10/07/2013 - 19:01
Crise e oportunidade são duas faces da mesma moeda. Quando o incêndio de fevereiro de 2012 destruiu 70% da Estação Comandante Ferraz, na Antártida, a comunidade científica brasileira viu derreter projetos e expectativas. No verão passado, a montagem de módulos de emergência sobre o heliponto da estação e o uso do navio Almirante Maximiano para pesquisas foram medidas paliativas para manter a presença do país no continente. Mas não significavam que a crise deflagrada pela perda da base havia sido contornada.
Em abril, uma boa notícia mostrou que o desastre pode se reverter em chance. Depois de tantas críticas sobre as instalações precárias da estação brasileira, surgiu a oportunidade de modernizá-las. Após um concurso realizado pela Marinha, um novo projeto arquitetônico acaba de ser escolhido para marcar o reinício dos planos de reconstrução na Antártida. Por unanimidade, o escritório de Curitiba, Estúdio 41, venceu a disputa entre as 73 propostas apresentadas.
Os jovens arquitetos Fabio Faria, João Gabriel Rosa, Eron Costin e Emerson Vidigal estão acostumados a entrar em concursos dos mais diversos, mas nunca tinham se deparado com um projeto tão específico e em condições tão severas. Para começar, a temperatura média na Baía do Almirantado, na Ilha Rei George, é de 2,3 graus negativos e os ventos podem passar dos 180 km/h.
“Trabalhamos cerca de um mês. Buscamos inspiração em estações modernas de outros países, como a britânica Halley e a espanhola Juan Carlos”, comenta Faria. Além de privilegiar aspectos como segurança e uso de tecnologias verdes, a equipe procurou valorizar a área de convívio social entre os indivíduos que passam meses no gelo. Segundo o Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro (IAB-RJ), responsável pela eleição, o projeto ganhou, sobretudo, porque apresenta soluções modulares e pré-fabricadas que facilitam e agilizam a construção e a logística da obra.
“Confesso que estava um pouco aflito. Muitas escolas de arquitetura no Brasil primam pelo aspecto paisagístico, mas na Antártida isso não funciona. A surpresa foi melhor do que eu esperava”, afirma Jefferson Simões, coordenadorgeral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera e o brasileiro com mais experiência polar em todo o Programa Antártico Brasileiro.
A nova casa brasileira na Antártica irá contar com 19 laboratórios e 3,2 mil metros quadrados – 600 m2 metros a mais que a anterior – sendo capaz de abrigar até 64 pessoas. O projeto prevê a cogeração de energia por meio de uma pequena usina de painéis fotovoltaicos, outra de turbinas eólicas e também da queima de etanol, opção mais sustentável ao óleo diesel, até então usado. O mesmo óleo diesel que alimentou as labaredas do incêndio.
A estação anterior tinha 28 anos e abrigava apenas cinco laboratórios, que não eram dos mais adequados. Por estar apoiada diretamente no solo, ficava soterrada por três metros de neve durante o inverno. “Era um puxadinho, uma estrutura adaptada para fazer pesquisa”, brinca Simões.
Do novo desenho, Simões destaca que segue padrões internacionais, é baseado em pilotis – para facilitar a manutenção e permitir que a neve passe por baixo – e de simples montagem, expansão e remoção, por ser modular. “Na estação anterior, as atividades de manutenção já demandavam mais tempo e equipe do que as de pesquisa”, lembra o explorador polar.
Outro lado da moeda
A surpreendente agilidade do governo federal para reverter a situação não deixa de admirar os observadores e a comunidade científica, acostumados à ação morosa do Estado e ao pouco caso às pesquisas. Mas a pressa em concluir uma fase tão delicada quanto o projeto também assusta.
Yocie Valentin, bióloga e coordenadora-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA), ainda não sabe se essa ligeireza do governo é positiva ou negativa. “Acho que está faltando tempo para reflexão. Depois das nossas conversas com os arquitetos, eles tiveram cinco dias para alterar o projeto. Depois tivemos outros cinco – que pegaram um fim de semana – para aprovar. Será que toda essa pressa é necessária?”, pondera.
Nas reuniões, foram feitas algumas requisições determinantes para o desenvolvimento das pesquisas e a segurança dos cientistas. As mais notáveis são a quantidade de tomadas em laboratório, a instalação de um elevador de carga e o afastamento entre os quartos e a cozinha – no projeto original, um ficava acima do outro, expondo a riscos os ocupantes dos dormitórios em caso de vazamento de gás. “Muitas vezes chegamos do mar com material pesado. Fica difícil subir uma escada, principalmente, se ela estiver cheia de gelo escorregadio. O elevador de carga é fundamental”, explica Yocie.
Apesar de mais confiante que Yocie, Simões concorda que o projeto externo é só um conceito. O “recheio” é que irá mostrar se o novo complexo será ‘estado da arte’. “Queremos uma estação de excelência, funcional, realmente voltada à pesquisa e que sobreviva pelos próximos 30 a 40 anos com manutenção barata e simples”, resume.
Diante das possibilidades que se abrem, a comunidade científica está aproveitando para reestruturar seu plano de ação no continente. “Hoje temos um corpo científico que entende muito bem o ambiente antártico. Antes, muita gente nem tinha especialização na área. Agora, estamos avaliando o que o
cientista realmente quer da Antártida e como isso beneficia a sociedade brasileira”, aponta Simões.
Dois navios
Entre os outros recursos que o País possui no continente de gelo estão dois navios – um científico, o Almirante Maximiano, e outro logístico, o Ary Rangel. O “Tio Max”, como é carinhosamente chamado, foi comprado três anos atrás, da Noruega, e adaptado para pesquisa. Recentemente, recebeu novos equipamentos, como um guincho biológico, e a partir deste ano começa a ser usado exclusivamente para fins científicos. No verão de 2011/2012, a implantação do centro científico Criosfera 1 (a 84 graus Sul) e dos acampamentos ao redor dele permitiu aos cientistas brasileiros explorar o continente mais a fundo.
Simões calcula que somente 30% de toda a pesquisa antártica é feita na Estação Comandante Ferraz – o que não diminui sua importância, principalmente para a presença do país no continente. O orçamento reservado para a construção do novo complexo é de R$ 72 milhões. “Mas falta a verba para financiar as pesquisas, que é outra história”, lembra o pesquisador. Em 2012, os investimentos na região foram os menores dos últimos sete anos, de R$ 11,8 milhões, segundo o site Contas Abertas. Nesse ponto, crise e oportunidade podem se confundir novamente.