28/11/2025 - 17:16
Análises de ossos de uma caverna na Bélgica revelariam um cenário brutal: neandertais teriam caçado deliberadamente mulheres e crianças de outros grupos para eliminar seus descendentes.Eles não caçavam apenas renas, veados e auroques, mas possivelmente também os membros mais fracos de sua própria espécie: um novo estudo sugere que os neandertais capturavam, matavam e comiam deliberadamente mulheres e crianças de outros grupos – possivelmente para enfraquecer as chances reprodutivas de seus rivais. No entanto, até onde essa interpretação corresponde à realidade é algo controverso e baseado em análises altamente especulativas de um pequeno número de fragmentos ósseos.
Massacre na Caverna de Goyet
O estudo, publicado na revista especializada Scientific Reports, baseia-se na análise de aproximadamente cem ossos de neandertais altamente fragmentados de uma caverna na Bélgica, a Terceira Caverna de Goyet. Os ossos analisados têm entre 41 mil e 45 mil anos.
Vestígios de cortes e golpes nos ossos mostram um padrão conhecido do abate de cavalos e renas – forte evidência do chamado “canibalismo alimentar”.
Análises de DNA, medições de isótopos e comparações de formatos ósseos revelam um quadro impressionante: pelo menos seis indivíduos foram identificados, incluindo quatro mulheres adolescentes ou adultas e duas crianças, todas de estatura baixa e delicada. Além disso, suas assinaturas químicas diferem das de neandertais de sítios vizinhos. Isso sugere que elas não pertenciam ao grupo local.
Ataques seletivos
Usando modelos computacionais, os pesquisadores examinaram a probabilidade de encontrar aleatoriamente essa combinação específica de vítimas. Eles concluíram que tal mistura de idades e sexos torna uma causa natural de morte extremamente improvável. Em vez disso, interpretaram essa sobrerrepresentação de mulheres e crianças como um indício de que membros particularmente vulneráveis de grupos vizinhos eram especificamente alvejados.
O estudo chega a levantar a hipótese de que uma espécie de “política reprodutiva” possa estar por trás da seleção das vítimas: aqueles que matam mulheres e crianças de outro grupo atingem de forma particular seu potencial de reprodução. No entanto, os próprios autores enfatizam que tais inferências sobre motivações devem ser entendidas apenas como interpretações cautelosas – essa explicação não possui qualquer fundamento.
Fome, rituais ou estratégia de guerra?
Descobertas na caverna de Krapina, na Croácia, em Moula-Guercy, na França, e em El Sidrón e Zafarraya, na Espanha, já revelaram ossos desmembrados e partidos, tratados de forma semelhante a restos de animais.
A análise dos ossos comprovou definitivamente que os neandertais consumiam a carne de outros neandertais. Estudos anteriores discutiram principalmente duas explicações para esse fenômeno: extrema escassez de alimentos em tempos de crise ou rituais fúnebres.
No entanto, segundo os pesquisadores, os numerosos ossos de animais encontrados na caverna de Goyet, com as mesmas marcas de ferramentas, contradizem a ideia de que o consumo de outros neandertais era motivado pela necessidade. Ao mesmo tempo, outros sítios neandertais na mesma região apontam para sepultamentos e um tratamento mais digno dos mortos.
Flutuações climáticas e pressão competitiva
Outro quadro interpretativo são as mudanças climáticas e ambientais: por exemplo, em relação a uma caverna francesa no rio Ródano, sugere-se que um período quente há cerca de 120 mil anos transformou a paisagem de estepe aberta em floresta e deslocou importantes animais de grande porte, o que pode ter favorecido o canibalismo como estratégia de emergência.
Estudos de modelagem da população neandertal também sugerem que mesmo pequenas deteriorações nas condições nutricionais poderiam impactar severamente a fertilidade e, consequentemente, a sobrevivência desses pequenos grupos.
O novo estudo de Goyet relaciona essa pressão ecológica ao aumento da competição: durante o período em questão, o Homo sapiens já estava presente em partes da Europa. Os autores especulam que isso levou a um aumento nos conflitos territoriais entre grupos de neandertais. O canibalismo seletivo de mulheres e crianças não aparentadas poderia ter sido uma forma violenta e simbólica desse conflito nesse cenário.
O estudo utiliza o comportamento de chimpanzés como referência para conflitos violentos entre grupos da mesma espécie. Sejam conflitos territoriais, disputas por recursos ou tentativas de enfraquecer a concorrência, os chimpanzés lançam ataques direcionados e mortais contra membros de grupos vizinhos. Em alguns casos documentados, os ataques são seguidos por tratamento agressivo do corpo da vítima, chegando até mesmo ao consumo de partes do corpo.
Entre a verdade e ficção
O estudo destaca a fronteira da pesquisa atual: existe um amplo abismo de incerteza entre a reconstrução imparcial das estruturas ósseas, por um lado, e as reconstruções narrativas de comportamento, motivação e estratégias de guerra, por outro.
Pertenceriam os ossos realmente a vítimas mais vulneráveis, eliminadas deliberadamente para enfraquecer o potencial reprodutivo de um ou mais grupos rivais? Em entrevista à DW, o paleobiólogo francês Hervé Bocherens descreveu essa interpretação como a “mais provável”. Bocherens é coautor do estudo e chefe do grupo de pesquisa em biogeologia da Universidade de Tübingen, na Alemanha.
No entanto, as interpretações sempre acarretam o risco de se chegar a conclusões que talvez não correspondam à realidade de uma caverna da Idade do Gelo na Bélgica. Então, na verdade ninguém sabe ao certo o motivo pelo qual as mulheres e crianças da Caverna de Goyet morreram. Fome, pilhagem oportunista, vingança ou rituais sociais não podem ser descartados como possíveis causas.
Independentemente desse estudo específico, o historiador e arqueólogo Ulrich Veit vem alertando há anos contra interpretações exageradas. Ele é professor de pré-história e história antiga na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Veit pondera que embora interpretações ousadas certamente possam trazer muita atenção para a arqueologia e a paleontologia, elas também podem ser exageradas. “Outros são mais reservados, em parte porque percebem o quão politicamente suscetível o campo da arqueologia foi no passado”, disse à DW.
Veit está se referindo à instrumentalização política da arqueologia — especialmente durante a era nazista. Naquela época, as descobertas arqueológicas eram interpretadas, entre outras coisas, como prova de “origens germânicas, suposta superioridade racial ou reivindicações territoriais históricas”. Não havia discussão sobre a infinidade de outras interpretações possíveis.
