O papa Francisco afirmou neste sábado (30/07) que os abusos cometidos contra indígenas em internatos gerenciados pela Igreja Católica no Canadá consistiram em um “genocídio”.

A fala veio após uma visita de seis dias ao país norte-americano, onde o pontífice se desculpou pessoalmente a membros de grupos indígenas, sobreviventes e familiares de vítimas dos processos de assimilação forçada dos povos nativos à sociedade cristã.

“Eu não disse a palavra [genocídio no Canadá] porque não me veio à mente, mas descrevi, sim, o genocídio. E pedi perdão por esse processo que foi um genocídio”, disse Francisco a repórteres, a bordo de seu avião na volta para Roma.

“Tirar as crianças [de suas famílias], mudar a cultura, mudar a mentalidade, mudar as tradições, mudar uma raça, digamos assim, toda uma cultura”, continuou. “Sim, genocídio é uma palavra técnica… mas o que eu descrevi foi, de fato, um genocídio.”

Do final do século 19 até a década de 1990, cerca de 150 mil crianças indígenas foram matriculadas em 139 internatos no Canadá, onde passaram meses ou anos isoladas de suas famílias, idioma e cultura. Muitas delas sofreram abuso físico e sexual por diretores e professores.

Acredita-se que milhares morreram de doenças, desnutrição ou negligência. Em maio de 2021, mais de 1.300 sepulturas não identificadas foram descobertas nos locais das antigas escolas, na Colúmbia Britânica e em Saskatchewan.

As instalações eram financiadas pelo governo e gerenciadas pela Igreja Católica.

Em 2015, a Comissão da Verdade e Reconciliação do Canadá determinou que a remoção forçada de crianças indígenas de suas famílias e sua alocação em internatos com objetivo de assimilá-las à sociedade cristã constituíram um “genocídio cultural”.

O pedido de desculpas do papa

Durante sua viagem ao Canadá nesta semana, o papa pediu desculpas pelo papel da Igreja Católica nos programas de assimilação forçada, dizendo que tais políticas “catastróficas” destruíram as culturas de povos indígenas, separaram famílias e marginalizaram gerações.

Foi um “erro desastroso” e incompatível com o Evangelho, afirmou o pontífice na última segunda-feira, acrescentando que mais investigações são necessárias.

“Com vergonha e sem ambiguidade, peço humildemente perdão pelo mal cometido por tantos cristãos contra os povos indígenas”, disse Francisco diante de centenas de sobreviventes e indígenas reunidos em um antigo internato na cidade de Maskwacis, na província de Alberta.

“Peço perdão, em particular, pela maneira como muitos membros da Igreja e de comunidades religiosas cooperaram, inclusive com sua indiferença, em projetos de destruição cultural e assimilação forçada”, completou.

Líderes indígenas presentes no encontro com Francisco aceitaram as desculpas da Igreja, muitos deles emocionados, mas disseram que seus povos esperam que o pontífice dê mais passos em direção às reparações, inclusive na responsabilização dos envolvidos nos abusos.

Francisco sugere aposentadoria

Também em seu caminho de volta a Roma, o papa descreveu a viagem ao Canadá como um teste para sua saúde debilitada, reconhecendo que não tem mais condições de viajar na mesma capacidade e que precisa pelo menos desacelerar.

O pontífice de 85 anos sofre de distensão do ligamento do joelho, que o obrigou a usar uma cadeira de rodas durante grande parte da viagem. Muitas vezes ele também recorreu à ajuda de um andador, o que limitou seus compromissos no país norte-americano.

Embora nunca tenha pensado antes em se aposentar, Francisco disse a repórteres que não há nada de errado em deixar o cargo de líder da Igreja.

“Não é estranho. Não é catastrófico. Pode-se mudar o papa”, afirmou. “Acho que na minha idade e com essas limitações, tenho que economizar [minha energia] para poder servir à Igreja, ou ao contrário, pensar na possibilidade de me afastar.”

O papa distendeu os ligamentos do joelho direito no início deste ano. O tratamento envolvendo laser e terapia magnética inviabilizou uma viagem à África prevista para a primeira semana de julho.

ek (AP, AFP, Reuters)