Não há mesmo limites para os criadores de teorias que não se sustentam na realidade, mas mesmo assim conquistam adeptos. As vacinas contra a covid-19, por exemplo, estão tão disseminadas no mundo que não dá para negar seus efeitos benéficos no controle da pandemia – mas, mesmo assim, há gente que atribui a elas efeitos malucos, como deixar as pessoas magnetizadas ou inoculadas com o vírus da aids.

O grupo dos que pensam que a Terra é plana – uma concepção que Aristóteles já demonstrava empiricamente estar errada em 330 a.C. – ganhou na primeira década deste século a companhia de gente que complicou um pouco mais o formato do nosso planeta: os defensores de que a Terra é, na verdade, uma rosquinha (donut) cósmica, com um buraco gigante em seu centro.

A concepção surgiu inicialmente no site FlatEarthSociety.org, em 2008, aparentemente como algo humorístico – o autor da postagem, autodenominado dr. Rosenpenis, escreveu: “O corpo celeste mais saboroso, nosso planeta Terra coberto de açúcar”. Quatro anos depois, no entanto, um dos pioneiros dessa sociedade terraplanista, Varaug, apresentou a ideia em detalhes. Segundo ele, “não sabemos que o buraco na Terra em forma de toro existe porque a luz se curva e segue a curvatura do toro, tornando o buraco ‘invisível’”.

Cientificamente insustentável

A teoria foi explorada satiricamente em vídeos no YouTube, mas também encontrou defensores. Um deles, que se intitula Dinosaur Neil, postou: “Estou feliz em ver outros defensores da teoria da Terra toroidal aqui. Tenho promovido isso há muito tempo, mas ninguém parece nunca me apoiar. Não consigo entender por quê”.

Mas não há como justificar cientificamente isso. Eis algumas conclusões acadêmicas sobre o que ocorreria se a Terra em formato de rosca fosse verdade:

1) Não haveria noite e dia, ou amanhecer e pôr do sol, como vemos hoje.

2) As estações do ano apresentariam fortes variações em diferentes partes do mundo por causa do ângulo de incidência da luz solar.

3) As condições de clima e de ventos seriam bem mais extremas do que o que se observa.

4) As nuvens poderiam ser até três vezes mais altas do que o registrado.

5) A gravidade seria mais fraca no interior e no exterior do anel.

6) Os moradores das regiões mais próximas do buraco central viveriam duplas estações – o inverno, por exemplo, poderia ocorrer no “hemisfério norte” da rosca também em julho, a mesma época em que ele acontece no Brasil da Terra esférica.

7) Num eclipse, a Terra “rosquinha” projetaria uma sombra parecida com esse formato, e não a sombra redonda documentada há séculos pelos habitantes deste planeta.

8) Qualquer pessoa que estivesse no anel interior poderia ver o “outro lado” da Terra apenas ao olhar para cima. Isso não aconteceria, segundo Varaug, porque o buraco é “invisível”, uma vez que “a luz segue a curvatura gaussiana”. Mas, de acordo com Tabetha Boyajian, astrofísica da Universidade Estadual da Louisiana (EUA) que dedicou algum tempo a analisar a teoria, a única circunstância em que veríamos a luz curvar-se dessa maneira seria nos corpos de maior tamanho do universo, como buracos negros gigantes.

Conspiração

Boyajian concluiu: “A única coisa que essa teoria diz é: ‘Sabe o que mais? Vou inventar uma coisa sem qualquer razão’. E não é assim que se desenvolvem teorias”.

Seria tudo bem mais simples se os cultores da Terra plana e da Terra “rosquinha” aceitassem que a Terra e outros planetas têm formato esférico, como todos aparecem nas imagens de incontáveis satélites e naves enviados pelo homem ao espaço. Mas, como eles vão lembrar, isso também faz parte da conspiração para impedir que a verdade sobre o formato real do nosso planeta chegue à massa…