaridade também está associada ao uso do Pix, uma vez que ele exige conhecimento de tecnologias digitais. Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2024 demonstram que 29% de jovens e adultos de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais. Desses, 71% obtiveram um baixo desempenho no contexto digital, medido pelo indicador. Já entre os que têm nível de alfabetização elementar, a destreza digital foi média para 46% deles. Para quem tinha alto nível de alfabetização, o traquejo digital alto foi detectado em 68% desse público. Esses fatores também podem ser um impeditivo no uso do Pix.

Mais inclusão é possível?

Os especialistas ouvidos pela DW consideram que o uso do Pix pode ser universalizado no país com a inclusão desses indivíduos que estão à margem do sistema financeiro. Para tanto, é preciso transpor as barreiras à inclusão digital. Já no caso de acesso a smartphones que suportem os aplicativos do banco, a situação é mais difícil de resolver.

“Com a modernização do sistema, diminuiu o uso do dinheiro, e as agências bancárias físicas foram reduzidas. Assim, aumentou a vulnerabilidade de grupos como idosos, por exemplo”, afirma Viviane Fernandes, do Idec.

Por isso, ela argumenta que alternativas de inclusão devem focar no desenvolvimento de interfaces mais intuitivas para os aplicativos, de modo que considerem os vários graus de habilidade digital dos usuários. Um canal de suporte para a população, como atendimento presencial ou por telefone também são possibilidades.

Outra possível solução seria o Pix Offline, que pretende permitir as transações sem conexão à internet. “Isso já estava na agenda evolutiva do Banco Central desde 2023, mas na última reunião plenária do BC de 4 de dezembro, o Pix Offline não tinha sido desenvolvido e foi adiado para 2027”, relatou Fernandes.

Enquanto isso não se torna realidade, Antonia Gonçalves tenta se virar. “Estou fazendo curso de informática há um mês, agora já sei até mandar a localização pelo WhatsApp. Não posso ficar para trás, temos que caminhar para frente”.