Com a inflação no Reino Unido e em todo o mundo ameaçando ficar fora de controle, os preços de tudo, desde leite a petróleo, energia e presentes de Natal, são uma preocupação para a maioria de nós. A maioria das pessoas entende os preços simplesmente como o resultado da oferta e da demanda – um acordo entre vendedores e compradores sobre quanto algo deve custar.

Mas há mais nesses números, começando com a questão matematicamente filosófica: os preços existem mesmo?

Desacordo inicial, acordo final

Suponha que você esteja vendendo uma bicicleta para liberar espaço no galpão. Você é um fornecedor em busca de demanda. Você anuncia por 100 libras (£ 100, aproximadamente R$ 645). Você recebe uma oferta de £ 90 e, por fim, fecha um acordo de £ 95. É tentador declarar que o preço da bicicleta era £ 95.

É mais preciso visualizar a situação da seguinte maneira. Sua oferta inicial de £ 100 é um sinal para os compradores. A resposta de £ 90 de um comprador é um desacordo com sua oferta inicial. O preço “verdadeiro” está em algum lugar no meio. Paradoxalmente, assim que o negócio é fechado, o preço evapora, pois não há negócios futuros a serem considerados.

Durante a fase de desacordo, poderíamos dizer que o preço estava entre £ 90 e £ 100. Uma vez alcançado um acordo, o negócio foi executado e imediatamente o preço não fazia mais sentido. O preço nunca foi £ 95?

A visão comum sugere que é o acordo entre compradores e vendedores sobre negócios futuros que define o preço, representando o valor inerente do ativo. Mas cada parte tem sua própria utilidade percebida na execução do negócio, representando o que eles veem como o “valor” inerente do ativo.

Fatores desconsiderados

Suponha que o valor percebido pelo comprador de possuir esta bicicleta (incluindo benefícios de transporte, status, prazer e assim por diante) seja £ 95. Isso significa que ela certamente não pagará mais do que £ 95. Da mesma forma, se o valor percebido pelo vendedor de possuir a bicicleta (incluindo aspectos negativos, como espaço ocupado no galpão) também for £ 95, então ela não venderá por menos de £ 95. Parece que um acordo é alcançado em £ 95. No entanto, isso desconsidera os inevitáveis ​​custos e esforços extras associados à execução do negócio em si (tempo usado e energia gasta).

É justamente por causa de um desacordo sobre o valor inerente do item que eles fecharam um acordo. Tudo o que podemos deduzir do “preço” de £ 95 é que o valor inerente da bicicleta para o vendedor era inferior a £ 95 e para o comprador era superior a £ 95. Dessa forma, ambas as partes ganharam valor com a troca.

O preço final de £ 95 da bicicleta é suportado pela tensão de desacordo entre comprador e vendedor. Mas qualquer tentativa de identificá-lo como um único número é ilusória, pois assim que o negócio é fechado, o preço desaparece. Tudo o que podemos realmente dizer, com base na interação acima, é que o preço “verdadeiro” da bicicleta está entre £ 90 e £ 100.

Fantasmas no sistema

Como os preços – esses fantasmas de acordos comerciais encerrados – ganharam destaque? A resposta está com outros fantasmas. Os pais da física moderna, Isaac Newton e Gottfried Wilhelm Leibniz, desenvolveram o cálculo no século 17 como uma ferramenta matemática para a física. Eles manipulavam números infinitesimais — quantidades indescritíveis que conseguiam ser positivas e zero ao mesmo tempo. Em 1734, o filósofo irlandês George Berkeley, em seu livro The Analyst, fez uma famosa crítica a esses “números”:

“Eles não são nem Quantidades finitas nem Quantidades infinitamente pequenas, nem nada. Não podemos chamá-los de Fantasmas das Quantidades que partiram?”

No final do século 19, os matemáticos lançaram o cálculo sobre bases sólidas construindo os “números reais”. Hoje, esses são os números padrão que usamos todos os dias, incluindo 0, 1, 1,5, -1,323 e π.

Passo ousado

Em 1900, o matemático francês Louis Bachelier deu um passo ousado. Ele viu o tremendo poder do cálculo e se perguntou se poderia ser utilizado não apenas na física, mas também nas finanças.

O cálculo funciona bem em física, engenharia e tecnologia porque os números reais descrevem adequadamente as quantidades relevantes. Por exemplo, sua posição geográfica no Google Maps é identificada por números reais (latitude e longitude), e ferramentas de cálculo são usadas diretamente nesses números para navegação.

Bachelier precisava de um conceito financeiro que pudesse ser medido por números reais. O conceito de preço, por mais evasivo que seja, se encaixa no projeto. Isso permitiu a Bachelier modelar ativos financeiros como se fossem partículas em movimento e, assim, explorar a matemática da física.

A revolução financeira necessária

A física prosperou com os fantasmas das quantidades perdidas e as finanças modernas prosperaram com os fantasmas dos negócios perdidos. Assim como na física, essa teoria funcionou bem por um tempo, mas acabou atingindo seus limites.

A percepção de que os números reais eram muito restritivos para os propósitos da física moderna levou os cientistas a inventar uma nova matemática. A física clássica, que reinou suprema desde Newton e Leibniz, agora é vista como a predecessora da mecânica quântica – uma revolução que está remodelando nossas vidas.

Em seu livro Trades, Quotes and Prices, os principais especialistas em econofísica descrevem de forma pungente a situação atual nas finanças:

“Os preços são quantidades fugazes, hipersensíveis a flutuações no fluxo de pedidos e propensos a quedas endógenas. Então, por que colocamos uma fé tão cega neles? A crença de que os preços são estimativas fiéis de valores de ativos, carteiras e empresas dominou o estudo dos mercados financeiros por décadas. Apesar da ampla adoção, essa abordagem tem muitas consequências infelizes… Talvez seja hora de um paradigma melhor.”

Esse apelo por um novo paradigma está levando os pesquisadores a se inspirarem nas fronteiras da matemática moderna. Desde os avanços mais recentes da matemática quântica até as profundezas da teoria das categorias, ninguém ainda sabe qual é a resposta, mas quando a encontrarem, ela certamente moldará a economia do futuro.

* Ittay Weiss é matemático na Universidade de Portsmouth (Reino Unido); Samuel Lloyd-Lindholm é doutorando em matemática na Universidade de Portsmouth.

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.