01/08/2024 - 10:59
Brasil tem 2.200 cursos de Letras, mas apenas 126 na rede pública e a maioria em português. Para especialistas, falta incentivo na formação de professores, ao ensino de idiomas e escassez na oferta de aulas.O debate sobre a permanência da obrigatoriedade do espanholno currículo do Novo Ensino Médio, que mobilizou embaixadas estrangeiras no país e fomentou uma disputa de narrativas no Congresso Nacional, levanta também uma discussão sobre a capacidade do Brasil em diversificar a oferta de línguas estrangeiras na educação básica.
Especialistas entrevistados pela DW afirmam que o debate precisa caminhar em paralelo à oferta de cursos de graduação para formação de professores de língua estrangeira, à qualidade do ensino e também à demanda de carga horária dos alunos.
Um levantamento realizado pela DW, a partir da base de dados do Ministério da Educação (MEC) sobre cursos de graduação existentes no Brasil, mostra que o país tem 2,2 mil cursos de Letras, dos quais 126 são ofertados por instituições públicas de âmbito federal, estadual ou municipal. A maioria deles é dedicada ao ensino de português, inglês e espanhol.
Juntos, os cursos de Letras somam 23 mil vagas públicas, a maioria delas no sudeste, também a região mais populosa.
São sete cursos no Centro-Oeste, sendo quatro de inglês e um em espanhol – os demais são português. No nordeste são 42 cursos, sendo que entre os de língua estrangeira são dois em francês, oito em espanhol e 10 em inglês. No Norte, são 11 cursos de Letras, sendo dois contemplando a língua inglesa, um o espanhol e um a Língua Brasileira de Sinais (Libras) – o restante oferta português.
No Sudeste, são 32 cursos e a maior diversidade em termos de línguas estrangeiras. Cinco graduações ofertam a língua inglesa, duas oferecem formação em espanhol, duas em italiano e duas em francês. Há, ainda, um curso que oferta hebraico e outro, japonês. No Sul, são 34 formações, 12 dedicadas ao inglês, sete em língua espanhola, uma em Libras e uma em francês.
Projeto de país
Tradicionalmente, o Brasil não é um país que incentiva o ensino de línguas em seus currículos de educação pública. Hoje em dia, a média de aulas é de apenas uma hora por semana. A grande maioria das pessoas que dominam um segundo idioma buscam esse aprendizado em cursos privados, que costumam ser bastante caros para a população em geral.
Para o professor do programa de pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Rafael Vetromille-Castro, a escolha da obrigatoriedade de uma língua deve considerar o projeto do país.
“As pessoas que saem do ensino médio, indo ou não para a universidade, dominando uma língua estrangeira em nível intermediário estarão em outro ponto de interação comercial e econômica com outros países. A discussão da obrigatoriedade deveria considerar isso”, afirma.
Segundo a senadora Dorinha Seabra (União-TO), relatora do projeto do Novo Ensino Médio no Senado, que mantinha a obrigatoriedade do espanhol no currículo, a alegação do relator do projeto na Câmara, deputado Mendonça Filho (União-PE), de que não há professores suficientes de espanhol no Brasil não faz sentido.
“Não vai ter nunca se não tiver uma política direcionada à qualificação, formação e a necessidade. É uma relação de mercado”, afirma.
De acordo com dados levantados pelas associações de professores de espanhol de 21 estados, divulgados em nota pública, entre 2005 e 2017 o Brasil abriu cerca de 88 cursos de graduação em letras que contemplavam a formação português-espanhol.
Grande parte deles foi aberta tendo em vista que o espanhol tornou-se obrigatório no ensino médio brasileiro em 2005, por meio da Lei 11.161. No entanto, a legislação foi revogada com a reforma do ensino médio de 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer. Atualmente, no Brasil, como língua estrangeira, apenas o inglês é obrigatório a partir do sexto ano do ensino fundamental.
Os desafios para expandir a formação de professores em língua estrangeira
Muitas aulas de língua estrangeira ainda são dadas por professores sem formação na área, pontua Rafael Vetromille-Castro, da UFPel. De acordo com o Censo Escolar 2023, 13,4% dos professores que ensinam língua estrangeira nos anos iniciais da educação básica no Brasil não têm formação superior, enquanto 47,6% têm uma licenciatura em uma área diferente da que atua.
Nos anos finais do ensino fundamental, 43% dos professores de língua estrangeira têm uma licenciatura numa área diferente da que leciona. Já no ensino médio, o percentual é de 44,7%. Por outro lado, é nessa etapa da educação que há o menor percentual de professores sem ensino superior ensinando outros idiomas, quando comparadas todas as etapas da educação básica. “Isso vem diminuindo, mas ainda é uma realidade”, diz Vetromille-Castro.
Questões de políticas públicas, desvalorização da docência, falta de infraestrutura nas escolas e nas universidades são elencadas como fatores que tornam a formação de novos professores em línguas estrangeiras e a expansão desse ensino complexa no país.
“Tornar a docência mais atrativa é um dos aspectos mais urgentes, pois isso implica potencializar tanto as práticas de ensino quanto as instituições educacionais”, afirma o professor do Centro de Comunicação, Letras e Artes (CCLA) da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Alan Ricardo Costa.
“Cada vez temos menos pessoas interessadas em entrar numa licenciatura em língua estrangeira e, em consequência, menos mão de obra especializada”, complementa Vetromille-Castro.
Ele destaca que não há falta de professores, pelo menos para espanhol e inglês, mas que os egressos dos cursos de licenciatura em Letras acabam indo para escolas de idiomas, pois encontram nesses espaços uma remuneração maior do que a das escolas públicas e particulares.
“Isso evidencia que a formação é de qualidade, mas que esses egressos estão indo para onde a população como um todo não tem acesso”.
Para Costa, o Brasil não é um país monolíngue e isso deve ser considerado na oferta dos cursos de formação dos professores e de aulas ao aluno.
“Precisamos reconhecer que muitas línguas ‘são daqui’. Temos variados contextos, de migração, de fronteira, de povos originários, de comunidades quilombolas, de surdos…”, elenca.
Vetromille-Castro explica que, se o Brasil quiser que os alunos acabem a educação básica com as quatro competências de uma língua – falar, ouvir, ler e escrever – precisa rever a quantidade de horas aula nos currículos.
“A gente faz uma comparação com cursos livres, que são pagos de modo particular, e o que se tem de padrão são duas aulas por semana de uma hora e 15 minutos”, lembra Vetromille-Castro.
Nos cursos privados, a média de tempo para tornar-se intermediário a avançado numa língua é de três a quatro anos.
Embaixadas têm projetos de estímulo de idiomas
Várias embaixadas no Brasil fomentam a língua estrangeira na educação pública. No ano passado, por exemplo, a adida de cooperação educativa da embaixada da França no Brasil, Hélène Ducret, visitou o Amapá para entregar um prêmio a uma escola que oferece ensino bilíngue francês-português e “alinhar tratativas pedagógicas para ampliar projetos educacionais que intensifiquem o estudo bilíngue no estado”.
Também houve uma visita à Secretaria de Educação de Cuiabá, no Mato Grosso, para a discussão de parcerias. Em 2023, a embaixada da França também discutiu parcerias na educação com o governo do Paraná e estabeleceu acordo de cooperação técnica com o governo do Ceará.
Esse movimento é comum a outras representações diplomáticas no Brasil. No Rio de Janeiro, a Secretaria Estadual de Educação afirmou que mantém em 27 escolas de tempo integral o ensino do idioma de pelo menos 16 países, em parceria com embaixadas, consulados ou instituições vinculadas a diferentes territórios. Existem, por exemplo, duas escolas onde há o ensino de alemão, em parceria com o Goethe-Institut.
Em São Paulo, o Goethe-Institut também tem projetos com as secretarias estadual e municipal. Além disso, o Estado de São Paulo tem parcerias com a Fundação Japão, o consulado da França e o consulado da Itália.
“A qualidade do ensino nem sempre está atrelada ao conhecimento do docente, mas como você trata o aluno, estabelece uma relação com o idioma e, consequentemente, com a cultura”, afirma Renato Ferreira da Silva, gerente da Cooperação Pedagógica do Goethe-Institut São Paulo.
Segundo ele, para que essas parcerias se efetivem, é preciso ter professores motivados. “O fato de ter turmas com pessoas que optaram pela matéria, estão ali porque têm interesse em aprender, isso também motiva o professor”, defende.
Ele ressalta, porém, que essa parcerias não darão frutos se não houver formação local dos professores. “Há uma procura tanto de instituições públicas quanto de privadas para oferecer alemão, mesmo em cidades menores. Mas não há professores suficientes no mercado”, afirma.
Em Roraima, por exemplo, o governo mantém, desde 2019, um acordo de cooperação com a embaixada da Espanha para o fomento da língua espanhola, por meio do qual são realizados cursos de atualização de professores e o ensino do idioma para os alunos. Já em Sergipe, a secretaria estadual tem acordo de formação de professores em língua inglesa com a Embaixada e os Consulados dos Estados Unidos.
Goiás, por sua vez, tem parcerias com as embaixadas dos Estados Unidos e da França, que, a partir de 2026, ofertará formação especializada em metodologia e coordenação de escola bilíngue francesa para os professores.