Se os parques públicos são como pausas que as cidades dão a si mesmas, oásis de descanso e lazer, o que dizer da existência de espaços abertos onde as pessoas se encontram para estudar e refletir sobre a condição humana e a sua evolução? Essa é exatamente a proposta dos Parques de Estudo e Reflexão, hoje espalhados pelos cinco continentes, integrantes do movimento Marcha Mundial pela Paz e a Não Violência, iniciado em Wellington, na Nova Zelândia, em 2009. A mobilização prega o desarmamento nuclear, o fim das guerras e a retirada de tropas de todos os territórios ocupados e já criou mais de 20 Parques de Reflexão – entre eles o Parque Caucaia, no município de Cotia, na Região Metropolitana de São Paulo.

 

Acima, a cúspide do parque de Caucaia, em São Paulo. Abaixo e à esquerda, o parque Red Bluff, nos Estados Unidos. Abaixo, Mario Rodrigues Cobos, falando no parque La Reja, na Argentina em 2007.

 

O projeto foi idealizado e realizado pela organização global A Escola, inspirada no humanismo universalista do argentino Mário Rodrigues Cobos (1938-2010), conhecido como Silo. Na Argentina, a Marcha Mundial pela Paz foi encerrada no Parque Punta de Vacas, na fronteira da Argentina com o Chile, em janeiro de 2010, reunindo 100 mil pessoas. “Os parques são lugares de encontro e irradiação de uma nova que rejeita toda forma de violência e discriminação e que apela à dimensão sagrada da mente humana para encontrar liberdade e sentido”, afirma Eduardo Gozalo, um dos idealizadores do Parque de Reflexão de Mikebuda, na Hungria. “Qualquer ser humano, sejam quais forem suas crenças, pode participar desse caminho afetivo e experiencial.”

 

O simbolismo das partes Construídos nos arredores de grandes cidades, com doações dos próprios membros, os parques têm entre 5 mil e 15 mil metros quadrados de área e seguem um mesmo padrão. Oferecem bosques, local para estudos, alojamento para retiro e elementos arquitetônicos carregados de significado. A “fonte de água”, por exemplo, representa alegoricamente a energia da fusão dos princípios feminino e masculino. O “monólito”, monumento de aço inoxidável, serve para refletir a época atual e fixar a coordenada do tempo em que o lugar foi fundado. Na “estela”, ou muro do reconhecimento, estão gravados os nomes de todos que contribuíram para a construção, reatualizando as antigas estelas mesopotâmicas, egípcias, sumérias e maias, que deixavam testemunhos dos eventos ou fatos significativos ocorridos no momento da sua fundação.

Na entrada, um portal em estilo oriental “marca o limite entre o mundo e a interioridade do ser humano, buscando produzir uma mudança no estado interno de quem entra no lugar”, explica Alexandre Sammogini, coordenador do Parque Caucaia. Além dos ideais filosóficos, o que se destaca nos lugares é o estímulo à transcendência, configurado na sala de meditação, totalmente branca. Seu interior simboliza o acesso a uma experiência interna mais profunda, através de um espaço semiesférico sem ícones, símbolos ou imagens. Os muros externos fazem o enquadramento de uma esfera, cuja cúspide indica a direção para o alto.

Alguns parques são desérticos ou montanhosos, como o Punta de Vacas; o Toledo, na Espanha; o Manatiales, no Chile; e o Montecillos, na Bolívia. Outros são arborizados, como o Kandharoli Ashram, na Índia; o Red Bluff, nos Estados Unidos; o Belle Idée, na França; e o Attigliano, na Itália. O primeiro parque brasileiro a integrar o projeto da escola siloísta foi aberto em 2008 em Cotia, no oeste da Grande São Paulo.

Conhecido como Parque de Estudo e Reflexão Caucaia, iniciou em 2011 atividades abertas nos finais de semana e em algumas datas específicas: em maio se comemora o Dia do Testemunho e, em outubro, o Dia Internacional da Não Violência (nascimento do líder indiano Mahatma Gandhi). São realizados também encontros de reflexão, seminários de formação baseados nos princípios do novo humanismo e oficinas de materiais (barro, cerâmica, metais, etc.).

Sem a preocupação de fazer arte, as atividades visam ao autoconhecimento e ao contato com a história da evolução humana. Na oficina de conservação, por exemplo, ritualiza-se a produção do fogo: com duas pedras especiais tenta-se acender um fogo (tarefa que pode levar meses ou anos), imaginando-se o início dos tempos. De acordo com a concepção siloísta, nas oficinas “observa-se a associação entre os estados internos e as operações externas e procura-se alcançar beleza, proporção e ordem, ao mesmo tempo em que se vai alcançando permanência”.

Em Igarassu (PE) está sendo construído outro parque, que leva o nome da cidade. Para impulsionar as obras e promover a luta contra a violência e a intolerância no Nordeste, os humanistas formaram o bloco “Fracassamos, Mas Insistimos!”, que, no Carnaval de 2011, desfilou pelas ladeiras de Olinda. O terceiro parque brasileiro ficará em Maricá, no Rio de Janeiro.

Os parques proporcionaram uma experiência intensa aos chilenos Thomás Hirsch e Rafael Edwards, coordenadores do livro Parques de Estudo e Reflexão, lançado recentemente em São Paulo. “É tanta a diversidade de experiências que se vive em cada parque que a tarefa de selecionar as fotos tornou-se quase impossível”, diz Hirsch, para quem o mais significativo foi a contribuição de 40 fotógrafos de várias nacionalidades, adeptos da proposta. “Recebemos e revisamos mais de cinco mil fotos, todas boas, todas contando uma história de homens e mulheres em busca do sentido e de um mundo melhor. O que se reflete no livro não é uma uniformidade, nem câmera única, nem tonalidades similares, mas o olhar dos próprios frequentadores dos parques.”

 

Paz, força e alegria Humanista, filósofo e conferencista, Silo nasceu em Mendoza, na Argentina, em janeiro de 1938, e morreu na mesma cidade, em 16 de setembro de 2010. Autor de A Mensagem de Silo (Ed. Escrituras, 2008) e vários outros livros, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Academia de Ciências da Rússia, em 1982. Partidos políticos como o Partido Humanista, o Partido Verde e outras organizações derivadas do humanismo universalista o reconhecem como ideólogo e inspirador.

 

Acima, o parque de Toledo, na Espanha. Abaixo o parque Los Manantiales, no Chile.

 

Em maio de 1969, Silo propôs fazer sua primeira palestra em um espaço aberto da capital argentina ou em Santiago do Chile, mas a época era de forte repressão e o Exército argentino só permitiu que ele se manifestasse ao pé de uma montanha nos Andes, local conhecido como Punta de Vacas. “Vigiado pelos militares, ele apresentou o texto A Cura do Sofrimento, sobre a violência existente no ser humano, que gera sofrimento e só tem solução através de uma mudança interna profunda”, afirma Alexandre Sammogini.

Anos depois os siloístas compraram o terreno montanhoso e construíram o parque que consideram histórico. Em 2007, Silo retornou à montanha para falar sobre reconciliação. “Reconciliar não é esquecer nem perdoar, é reconhecer tudo o que ocorreu e se propor a sair do círculo do ressentimento”, disse para 10 mil pessoas. No ano seguinte, os espanhóis reunidos no Parque Toledo, em Toledo, ouviram-no dizer: “Chegamos ao fim de um período histórico obscuro. Pouco a pouco as culturas começarão a se entender, os povos experimentarão uma ânsia crescente de progresso para todos, entendendo que o progresso de uns poucos termina no progresso para nenhum. Sim, haverá paz, e por necessidade se compreenderá que começa a se formar uma nação humana universal.”

Dois dias após sua morte, humanistas, ecologistas e amigos reunidos no obelisco da Praça da República, em Buenos Aires, renderam homenagem ao mestre: formaram seu nome com velas e pediram para “conectar- se com ele pela experiência da paz, da força e da alegria”. Essas três palavras correspondem à saudação de Silo ao final de suas principais palestras e foram adotadas por todos os seguidores.