09/05/2014 - 13:14
Desde sempre, o ser humano busca o elixir da juventude, corpo em forma, cabeça lúcida e reflexo ágil. Quem não quer isso para a vida toda? Hoje, já não são mais os alquimistas que misturam poções fumegantes para encontrar a fórmula milagrosa. Médicos, psicólogos e neurocientistas procuram a solução na química do próprio corpo e usam instrumentos pouco convencionais, como os videogames, para conservar ou recuperar funções mentais e físicas que tendem a ficar comprometidas com os anos.
Joguinhos que marcaram o início da era dos videogames – como o simulador de tênis de mesa Pong, da Atari, e as desafiantes sequências de sons e cores do Genius, da Estrela – serviram de inspiração à psicóloga Simone Assis para desenvolver seu trabalho de doutorado na área de gerontologia biomédica, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Lembro que minha avó adorava o Genius. Eu disputava o brinquedo com ela, quando era criança”, conta. Há cerca de três anos, sob a orientação do renomado neurobiólogo Ivan Izquierdo, Simone adaptou esses e outros jogos à plataforma Kinect, da Microsoft, para computador, em parceria com a Faculdade de Tecnologia, também da PUC-RS.
Desde então, 130 pessoas com idade entre 60 e 85 anos já participaram da pesquisa. Duas vezes por semana, durante três meses, cada grupo se exercitou nos diferentes jogos usando apenas o corpo.O Kinect funciona a partir da captura de 48 pontos do corpo por meio de sensores e microcâmeras, dispensando o uso de joystick ou de controle, como no caso do console Wii, da Nintendo – o maior concorrente do Xbox, da Microsoft. Além de se sociabilizar e se divertir jogando, os idosos exercitavam a memória operacional e funcional, a atenção e a velocidade de processamento do cérebro.
Os resultados obtidos por meio de testes psicológicos, prestes a serem publicados em veículo da comunidade científica, demonstram uma melhoria considerável na memória com números e em tarefas da vida diária, como a tomada de pequenas decisões. Pode parecer pouco, mas é a diferença traumática entre se perder na rua ou não, estando a duas quadras de casa – como já aconteceu com um dos participantes da pesquisa.
Pelo mundo afora, vários estudos científicos vêm comprovando a eficácia dos exergames (jogos que estimulam o exercício físico) e dos serious games (jogos sérios, com propósitos além do entretenimento) voltados para a área de saúde. Um dos trabalhos que ganharam mais manchetes internacionais em 2013 foi a pesquisa com o game NeuroRacer, criado pela Universidade da Califórnia. Ao praticar, por um mês, manter o carrinho na pista e reconhecer os alertas que apareciam na tela, os idosos alcançaram desempenho final melhor do que o de jovens na faixa dos 20 anos em seu primeiro contato com o jogo.
O tempo joga contra
Já em 2014, a venda de fraldas geriátricas deve superar a de fraldas infantis no Japão, segundo estimativas da consultoria Euromonitor. Em 2050, 22% da população mundial terá mais de 60 anos, somando mais de 2 bilhões de pessoas, nos cálculos do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) – em 2012, o grupo representava 11%.
O Brasil também segue esse ritmo acelerado de crescimento da terceira idade. Nos últimos 50 anos, o percentual de idosos mais que dobrou. Em 2060, esse grupo constituirá 26,7% da população nacional, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, assim como em tudo que está relacionado ao cuidado com os idosos, o país ainda engatinha no desenvolvimento de videogames que envolvam treinamento mental e físico para as gerações mais maduras.
A maior parte das iniciativas nessa área é de pesquisas em ambiente acadêmico ou hospitalar, como irão para a biblioteca da universidade e podem terminar mofando lá dentro. Não é fácil evitar esse fim, no caso de Simone. A questão é que, quando termi- terminar seu doutorado, dentro de poucos meses, os jogos irão para a biblioteca da universidade e podem terminar mofando lá dentro. Não é fácil evitar esse fim, que sugere a imagem de velhinhos deprimidos enfurnados dentro de casa sem fazer nada. Por isso, o geriatra André Junqueira Xavier vem há mais de dez anos desenvolvendo uma metodologia com idosos para uso de jogos eletrônicos e tecnologias digitais, em geral, que espera levar aos postos do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O processo como um todo se dá por meio da inclusão digital. A resistência natural do idoso ao mundo virtual acaba em duas aulas”, conta Xavier, que é coordenador da Oficina da Lembrança, da Universidade do Sul (Unisul), em Santa Catarina. Os encontros acontecem quatro vezes por semana, durante três meses, e abrangem desde digitalização de documentos, navegação na internet, jogos no computador, atividades físicas tradicionais e exercícios envolvendo Wii, Xbox, até óculos 3D. “O idoso passa a ter acesso a um mundo novo de informações, reforça sua cidadania e participação social. Isso dá motivos a ele para ter memória. É um processo de empoderamento.”
Entre os jogos preferidos dos participantes da Oficina estão o caça-palavras, o tênis no Wii, a dança no Xbox e o simulador de vida e Sims. “A realidade virtual oferece um ambiente protegido para trabalhar a psicomotricidade, o processamento cerebral e os refl exos. Mas o melhor jogo que existe é o Google”, brinca Xavier. O Google Maps, por exemplo, permite uma visita virtual à cidade natal da pessoa e se transforma numa atividade de orientação espacial.
“Meu trabalho é lúdico, mas não é lazer. O jogo pelo lazer também é legal, mas aqui usamos como ferramenta para atingir de terminada função cerebral e prevenir doenças”, destaca Xavier. Cada articipante segue um cardápio personalizado de atividades, de acordo com os pontos que precisa fortalecer ou reabilitar, seja memória de longo ou curto prazo, atenção, percepção, resolução de problemas, cálculo, orientação espacial, linguagem, vocabulário, entre tantas outras coisas.
Tempo extra
Jogos, por si só, não são a solução. É preciso acompanhamento, para o jogador em qualquer idade perceber que a habilidade que está desenvolvendo ao jogar não serve somente para melhorar seu desempenho no jogo, mas sim na vida. Essa é a opinião de Xavier e de iago Rivero, neuropsicólogo, sócio da startup Neuro Games, que constrói jogos eletrônicos baseado em neurociência. “Tem que envolver um agente transformador ou facilitador. Só uma pessoa treinada pode inserir a atividade num contexto e pontuar como o idoso pode aplicar no dia a dia o que está sendo demandando no game”, explica Rivero.
Nem todo jogo, entretanto, é recomendável para os mais maduros. Como a audição, a visão e os refl exos já não são os mesmos dos áureos tempos, quanto mais simples o visual gráfico, melhor. “Quando há muito estímulo (como os jogos de prateleira que são febre entre os gamers), pode ser prejudicial para o idoso”, analisa Simone, que chegou a fazer uma especialização em design de jogos para entender o que seria mais adequado a esse público.
“A reabilitação mental por meio de jogos eletrônicos é uma questão complexa, porque a estimulação geral do cérebro ainda é um mistério. Mas, quando se trata de marcha e equilíbrio, os resultados dos videogames são mais contundentes”, afi rma Rivero. Afi nal, a reabilitação pela fi sioterapia está baseada em repetição de movimentos. E se existe uma motivação a mais para os idosos trabalharem a repetição, como ganhar o jogo, os resultados são mais rápidos e a resposta orgânica é maior. Além disso, a tecnologia dos consoles Wii e Xbox permite uma “propriopercepção” e uma visão da postura corporal, porque funciona como um espelho, projetando o corpo do jogador dentro do jogo.
Com as evidências que vêm surgindo e os investimentos da indústria na área de “jogos sérios” para a saúde, os videogames prometem ter vida longa nos tratamentos de saúde. Se hoje os idosos ainda
apresentam alguma resistência a essas tecnologias, os futuros velhinhos já terão crescido com os jogos eletrônicos. De qualquer forma, para as gerações mais maduras sentirem na pele os benefícios desta proposta lúdica de reverter o tempo, elas terão que ousar voltar a ser criança.