Um tapete vermelho para Putin e nenhum resultado para Kiev. A cúpula do Alasca, na qual muitos depositavam esperanças, foi um fracasso do ponto de vista de muitos ucranianos.Na madrugada de sábado (16/08), muitos ucranianos ficaram acordados aguardando com ansiedade as notícias da cúpula no Alasca entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e o líder russo, Vladimir Putin.

Para alguns, havia esperança de que as negociações pudessem levar a algum tipo de fim da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Muitos, porém, temiam que o preço disso pudesse ser concessões territoriais que Kiev seria pressionada a fazer. Mas logo ficou claro que a cúpula no Alasca não trouxe mudanças fundamentais.

Nenhum acordo, apenas fotos

“Não houve resultados concretos para a Ucrânia”, disse Oleksandr Kraiev, do think tank ucraniano Prism, à DW.

“Graças a Deus nada foi assinado e nenhuma decisão radical foi tomada”, afirmou o especialista em América do Norte. “A cúpula foi uma operação de informação extremamente bem-sucedida para a Rússia. O criminoso de guerra Putin veio aos EUA e apertou a mão do líder do mundo livre.”

Segundo Kraiev, além da “deferência de Trump em relação a Putin, não houve respostas definitivas para as questões mais importantes”. Ele acredita que Putin lidou com Trump “com precisão cirúrgica” e disse tudo o que o líder americano queria ouvir. Dessa forma, Putin conseguiu tudo o que queria da cúpula.

Na avaliação de Ivan Us, do Centro de Política Externa do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos da Ucrânia, o presidente russo nunca quis que a cúpula levasse ao fim da guerra. Em vez disso, o objetivo de Putin era legitimar-se e acabar com seu isolamento internacional.

“Para Putin, tirar uma foto junto com Trump era o objetivo desta cúpula. Mostrar na Rússia que o isolamento acabou, que não haverá novas sanções e que tudo está bem, para que haja sinais positivos para os mercados. E, para Trump, foi um momento em que ele quis demonstrar força. Ele caminhava ao lado de Putin quando um bombardeiro americano voou acima deles, o mesmo bombardeiro que recentemente atacou o Irã. Isso foi um sinal para todos não esquecerem qual é o país mais importante do mundo”, disse Us à DW.

Como que para confirmar isso, Dmitry Medvedev, presidente do Conselho de Segurança da Rússia, disse após a cúpula no Alasca que um “amplo mecanismo para reuniões” entre a Rússia e os EUA no mais alto nível havia sido restaurado.

“Importante: a reunião provou que negociações sem pré-condições e simultaneamente com a continuação da operação militar especial são possíveis. Ambos os lados atribuíram diretamente a responsabilidade pelos resultados das negociações futuras sobre Kiev e a Europa”, escreveu Medvedev nas redes sociais. O termo operação militar especial é como a Rússia se refere à sua guerra contra a Ucrânia.

Mais incerteza após a cúpula do Alasca

Ivan Us acredita que a cúpula não aproximou a Ucrânia da paz. Em vez disso, intensificou o caos, já que os EUA e a Rússia estão fazendo declarações contraditórias sobre a continuação de um possível diálogo trilateral envolvendo o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. Por exemplo, Moscou afirma que Trump e Putin não discutiram uma cúpula trilateral com Zelenski, enquanto Washington afirma o contrário.

O próprio Zelenski falou sobre ter recebido um convite para uma reunião trilateral. “Apoiamos a proposta do presidente Trump para uma reunião trilateral entre a Ucrânia, os EUA e a Rússia. A Ucrânia enfatiza: questões importantes podem ser discutidas no nível de chefes de Estado, e um formato trilateral é adequado para isso”, escreveu ele nas redes sociais após uma ligação telefônica com Donald Trump.

Zelenski também informou que se reunirá com Trump em Washington na segunda-feira.”A Ucrânia confirma mais uma vez que está pronta para trabalhar pela paz da forma mais produtiva possível. O presidente Trump me informou sobre sua reunião com o presidente russo e sobre os pontos-chave da discussão. É importante que o poder dos EUA influencie o desenvolvimento da situação”, disse o presidente ucraniano.

Moscou não altera seus objetivos

Há receio na Ucrânia de que a viagem de Zelenski a Washington possa resultar em novas pressões dos EUA sobre a Ucrânia.

“Qualquer ‘não’ da parte ucraniana poderia ser interpretado como falta de vontade de acabar com a guerra. Trump basicamente admitiu que se trata de uma ‘troca de territórios por garantias de segurança’ e confirmou que foi alcançado um acordo sobre certos pontos e falou de uma ‘chance de sucesso'”, escreveu Iryna Herashchenko, deputada ucraniana e copresidente do partido da oposição Solidariedade Europeia, nas redes sociais.

Ela acredita que tais formulações permitem que Moscou apresente isso como legitimação de suas exigências.

“Putin repetiu mais de uma vez durante a breve coletiva que as causas reais do conflito devem ser eliminadas. Isso significa que Moscou não mudará seus objetivos – porque a existência de uma Ucrânia independente é vista como a causa real”, alerta Herashchenko.

O cientista político ucraniano Vadym Denisenko, no entanto, acredita que a ideia da Rússia de “fazer negócios com os EUA em troca do território ucraniano” não funcionou. Putin conseguiu ganhar tempo, no entanto. “No Alasca, eles concordaram em negociar”, escreveu Denisenko nas redes sociais.

Mas ele argumenta que Putin “perdeu o que era mais importante: sua capacidade de manobra. Ele restringiu drasticamente seu campo de ação e, na verdade, está caindo rapidamente nos braços da China”.

Denisenko acredita que, se nenhum resultado em relação ao fim da guerra for alcançado dentro de dois meses, a questão se tornará parte das negociações sino-americanas, para o primeiro semestre de 2026.

Um tapete vermelho “sangrento”

A julgar pelas discussões entre os ucranianos comuns, o que mais os indignou foi o tapete vermelho estendido para Putin na base militar americana em Anchorage. Inúmeros comentários irritados nas redes sociais deixam poucas dúvidas sobre como isso foi percebido na Ucrânia.

“A história sempre lembra não apenas aqueles que matam, mas também aqueles que concedem honras aos assassinos. Este é um tipo especial de vergonha e cumplicidade no crime, que muitas vezes é confundido com diplomacia. Hoje, esta galeria foi ampliada com uma nova imagem, com um tapete sangrento e uma parada da guarda de honra para o arquiteto de Bucha, Mariupol, Izium, milhares de câmaras de tortura, fuzilamentos em massa e deportações”, disse Mustafa Nayyem, ex-membro do parlamento ucraniano e ex-chefe da Agência Estatal para a Reconstrução e Infraestrutura.