O momento político entre Estados Unidos e Rússia pode não ser dos mais amistosos, mas no campo científico os dois países ainda conversam e juntam esforços para objetivos que transcendem fronteiras. Um exemplo disso ocorreu em 27 de setembro de 2017, quando representantes russos anunciaram que seu país fará parte de um projeto liderado pelos EUA para construir um espaçoporto tripulado que poderá estar em funcionamento parcial na órbita da Lua até 2024. O acordo entre a Nasa, a agência espacial americana, e a Roscosmos, sua correspondente russa, foi anunciado na conferência anual do Congresso Internacional de Astronáutica, realizado em Adelaide, na Austrália.

A Nasa havia revelado em março do ano passado seus planos para construir na órbita lunar o que agora está sendo chamado de Deep Space Gateway (Portal do Espaço Profundo, em tradução livre). Essa estação tripulada é destinada a ampliar a tecnologia e a experiência desenvolvidas para o ônibus espacial e a Estação Espacial Internacional (EEI). O objetivo posterior é utilizar o espaçoporto como plataforma de lançamento para possíveis missões tripuladas na superfície lunar ou mesmo para expedições a Marte. O Deep Space Gateway significa uma conciliação de objetivos que antes pareciam conflitantes nas últimas administrações americanas.

O presidente George W. Bush pretendia ver um ser humano de novo na Lua até 2020, mas seu sucessor, Barack Obama, deu prioridade aos planos para chegar a Marte – além de uma missão para testar uma tecnologia capaz de recolher uma rocha da superfície de um asteroide e trazê-la para a órbita lunar. Já no governo de Donald Trump, o interesse pelos asteroides diminuiu e a ideia de voltar à Lua, inclusive usando-a como ponto de baldeação para viagens mais longas, parece ter renascido. Trump já declarou que deseja ver humanos no solo de Marte ainda durante sua presidência, algo considerado muito difícil no meio científico.

Participação destacada

A EEI, o maior projeto científico do mundo, é uma das poucas áreas de cooperação não torpedeadas pela tensão política observada entre Washington e Moscou nos últimos anos. Os EUA já trabalhavam com outros parceiros no programa do Deep Space Gateway, incluindo as agências espaciais europeia, canadense e japonesa, informou a Nasa. Até 27 de setembro, no entanto, a participação da Rússia nesse projeto estava em suspenso. Em um discurso na conferência realizada em Adelaide, o diretor-geral da Roscosmos, Igor Komarov, respondeu às dúvidas e confirmou que a Rússia será um dos principais parceiros.

A viagem a Marte deverá ser facilitada com o espaçoporto (Foto : Divulgação / Boeing)

Em um comunicado divulgado na ocasião, a Roscosmos afirma que russos e americanos cooperariam para construir os sistemas necessários destinados a organizar missões científicas na órbita lunar e na superfície da Lua. “Os parceiros pretendem desenvolver padrões técnicos internacionais que serão empregados mais tarde, em particular para criar uma estação espacial na órbita lunar”, informa a agência­ russa. “Os acordos atingiram novas perspectivas de cooperação internacional e expandiram as oportunidades de utilização das capacidades da indústria espacial russa”, disse Komarov em Adelaide. “Os primeiros módulos poderão ser colocados no espaço entre 2024 e 2026.”

Em uma declaração, a Nasa afirma que a participação da Rússia “reflete a visão comum para a exploração humana que a Nasa e a Roscosmos compartilham” no chamado espaço cislunar, expressão científica que define o espaço vazio entre a Terra e a Lua.
“Enquanto o Deep Space Gateway ainda está em fase de formulação de conceito, a Nasa tem o prazer de ver o crescente interesse internacional em se mover para o espaço cislunar como o próximo passo para o avanço da exploração espacial humana”, disse na ocasião Robert M. Lightfoot Jr., administrador em exercício da Nasa.

De acordo com a Roscosmos, a Rússia e os EUA também conversaram sobre o uso dos foguetes Proton-M e Angara, de fabricação russa, com o objetivo de ajudar a criar a infraestrutura do espaçoporto. O comunicado da agência russa informa que as principais obras deverão começar em meados da próxima década.