12/12/2025 - 17:25
Festa, decoração, música e noivos, mas sem compromissos religiosos e dramas familiares. Simulações de casamento ganham espaço no Paquistão, especialmente entre mulheres que querem se divertir num espaço seguro.O cenário é igual ao de um autêntico casamento, com flores e tons alegres de amarelo. Parece um típico Mehndi paquistanês — parte das tradicionais festividades de casamento que duram três dias no país. Mas um olhar mais atento revela algo incomum: o “noivo” é uma mulher. E não se trata de um casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas, sim, de um “casamento falso”.
A tendência vem ganhando força no Paquistão desde 2023 e replica a estética e as festividades de um casamento real, mas sem os compromissos legais, religiosos ou a pressão familiar que normalmente definem os casamentos paquistaneses. Ou seja: é uma festa para curtir, sem as responsabilidades posteriores da vida a dois – e muito menos com a família do cônjuge.
Esse tipo de evento ganhou popularidade depois de um casamento falso organizado pela Universidade de Administração de Lahore (LUMS) em 2023, que teve considerável atenção nacional e global tantos nas mídias tradicionais quanto nas redes sociais.
Reação negativa na mídia
A cobertura de mídia, ao mesmo tempo em que provocou críticas, também acabou por aumentar a popularidade desse tipo de evento, sobretudo entre jovens e influenciadores.
Sairam H. Miran, ex-presidente do Conselho Estudantil da LUMS, disse à DW que os estudantes enfrentaram “abusos online” consideráveis depois que imagens do evento viralizaram.
“Há uma tendência de as pessoas e a mídia focarem mais na LUMS como uma universidade de elite, alheia à realidade, o que gera muito mais repercussão do que qualquer notícia positiva sobre os próprios alunos”, disse Miran.
“Assim como no resto do mundo, é possível que estudantes universitários no Paquistão se divirtam e se destaquem em suas áreas de atuação ao mesmo tempo.”
A LUMS, como muitas outras universidades paquistanesas, organiza eventos sociais semanais para os estudantes e acreditava que os casamentos falsos ofereciam um espaço mais tradicional e socialmente aceito para celebração e diversão.
No entanto, após a reação negativa, o conselho estudantil e a universidade tomaram várias precauções para garantir a segurança e a privacidade dos alunos, como não permitir que influenciadores fizessem postagens em páginas públicas.
“Houve consequências para a administração, que teve que prestar contas a doadores e pais, e para nós, estudantes, que não consentimos em nos tornar virais e enfrentamos problemas com nossas famílias também”, disse à DW uma estudante da LUMS que se formou em 2023 e preferiu não ter seu nome revelado por medo de retaliação.
“O noivo não teve problemas com sua família, mas a família da noiva ficou muito irritada”, acrescentou.
Espaço seguro para mulheres
A possibilidade de aproveitar as festividades do casamento sem os olhares atentos da sociedade ou da família é exatamente o que torna esses eventos tão atraentes — especialmente para as mulheres.
Rida Imran, fundadora do Hunar Creative Market, organizou no mês passado um casamento falso colaborativo exclusivo para mulheres. Para isso, contou com a ajuda de artesãs, artistas, criadoras de conteúdo e organizadoras de eventos.
Imran disse à DW que o Mehndi de um casamento tradicional paquistanês, geralmente o primeiro dos três dias de festividades, reúne mulheres para aplicar henna, cantar, dançar e celebrar. No entanto, a maioria das famílias ainda pressiona as mulheres a se comportar de maneira discreta nos casamentos.
“Mesmo que as celebrações de casamento sejam uma parte tão importante da nossa cultura e tradição, as mulheres ainda enfrentam muita vigilância sobre como agem, se vestem e comemoram”, explica Imran.
“Ter esse Mehndi exclusivo para mulheres deu a elas a oportunidade de aproveitar o casamento sem qualquer pressão social ou escrutínio familiar.”
Autenticidade supera modelos ocidentais
Punjrush, uma comediante e criadora de conteúdo que desempenhou o papel de “noiva”, compartilhou que, como mulher solteira, nunca imaginou vivenciar um “casamento sem drama”. Ela normalmente sente a tensão entre membros da família ou pressões para seguir normas sociais. Para ela, o evento foi como um “momento de descolonização”, já que promoções de marcas e exposições seguem um modelo ocidental, enquanto a cultura de casamento (shaadi) do Paquistão é autenticamente sul-asiática.
Além da autenticidade, a sensação de segurança que as mulheres têm nos casamentos falsos contrasta fortemente com outros eventos no país, como raves e festas, que muitas vezes são marcados por incertezas e preocupações com segurança.
Por exemplo, em outubro de 2024, a polícia invadiu uma festa de Halloween em Karachi, capital da província de Sindh. O evento havia sido amplamente divulgado pela mídia e rotulado como uma “atividade vulgar”, com muitas participantes tendo suas fotos e vídeos vazados online, violando sua privacidade.
Segundo Shifa Leghari, jornalista e comentarista social, os casamentos falsos no Paquistão oferecem um espaço muito mais seguro para as mulheres, sem atrair suspeitas das autoridades ou familiares, já que é uma forma socialmente aceitável de celebração.
“Esses eventos também costumam ser pagos ou organizados de forma controlada, com pontos de entrada monitorados e são muito apropriados culturalmente, para que as pessoas, especialmente as mulheres, possam aproveitar livremente, e os homens saibam se comportar com respeito, pois isso faz parte da cultura do casamento”, disse Leghari.
Um mercado crescente
Os casamentos falsos conquistaram um nicho considerável dentro da complexa indústria paquistanesa de casamentos. A dúvida agora é se essa tendência alimenta a indústria cada vez mais luxuosa dos casamentos ou oferece um mercado alternativo fora do mainstream.
O ecossistema de casamentos no Paquistão — incluindo locais, bufês, moda de grife, joias, fotografia e maquiadores — é estimado em pelo menos 900 bilhões de rúpias paquistanesas (3,2 bilhões de dólares) por ano.
Alguns organizadores de casamentos falsos argumentam que, em vez de seguir padrões, eles oferecem ideias, fornecedores e serviços alternativos, baseados na criatividade, e não em um “estilo copiar e colar” da maioria dos casamentos tradicionais.
Serviços de casamento mais acessíveis e inovadores estão surgindo, impulsionados pelas redes sociais e pelo marketing proporcionado pelos casamentos falsos.
Por exemplo, os organizadores de um casamento falso em Islamabad chamado “Shaam-e-Mastana” (noite festiva) estão tentando estabelecer um novo padrão para o que os casamentos, reunindo música folclórica, moda e tradição cultural.
Aqeel Muhammad, curador de eventos, comparou os casamentos falsos do Paquistão ao Met Gala anual, um desfile de roupas impressionantes no Metropolitan Museum of Art, em Nova York.
“Você é livre para expressar seu estilo e sua identidade de uma forma elevada, se feito com criatividade”, disse à DW.
