13/10/2025 - 9:43
Ao voltarem para suas casas após início do cessar-fogo na Faixa de Gaza, muitos se deparam apenas com escombros. Com dois terços do território destruídos e um futuro incerto, esperança de paz permanece frágil.A palestina Nesreen Hamad, mãe de três filhos, aguardou ansiosamente notícias do marido, que fizera a árdua viagem até o bairro de Sheikh Radwan, na Cidade de Gaza. Ela permaneceu em Deir al-Balah, no centro da Faixa de Gaza, para onde sua família havia sido deslocada.
“Meu marido foi à nossa casa em Sheikh Radwan hoje [domingo (12/10)]. Sabíamos que havia sido bombardeada, mas vê-la com os próprios olhos tornou tudo ainda mais doloroso”, disse Hamad à DW por telefone. A casa foi completamente destruída, e grande parte do bairro está irreconhecível.
O marido dela está entre as dezenas de milhares de pessoas que retornaram ao norte da Faixa de Gaza depois que Israel anunciou um cessar-fogo, ao meio-dia de sexta-feira . Desde então, vídeos mostram um fluxo constante de pessoas, muitas a pé, seguindo para o norte pela estrada costeira de Gaza.
Acordo com questões em aberto
Semana passada, após negociações indiretas e aceleradas, o grupo radical palestino Hamas, sediado em Gaza, e o governo de Israel concordaram com um plano de 20 pontos proposto pelos Estados Unidos. O acordo visa pôr fim à guerra de dois anos entre Israel e o Hamas para alcançar uma paz duradoura no Oriente Médio.
Mas muitas das questões mais controversas do ambicioso plano ainda precisam ser discutidas em detalhes. Como parte da primeira fase, o Hamas libertou nesta segunda-feira os 20 reféns vivos que permaneciam em Gaza. Em seguida, Israel começou a libertar quase 2 mil prisioneiros palestinos, entre condenados à prisão perpétua e detidos sem acusação formal. Os restos mortais dos 28 reféns israelenses que morreram em cativeiro também deverão ser entregues nos próximos dias.
A guerra começou em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas, que é considerado uma organização terrorista pelos EUA e pela UE, lançou ataques contra várias comunidades israelenses e contra participantes do festival de música eletrônica Supernova Sukkot Gathering, que acontecia perto da Faixa de Gaza. Cerca de 1.200 pessoas foram mortas nesses ataques, e 251, levadas para Gaza como reféns.
A guerra “matou tudo dentro de nós”
Embora Hamad esteja aliviada com o fim dos bombardeios israelenses, perder sua casa foi mais um golpe doloroso em dois anos de deslocamento e sobrevivência. Ela disse que sua família foi deslocada 17 vezes.
“A guerra acabou, graças a Deus, mas só depois de ter matado tudo dentro de nós. Matou amigos, parentes e vizinhos. Destruiu Gaza. Nos transformou em destroços psicológicos. Plantou doenças em nós, causadas pela falta de medicamentos, pelos deslocamentos e pela poluição”, disse Hamad. “Espero que a guerra nunca mais volte e que nunca mais tenhamos que sentir medo.”
As Nações Unidas estimam que cerca de dois terços dos edifícios de Gaza tenham sido danificados ou destruídos desde o início da guerra. O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, calcula que mais de 67 mil pessoas, a maioria civis, foram mortas durante os dois anos de guerra. Uma comissão independente do Conselho de Direitos Humanos da ONU se referiu à guerra como um genocídio, uma alegação que Israel nega veementemente.
“Israel criou inimigos por muitos anos”
O palestino Mahmoud Afif, pai de seis, estava entre os que permaneceram na Cidade de Gaza mesmo com a intensificação das operações dos militares israelenses para tomá-la e ocupá-la. Ele disse que não tinha dinheiro para o transporte ou para acomodação no sul.
“Eu estava me deslocando entre três locais diferentes no oeste da Cidade de Gaza e, graças a Deus, nenhum dos meus filhos foi morto, e eu continuo vivo”, disse ele por telefone a partir da Cidade de Gaza. Sua casa em Beit Lahiya, porém, foi arrasada.
“Perdi minha casa, aquela pela qual trabalhei incansavelmente durante toda a minha vidam, para construí-la com meus irmãos, tudo por causa do Hamas e de Israel”, disse. “Tudo o que aconteceu em Gaza nos últimos dois anos não resultou em nada. Pelo contrário, empurrou Gaza anos para trás, enquanto Israel criou inimigos por muitos anos pela frente.”
Apesar do cessar-fogo e da retirada parcial das Forças de Defesa de Israel (IDF) para uma linha dentro do território, dentro da primeira fase do acordo, os militares mantêm o controle de pelo menos 53% da Faixa de Gaza, segundo autoridades israelenses. Um porta-voz das IDF disse que muitas áreas no norte, leste e sul permanecem bloqueadas e alertou que entrar nelas implica risco à vida.
À espera de notícias do norte
A jovem palestina Faten Lubbad, de Sheikh Radwan, também ouviu de parentes que sua casa havia sido destruída. Apesar do perigo e dos seguidos deslocamentos, a família dela tentou permanecer perto de sua casa, no norte da Cidade de Gaza. Mas, em setembro, a intensificação dos ataques israelenses os forçou a fugir para Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, onde ela e sua família se refugiaram numa antiga cela de prisão.
Lubbad disse que não vê mais futuro em Gaza. “Voltar para o norte não faz sentido se perdemos nossa casa. Podemos viver lá temporariamente até que nossos passaportes sejam emitidos [e então] escapar do inferno de Gaza, primeiramente para o Egito ou qualquer outro país”, disse Lubbad. “A guerra em Gaza pode ter acabado, mas o inferno continua. Não sabemos que futuro nos espera”, acrescentou.
Dúvidas sobre a manutenção do cessar-fogo
A ansiedade continua alta em Gaza, com muitos moradores duvidando da duração do cessar-fogo. Em meados de março, Israel rompeu um acordo anterior e retomou sua ofensiva. Nos últimos dias, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alertou que Israel retornará à guerra se o Hamas não for desarmado e Gaza não for totalmente desmilitarizada.
Embora os combates tenham cessado, a dor e o trauma permanecem. Os serviços de emergência em Gaza afirmam que usarão o cessar-fogo para começar os trabalhos de recuperação de corpos. Acredita-se que milhares estejam soterrados sob os escombros de casas destruídas. Já outros foram enterrados às pressas em covas improvisadas à beira da estrada ou em quintais, já que os combates impediram funerais adequados.
Nesreen Hamad, assim como outras mães, se preocupa com o futuro. Seus filhos não recebem educação formal há dois anos, e grande parte do sistema de saúde de Gaza foi destruída. Embora o acordo mediado pelos EUA estabeleça que a ajuda deve entrar em Gaza, ainda não está clara a quantidade de assistência humanitária Israel que deixará passar.
Quem irá governar Gaza?
Há também a questão de quem irá governar Gaza. O plano proposto inclui a criação de um governo tecnocrático palestino, supervisionado por figuras internacionais, incluindo o presidente dos EUA, Donald Trump, e o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair, e sem o Hamas.
Muitos palestinos dizem que se sentem excluídos do processo de tomada de decisões. “Não quero o Hamas nem qualquer facção palestina”, disse Hamad. “Qualquer organismo internacional que possa nos governar e reconstruir Gaza seria bem-vindo.”
Esse sentimento foi ecoado por Mahmoud Afif. “Não sei quem governará Gaza, mas sei que não quero ninguém da era anterior”, disse ele, referindo-se ao Hamas, que tomou Gaza violentamente em 2007 e expulsou a Autoridade Palestina, que governa áreas da Cisjordânia ocupada.
“Espero, pelo bem dos meus filhos, que quem quer que lidere construa um futuro melhor para eles”, disse Afif.