08/04/2023 - 18:16
A data da Páscoa, quando se diz que a ressurreição de Jesus aconteceu, muda de ano para ano.
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O motivo para essa variação é que a Páscoa sempre cai no primeiro domingo após a primeira lua cheia após o equinócio da primavera.
Sou um estudioso da religião com especialização no cristianismo primitivo, e minha pesquisa mostra que essa datação da Páscoa remonta às complicadas origens desse feriado e como ele evoluiu ao longo dos séculos.
A Páscoa é bastante semelhante a outros feriados importantes, como o Natal e o Halloween, que evoluíram ao longo dos últimos 200 anos. Em todos esses feriados, elementos cristãos e não cristãos (pagãos) continuaram a se misturar.
Páscoa como um rito da primavera
A maioria dos feriados importantes tem alguma relação com a mudança das estações. Isso é especialmente óbvio no caso do Natal. O Novo Testamento não fornece informações sobre em que época do ano Jesus nasceu. Muitos estudiosos acreditam, entretanto, que a principal razão pela qual o nascimento de Jesus veio a ser celebrado em 25 de dezembro é porque essa era a data do solstício de inverno de acordo com o calendário romano.
Visto que os dias após o solstício de inverno gradualmente se tornam mais longos e menos escuros, era o simbolismo ideal para o nascimento da “luz do mundo”, conforme declarado no Evangelho de João do Novo Testamento.
Semelhante foi o caso da Páscoa, que se situa em estreita proximidade com outro ponto-chave do ano solar: o equinócio de primavera (por volta de 20 de março), quando há períodos iguais de luz e escuridão. Para aqueles que estão nas latitudes do norte, a chegada da primavera é frequentemente recebida com entusiasmo, pois significa o fim dos dias frios do inverno.
A primavera também significa a volta à vida de plantas e árvores que estiveram dormentes durante o inverno, bem como o nascimento de uma nova vida no mundo animal. Dado o simbolismo de uma nova vida e renascimento, era natural celebrar a ressurreição de Jesus nessa época do ano.
Deusa pré-cristã
A denominação da celebração como Easter em inglês parece remeter ao nome de uma deusa pré-cristã na Inglaterra, Eostre, que era celebrada no início da primavera. A única referência a essa deusa vem dos escritos do Venerável Beda, um monge britânico que viveu no final do século 7 e início do século 8. Como resumiu o estudioso de estudos religiosos Bruce Forbes:
“Beda escreveu que o mês em que os cristãos ingleses estavam celebrando a ressurreição de Jesus era chamado de Eosturmonath no inglês antigo, referindo-se a uma deusa chamada Eostre. E embora os cristãos tivessem começado a afirmar o significado cristão da celebração, eles continuaram a usar o nome da deusa para designar a estação”.
Beda foi tão influente para os cristãos posteriores que o nome pegou e, portanto, Easter continua sendo o nome pelo qual ingleses, alemães e americanos se referem ao festival da ressurreição de Jesus.
A conexão com a Páscoa judaica
É importante ressaltar que, embora o nome “Easter” seja usado no mundo de língua inglesa, muitas outras culturas se referem a ele por termos melhor traduzidos como “Páscoa” (por exemplo, Pascha em grego) – uma referência, na verdade, à festa judaica da Páscoa (Pessach).
Na Bíblia hebraica, a Páscoa é uma festa que comemora a libertação do povo judeu da escravidão no Egito, conforme narrado no Livro do Êxodo. Foi e continua a ser o festival sazonal judaico mais importante, celebrado na primeira lua cheia após o equinócio de primavera.
Na época de Jesus, a Páscoa tinha um significado especial, pois o povo judeu estava novamente sob o domínio de potências estrangeiras (a saber, os romanos). Peregrinos judeus iam a Jerusalém todos os anos na esperança de que o povo escolhido de Deus (como eles acreditavam ser) logo seria libertado mais uma vez.
Em uma Páscoa, Jesus viajou para Jerusalém com seus discípulos para celebrar o festival. Ele entrou em Jerusalém em uma procissão triunfal e criou um distúrbio no Templo de Jerusalém. Parece que ambas as ações atraíram a atenção dos romanos e, como resultado, Jesus foi executado por volta do ano 30 d.C.
Continuidade entre judaísmo e cristianismo
Alguns dos seguidores de Jesus, porém, acreditavam que o viram vivo após sua morte, experiências que deram origem à religião cristã. Como Jesus morreu durante a festa da Páscoa e seus seguidores acreditavam que ele havia ressuscitado dos mortos três dias depois, era lógico comemorar esses eventos bem próximos.
Alguns dos primeiros cristãos optaram por celebrar a ressurreição de Cristo na mesma data da Páscoa judaica, que caía por volta do dia 14 do mês de Nisan, em março ou abril. Esses cristãos eram conhecidos como quartodecimanos (o nome significa “quatorze anos”).
Ao escolherem essa data, eles colocaram o foco em quando Jesus morreu e também enfatizaram a continuidade com o judaísmo de onde o cristianismo emergiu. Alguns outros preferiram realizar o festival em um domingo, já que foi quando se acreditava que o túmulo de Jesus havia sido encontrado.
Em 325 d.C., o imperador Constantino, que era a favor do cristianismo, convocou uma reunião de líderes cristãos para resolver disputas importantes no Concílio de Niceia. A mais fatídica de suas decisões foi sobre o status de Cristo, a quem o conselho reconheceu como “totalmente humano e totalmente divino”. Esse conselho também decidiu que a Páscoa deveria ser fixada em um domingo, não no dia 14 de Nisan. Como resultado, a Páscoa agora é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia do equinócio de primavera.
Festa com a família
No início da América, o festival de Páscoa era muito mais popular entre os católicos do que entre os protestantes. Por exemplo, os puritanos da Nova Inglaterra consideravam a Páscoa e o Natal muito contaminados por influências não cristãs para serem celebrados. Esses festivais também tendiam a ser oportunidades para bebedeiras e folia.
A sorte dos dois feriados mudou no século 19, quando se tornaram ocasiões para passar com a família. Isso foi feito em parte pelo desejo de tornar a celebração desses feriados menos turbulenta.
Mas a Páscoa e o Natal também se transformaram em feriados domésticos porque a compreensão das crianças estava mudando. Antes do século 17, as crianças raramente eram o centro das atenções. Como escreve o historiador Stephen Nissenbaum,
“… As crianças foram agrupadas com outros membros das ordens inferiores em geral, especialmente servos e aprendizes – que, não por coincidência, eram geralmente eles próprios jovens.”
A partir do século 17, houve um reconhecimento cada vez maior da infância como uma época da vida que deveria ser alegre, não simplesmente como preparatória para a vida adulta. Essa “descoberta da infância” e a paixão pelas crianças tiveram efeitos profundos na forma como a Páscoa era celebrada.
O coelhinho e os ovos de Páscoa
É nesse ponto do desenvolvimento do feriado que os ovos de Páscoa e o coelhinho da Páscoa se tornam especialmente importantes. Ovos decorados faziam parte do festival de Páscoa pelo menos desde os tempos medievais, devido ao óbvio simbolismo de uma nova vida. Uma grande quantidade de folclore envolve os ovos de Páscoa e, em vários países do Leste Europeu, o processo de decorá-los é extremamente elaborado. Várias lendas da Europa Oriental descrevem ovos ficando vermelhos (uma cor favorita para ovos de Páscoa) em conexão com os eventos que envolveram a morte e ressurreição de Jesus.
No entanto, foi apenas no século 17 que a tradição alemã de uma “lebre de Páscoa” levando ovos para crianças boas veio a ser conhecida. Lebres e coelhos tinham uma longa associação com os rituais sazonais da primavera por causa de seus incríveis poderes de fertilidade.
Quando imigrantes alemães se estabeleceram na Pensilvânia (EUA) nos séculos 18 e 19, trouxeram essa tradição com eles. A lebre selvagem também foi suplantada pelo coelho, mais dócil e doméstico, em outra indicação de como o foco mudou para as crianças.
Enquanto os cristãos do hemisfério norte celebram o festival na primavera em comemoração à ressurreição de Jesus, as vistas familiares do coelhinho da Páscoa e dos ovos de Páscoa servem como um lembrete das origens muito antigas do feriado fora da tradição cristã.
* Brent Landau é professor de Estudos Religiosos no Austin College of Liberal Arts da Universidade do Texas (EUA).
** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.