01/07/2012 - 16:34
Devemos ter mais cuidado e critério com o que publicamos nas redes sociais e com os sites que frequentamos.
Brasil todo assistiu ao desespero da atriz Carolina Dieckmann, que teve fotos íntimas espalhadas internet afora por hackers e demais usuários. “Carolina pode pedir indenização a quem espalhou as fotos, mas não há ação judicial que consiga efetivamente interromper o fluxo de compartilhamento delas”, diz Mariana Zanata Thibes, mestre em sociologia pela Universidade de São Paulo, especialista em sociabilidade e privacidade na rede. “A informação continuará a ser espalhada até que as pessoas percam o interesse naquilo”, ressalta a especialista. Não há defesa contra cair na web.
O episódio da atriz chama a atenção, mais uma vez, para a necessidade de regulação do espaço digital, um assunto controverso que está em debate desde 2009, quando surgiu o projeto do Marco Civil da Internet (PL no. 2126/11), definindo direitos e deveres na internet e garantindo liberdade de expressão, privacidade, neutralidade na rede e segurança. Em maio deste ano, outro projeto de lei (PL no. 2793/11) foi aprovado na Câmara dos Deputados para regulamentar e tipificar crimes na web.
As novas tecnologias de informação e de comunicação proporcionam grande facilidade para capturar, armazenar e disseminar dados. Com isso, a sociabilização tornou-se diferente da época anterior à internet. “Noto grandes indícios de que vivenciamos mudanças importantes em relação à privacidade”, afirma Mariana. Hoje, jovens e adultos se comprometem com a autoexposição, compartilhando informações, às vezes compulsivamente. Os adolescentes convivem desde cedo com a exibição da vida pessoal na internet, transformando a publicação da sua intimidade em ato natural. “Isso torna a questão da privacidade mais complexa, porque essa exposição promove um tipo de satisfação, mas ao mesmo tempo cria problemas”, explica.
Howard Rheingold, professor de Stanford e da Universidade da Califórnia em Berkeley, autor dos best-sellers The Virtual Community e Netsmart, tem insistido que os limites da privacidade são mutáveis. Por exemplo, quando a rede Facebook decidiu agregar o feed de notícias ao seu site, muita gente encarou isso como invasão de privacidade, pois as atualizações seriam publicadas para que todos vissem. Hoje o recurso já é mais aceito.
Vale lembrar que a privacidade sempre esteve ameaçada em muitos regimes totalitários. “A privacidade encontra-se numa encruzilhada em que as empresas, o Poder Judiciário, o governo e os cidadãos entram em conflito e estabelecem negociações que atualizam a noção de privacidade de um modo adaptado ao convívio com as tecnologias da informação”, analisa Mariana.
Vontade de aparecer
Até para quem não é celebridade é difícil fugir dos paparazzi. Vizinhos, amigos, ex-namorados e até desconhecidos podem publicar algo sobre nós. Às vezes o compartilhamento não tem intenção de lesar. Redes sociais, como Facebook, estimulam os usuários a compartilhar onde estão, embora nem todos desejem fornecer essa informação. Mas, se a pessoa tiver amigos com o hábito de mostrar sua localização, e eles vincularem seu nome à publicação, quem não queria ser encontrado acaba revelando onde está a toda a lista de contatos.
A primeira dica para preservar a privacidade é ser seletivo ao aceitar convites de amizade. Nem sempre quanto mais amigos nas redes sociais, melhor. Na realidade, isso só aumenta a exposição. Quem recebe o convite deve analisar quem é a pessoa. “Proteção nas redes sociais está mais ligada àquilo que você, às vezes, disponibiliza do que a uma invasão. A segurança depende mais da atitude do que de qualquer outro fator tecnológico”, explica Paulo Roberto Carvalho, diretor de negócios e outsourcing da Unisys Brasil.
É importante ter em mente também que o que se publica na internet pode permanecer para sempre. A estrutura da rede foi feita para deixar passar um grande fluxo de informação. Muitas vezes, o que se publica no calor do momento pode trazer arrependimento.
Algumas empresas já usam as redes sociais para verificar informações sobre candidatos e até mesmo para recrutá-los. “Antes de fazer oferta de contratação, posso checar o que meu candidato tem feito pelo Facebook. Às vezes pode haver até recrutamento pelas redes sociais nos casos de vagas específicas, como profissionais de marketing e de gestão de marca”, exemplifica Rogério Sepa, consultor da LHH/DBM, empresa de recrutamento, transição de carreira e desenvolvimento de talentos. Portanto, fotos na balada, flagrantes com bebidas e roupas ousadas podem contar na avaliação do candidato. Comentários racistas ou piadas também podem prejudicar a chance de emprego, além de gerar processo na Justiça.
Embora o fato de uma instituição procurar suas publicações em redes sociais possa parecer uma invasão de privacidade, é bom lembrar que as empresas também temem por sua reputação e sigilo. Às vezes um funcionário pode divulgar um dado confidencial que comprometa futuros trunfos da companhia. Essa pessoa também pode falar mal do local de trabalho e isso prejudicaria a empresa na hora de recrutar mais gente.
Amigo no Facebook
Recentemente, empregadores nos Estados Unidos exigiram de pretendentes a uma vaga o login e a senha de redes sociais e de outros serviços online para “conhecer o candidato melhor”. Uma das justificativas, pelo menos para os cargos de segurança do Departamento de Segurança Pública e Serviços Penitenciários de Maryland, foi certificar-se de que a pessoa não tinha ligação com foras da lei. Quando revelada, a prática foi condenada como uma invasão de privacidade, digna de ser levada à Justiça. “Alguns Estados americanos estão criando leis para evitar esse tipo de ação. Mas, ainda que haja proteção legal, a permanência dessas práticas também vai depender de as pessoas fornecerem seus dados sem resistência ou brigarem pelo direito à privacidade”, observa Mariana.
Outro modo de monitorar é o superior adicionar o funcionário como amigo no Facebook, passando a ter acesso a informações privadas do seu perfil. É claro que nem sempre a atitude tem propósito controlador. Há muitos casos em que superiores realmente querem participar da vida dos membros de uma equipe com um envolvimento pessoal. “Cada vez mais os vínculos pessoais e profissionais se misturam”, diz Sepa. “Do ponto de vista corporativo, dentro de uma organização, uma pessoa desconfiada pode recorrer a alguém da área de tecnologia e monitorar um funcionário, independentemente de ser amigo dele no Facebook”, justifica.
Uma boa dica para um uso criterioso das redes sociais é dividir os contatos em grupos por níveis de intimidade. Desse modo, seria possível discutir assuntos mais sérios com os colegas, descontrair com amigos e compartilhar informações confidenciais com pessoas íntimas. Nas redes sociais também dá para ponderar. Depois de uma declaração apaixonada por um time de futebol, pode-se publicar um artigo interessante relacionado ao mercado de trabalho, para equilibrar o conteúdo.
Internet personalizada
Há poucos meses o Google mudou sua política, unificando os termos de serviço. Isso permite relacionar os dados de vários sites da empresa. Assim, a empresa tem acesso a um perfil mais completo do usuário. A unificação facilita a personalização dos serviços, induzindo o resultado de uma busca a se aproximar do perfil estabeleci do, enquanto a mesma pesquisa feita por outra pessoa gera resultado diferente, mais relacionado às suas características.
A mesma tendência ocorre no Facebook, que também armazena os dados inseridos nos perfis. “As novas políticas de privacidade inserem-se em uma tendência de personalização de acesso à internet, que vem sendo explorada pelas empresas de tecnologia e de marketing, as quais percebem os lucros possíveis a partir da informação acumulada sobre os usuários”, afirma Mariana Thibes.
Embora pareça encantadora, a ideia de um serviço direcionado aos interesses individuais esconde um risco. Para o ativista da internet Eli Pariser, autor de O Filtro Invisível: o que a Internet Está Escondendo de Você (Zahar), o que gera maturidade intelectual é se deparar com pessoas com ideias diferentes. O confronto de culturas e de opinião estimula a expansão de ideias. Já o ex cesso de personalização prende o usuário em uma bolha em que ele só lerá opiniões e notícias que lhe interessem.
“Com a navegação personalizada, há menos chance de o usuário se deparar com novidades. Ela se torna redundante”, afirma Pariser. “Se o site registra suas preferências e começa a oferecer aquilo que ‘acha’ que interessa a você, de algum modo, ele está controlando seu acesso à informação”, opina Mariana.
Em uma palestra no evento Personal Democracy Forum 2010, Pariser explicou que a bolha na qual estamos inseridos é diferente de outros filtros comuns, porque há um maior nível de personalização, tornando o seu âmbito diferente do da pessoa sentada ao lado. Não é possível escolher que filtro aplicar na busca simples, e também não dá para saber o critério de surgimento de resultados. “O segredo por trás da mídia é dar às pessoas aquilo que elas querem. Esse modo de pensar pode ser ótimo para consumidores. Conseguimos mais daquilo que queremos ver e ler, o que leva as pessoas a voltar a acessar o Google ou o Facebook. Mas essa estratégia de negócio é ruim para os cidadãos, porque não nos expõe àquilo que precisaríamos ouvir!”, argumenta.
“Penso que as pessoas estão subestimando os termos da privacidade. Muitos não sabem quão intenso é o monitoramento do seu comportamento online e como o governo, assim como empresas privadas, usam essa informação”, critica Rheingold. O Google, por exemplo, tem 57 sinalizadores para coletar dados, como qual navegador se usa e a localização da pessoa. É possível que mais e mais produtos possam coletar dados sobre nós, como televisores “inteligentes” dotados de sistema de reconhecimento de voz, face, acesso à internet e a aplicativos. Não se deve esquecer que o celebrado romance 1984, do escritor britânico George Orwell, previu o advento da “teletela”, um televisor bidirecional que permite tanto ver quanto ser visto.
À medida que os aparelhos se tornam personalizáveis, é preciso debater o limite do acesso à privacidade. É oportuno questionar se a quantidade de informações que damos às tecnologias é um preço justo pela modernidade. Onde ficarão os dados inseridos? Quem terá acesso? O que será feito com eles?
Ainda não é possível saber se nossas informações pessoais poderão ser trocadas entre empresas e algumas venham no futuro, por exemplo, a nos oferecer um produto bem no momento em que estamos vulneráveis emocionalmente. “Já nos encontramos muito mais expostos em nossa vida online em comparação a antes da internet. Resta definir quais serão os limites que cercarão essa exposição e o que as pessoas estão dispostas a revelar”, diz Mariana.
Uso inteligente
Já é muito tarde para interromper a vigilância. Para tanto, o usuário teria de abdicar de usar a internet ou qualquer meio de comunicação atual. “Precisamos de leis que permitam que as pessoas possam optar por não fornecer os dados para a coleta e interfaces que facilitem o ajuste de privacidade”, recomenda Rheingold. Além disso, a educação é imprescindível.
Carvalho, da Unisys Brasil, adverte que o brasileiro se empolga com novas tecnologias. Como várias novidades costumam chegar aqui mais tarde que em outros países, cria-se maior expectativa e, com isso, surgem exageros no uso. “As pessoas usam o Facebook para dizer exatamente o que pensam, sem pensar duas vezes”, afirma Sepa. “Acho que cada vez mais a sociedade encontrará problemas. Haverá mais pessoas lesadas pelo mau uso ou pelo uso ingênuo das redes sociais. Assim, imagino que, a longo prazo, desenvolver-se-á uma maturidade crescente e um cuidado cada vez mais zeloso com aquilo que é colocado na rede.”
Para Carvalho, o futuro induzirá a um uso mais consciente de cada ferramenta tecnológica. Haverá mais consciência sobre que dados disponibilizar. Agora o grande debate é sobre o limite da privacidade nos meios online. Não deixa de ser perturbadora a ideia de um dispositivo eletrônico saber tanto sobre uma pessoa, a ponto de oferecer produtos que ela poderia gostar. Estaremos cada vez mais sujeitos a invasões de privacidade. Com os dados dos usuários de internet à mão, pode ser possível combater males como o terrorismo e a pirataria. Mas o preço disso é que todos estamos sujeitos a ser vigiados.
O limite das informações divulgadas, da liberdade de expressão e do acesso à informação depende de negociações democráticas entre cidadãos, empresas e governo. “A questão é que muitas ações que buscam evitar o fluxo livre da internet acabam cerceando a liberdade de expressão, uma das maiores virtudes da rede. Precisamos encontrar maneiras razoáveis de conviver com o lado bom e ruim da web”, conclui Mariana.