12/10/2021 - 9:45
A mente brilhante, que nos coloca no topo da cadeia alimentar e da curva da evolução, tem inspirado vários estudos ao longo dos anos.
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O que é a inteligência, como medi-la e aumentá-la é um assunto que não sai de moda.
Não é à toa que todo mês deparamos com manchetes ligadas ao desenvolvimento mental. Mas, afinal, o que é inteligência e como ela se aplica nos dias de hoje?
Essa faculdade é tão complexa que, não por acaso, ainda não se chegou a um significado universalmente aceito sobre ela. Um conceito usado atualmente é o do psicólogo norte-americano Howard Gardner, que classifica a inteligência como a habilidade de resolver problemas ou criar produtos de valor nos ambientes culturais nos quais se está inserido. “Pessoas “mais inteligentes” tendem a resolver problemas em menos tempo e com menos esforço mental, sendo mais eficientes”, afirma Káritas de Toledo Ribas, sócia-diretora da empresa Appana Mind – Desenvolvimento Humano e Psicofisiologia Aplicada e especialista em medicina comportamental. Segundo ela, eficiência significa “a capacidade de gerar trabalho a um custo energético reduzido”.
Com base nesse conceito de inteligência, pode se dizer que ela não é apenas uma questão de QI, mas um conjunto de habilidades. Então, dizer que Pelé, o rei do futebol, é tão inteligente quanto foi o físico Albert Einstein não é errado.
A explicação disso veio nos anos 1990, quando Gardner apresentou sua teoria sobre inteligências múltiplas, com sete tipos diferentes de intelecto: linguístico, lógico-matemático, espacial, intrapessoal, corporal-sinestésico, interpessoal e musical (veja no texto “Tipos de inteligência”, ao final da reportagem).
Segundo ele, essa classificação pode ser de grande ajuda para potencializar o aprendizado.
Diversos fatores influenciam o desenvolvimento mental da criança. “Inteligência é o somatório de herança biológica e meio ambiente, que é tudo o que gira ao nosso redor, inclusive alimentação, estímulo e cultura”, afirma Káritas. Partindo disso, o escritor Malcolm Gladwell, em seu livro Outliers – Fora de Série, expõe por que algumas pessoas têm sucesso e outras não. Segundo ele, além da inteligência, fatores como contexto histórico, oportunidades e esforço determinam o sucesso.
Inteligência variável
Estudos indicam que algumas variáveis como nível socioeconômico, idade, sexo e grau de escolaridade podem influenciar nos testes de inteligência. Os alunos de classe média alta, por exemplo, tendem a ter melhores resultados que os de classe média baixa no teste de Goodenough, no qual as crianças desenham um homem, e em sua revisão, em que elas desenham um homem e uma mulher.
Para ilustrar seu argumento, Gladwell cita uma experiência do psicólogo norte-americano Lewis Terman, da Universidade Stanford. Em 1920, Terman começou a monitorar cerca de 1.500 estudantes ditos “superdotados”, com o QI superior a 140. Sua hipótese era que essas crianças seriam a próxima geração da elite norte-americana. Gladwell aponta que essa ideia representa o modo como entendemos o sucesso, uma vez que há escolas e programas especiais para superdotados, além da preferência de algumas empresas por eles.
Mas, ao contrário do que Terman esperava, o QI elevado não foi a matéria-prima do sucesso. No final do estudo, os 730 homens que apresentaram resultados conclusivos foram divididos em três grupos. Os 150 integrantes do grupo A (pouco mais de 20% do total) obtiveram sucesso: formaram-se advogados, médicos e acadêmicos, a maioria com pós-graduação.
Os pertencentes ao grupo B – 430 homens, quase 60% do total – conseguiram resultados “satisfatórios”: obtiveram o diploma de graduação e estavam em boa condição de vida. Já o grupo C, com 150 integrantes, obteve resultados inferiores a sua capacidade intelectual. Muitos deles exerciam funções secundárias, como vendedores de sapatos, ou estavam desempregados; apenas oito homens cursaram pós-graduação; um terço deles havia abandonado a faculdade e um quarto só possuía diploma do nível médio.
“A verdade nua e crua do estudo de Terman é que (…) quase nenhuma das crianças geniais da classe social e econômica mais baixa conseguiu se destacar”, escreve Gladwell. Ele argumenta que o fracasso nesse caso não pode ser atribuído a características do DNA ou circuitos cerebrais. “O que elas não tiveram foi algo que poderiam ter recebido, se soubessem que era daquilo que necessitavam: uma comunidade ao redor que as preparasse para o mundo.”
A experiência de Terman prova que, tratandose de inteligência, há muito a considerar. Vários teóricos se opõem aos testes de QI (veja quadro ao lado) – inclusive Gardner. “Para ele, rotular a inteligência como um escore depois da realização de testes lógicos e matemáticos é negar de forma veemente a gigantesca capacidade do ser humano em resolver problemas através de outras qualidades”, explica Marcello Árias Dias Danucalov, psicofisiologista com experiência em técnicas de integração cérebro, mente e corpo e sócio-diretor da Appana Mind.
Os testes, segundo Gardner, medem apenas uma parte da inteligência, a referente à lógico-matemática.
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A teoria de Gardner sobre inteligências múltiplas diz que todos nascem com tendências genéticas e elas, quando potencializadas pelo ambiente, podem resultar em diferentes habilidades. “A pessoa nasce com todas as inteligências e desenvolve apenas uma ou duas até a excelência. Provavelmente, elas são dependentes não apenas de um gene, mas de inúmeros genes, que se relacionam de forma complexa”, diz Danucalov.
A pergunta, então, é: como descobrir quais são nossas inteligências mais afloradas? Káritas afirma que há testes psicológicos para determiná-las, “mas a melhor forma é fazer com que a pessoa esteja inserida em ambientes desafiadores que estimulem todas as formas de manifestação cognitiva”. Ela também lembra que é importante proporcionar vivências ao indivíduo para que ele perceba naturalmente em quais atividades se sobressai.
Qual é o seu QE?
A imprensa começou a prestar atenção na questão da inteligência emocional com a publicação da obra Inteligência Emocional, de Daniel Goleman. Hoje, seus conceitos são aplicados em muitas profissões, sobretudo na área de recursos humanos. A inteligência emocional também corresponde à interpessoal e intrapessoal propostas por Howard Gardner.
Segundo Danucalov, desenvolvemos as inteligências ao longo da vida, mas existem as chamadas “janelas de oportunidade”, períodos nos quais o aprendizado é facilitado. “Podemos aprender uma nova língua a qualquer momento da vida, mas, se quisermos aprendê-la sem sotaque, precisamos ser expostos a ela precocemente, até os 10 anos de idade”, exemplifica.
Ele também sublinha que trabalhar com as múltiplas inteligências pode ser mais complexo que o imaginado. Por exemplo, uma criança ter aula de violão uma vez por semana não implica o desenvolvimento da inteligência musical. “Há mais chance de desenvolver essa inteligência se o ensino dos acordes e das sequências harmônicas estiver atrelado à necessidade de solucionar um problema, transmitir uma informação”, explica.
Em sua obra, Gardner deixou as portas abertas para novos tipos de inteligência. Tanto que outros pesquisadores começaram a lançar hipóteses de diferentes intelectos, como o naturalista, referente ao conhecimento da natureza. Segundo Gardner, para uma nova classificação de inteligência ser aceita pela academia, ela deve preencher alguns quesitos, como base biogenética e neurológica, e possibilidade de essa capacidade facilitar a adaptação ao meio. No entanto, Danucalov enfatiza que não existem indivíduos que consigam utilizar o potencial de todas as inteligências. “Os seres humanos devem ter tendências genéticas a desenvolver uma ou duas das citadas inteligências; as demais estarão presentes, porém não atingirão grandes escores quando medidas.”
O escritor canadense Don Tapscott, autor de A Hora da Geração Digital, não propõe um tipo de inteligência, mas sublinha que a tecnologia tem causado impacto no comportamento e no cérebro. No livro, ele aponta algumas alterações nas habilidades mentais de uma pessoa em razão da tecnologia, como o caso de C. Shawn Green, aluno de medicina da Universidade de Rochester (Estados Unidos), que obteve nota máxima em um teste de reflexos visuais no qual as outras pessoas conseguiam em média 60% de sucesso. A justificativa para o olhar aguçado foram as horas jogando Counter- Strike, um game de ação para computador no qual o jogador deve encontrar terroristas e matá-los. Em artigo publicado na revista científica Nature, Green e a neurocientista Daphne Bavelier, da Universidade de Rochester, escrevem que esse tipo de jogo é capaz de aumentar a percepção e o processamento de informações visuais.
“O cérebro é especialmente adaptável a influências externas nos primeiros três anos de vida, na adolescência e nos primeiros anos da vida adulta, que é exatamente quando a maioria dos jovens da geração internet está mergulhada na tecnologia digital interativa de 20 a 30 horas por semana”, escreve Tapscott. Baseado nesse pressuposto, o autor argumenta que muitos integrantes dessa geração possuem algumas habilidades a mais, como capacidade espacial, rapidez em pesquisas na web e troca de atenção em tarefas.
Tapscott lembra que muitos estudos desfizeram o mito de que o cérebro para de se desenvolver após uma certa idade. Segundo ele, certas pesquisas comprovam que o cérebro muda ao longo da vida. Por exemplo, alguns taxistas de Londres, que precisam decorar todas as ruas de sua cidade, têm o hipocampo (região do cérebro associada à memória) maior que o de motoristas de outras categorias. Logo, o cérebro dos jovens que se expõem muitas horas por dia à tecnologia interativa pode ser remodelado ao longo de sua vida, potencializando certas habilidades.
De acordo com Tapscott, ao contrário do que muitos pesquisadores alegam, os jovens de hoje podem ser potenciais gênios. O escritor canadense frisa que as novas tecnologias de informação estão remodelando a maneira como as pessoas absorvem conhecimento e o passam adiante. Com isso, talvez daqui a alguns anos se possa diagnosticar novos tipos de inteligência, capazes de enfrentar os desafios com que a humanidade já se defronta.
História do QI
Em 1900, o psicólogo francês Alfred Binet criou um teste capaz de predizer se uma criança obteria sucesso nas séries primárias das escolas parisienses. O exame, que avaliava a idade mental do jovem, foi considerado o primeiro teste de inteligência. Em 1914, três anos após a morte de Binet, o alemão William Stern propôs a fórmula de divisão da idade mental da criança pela cronológica. O resultado seria o quociente de inteligência, o QI que conhecemos. Mais tarde, essa fórmula foi revisada por Lewis Terman, da Universidade Stanford, que multiplicou o resultado por 100, dando origem ao teste de inteligência Stanford-Binet, um dos mais usados por 50 anos.
Tipos de inteligência
Howard Gardner identificou sete tipos de inteligência e elaborou requisitos para identificar outros tipos de talentos.
Linguística – Relacionada a leitura, escrita e fala. Pessoas que têm seu ponto forte na linguagem, como poetas e escritores, possuem facilidade em lidar com a expressão escrita e oral. Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade são exemplos dessa inteligência.
Musical – Associada àqueles que têm facilidade em compreender o som, captar sua expressão e transmitir sentimento através dele, como Mozart, Jimi Hendrix e Gilberto Gil.
Lógico-matemática – É a inteligência que remete ao universo lógico, repleto de números e fórmulas. A maioria dos testes de QI acaba medindo esse tipo de intelecto, exemplificado nos físicos Albert Einstein e Niels Bohr.
Espacial – Está relacionada a pessoas que têm facilidade em trabalhar com coordenadas espaciais e em pensar em imagens, como o arquiteto Oscar Niemeyer ou o pintor Pablo Picasso.
Corporal-cinestésica – A facilidade em se locomover pelo espaço, conhecer bem o potencial físico do seu corpo e ter boa coordenação motora é típica de grandes nomes do esporte, como Pelé e Michael Jordan.
Interpessoal – Está ligada à habilidade de lidar com outras pessoas e a trabalhar em grupo. Frequentemente é vinculada a professores e políticos, como Barack Obama.
Intrapessoal – É a inteligência relacionada ao autoconhecimento e ao equilíbrio interior, inclusive quando a pessoa se encontra em situações difíceis. O ex-presidente sul-africano Nelson Mandela é um de seus melhores exemplos.
Naturalista – Essa inteligência, proposta após a divulgação das ideias de Gardner, está associada àqueles que têm grande facilidade em transitar pela natureza, como os índios.