05/12/2018 - 13:31
Desde 1947, o Boletim de Cientistas Atômicos – um painel de especialistas da Universidade de Chicago (EUA) que inclui 15 vencedores do Prêmio Nobel – divulga anualmente o status do Relógio do Apocalipse, cuja chegada dos ponteiros à meia-noite significaria a destruição do planeta pelas mãos humanas. Em 25 de janeiro deste ano, o grupo adiantou o relógio em meio minuto, para 23h58, devido “às crescentes ameaças de guerra nuclear e mudança climática” e à “redução do papel de liderança exercido pelos Estados Unidos”. É a pior situação registrada, igual àquela em que o relógio estava em meados dos anos 1950, quando EUA e União Soviética empilhavam armas termonucleares em seus arsenais. Ou seja: chegamos ao mesmo grau de insensatez dos tempos da Guerra Fria.
É verdade que nunca houve um dia sem guerras no mundo desde que os humanos surgiram aqui, e que conflitos continuam a destruir vidas em vários cantos do globo. Atualmente, os destaques são as guerras civis na Síria (que, desde 2011, já matou mais de 400 mil pessoas) e no Sudão do Sul (cerca de 10 mil mortos desde 2013) e contínuas ações terroristas em países como Afeganistão, Turquia, Iraque, Nigéria e República Democrática do Congo. Mas uma parcela significativa do agravamento apontado pelo Boletim de Cientistas Atômicos tem nome: Donald Trump, o atual e instável ocupante da Casa Branca. “Os Estados Unidos são liderados por um presidente em que poucos confiam”, avaliou em janeiro Joschka Fischer, ex-ministro do Exterior da Alemanha.
Por causa de Trump, o Relógio do Apocalipse já havia sido adiantado em 30 segundos no ano anterior – o Boletim de Cientistas Atômicos justificou a decisão sublinhando os comentários do governante sobre as armas nucleares, a ameaça de uma renovada corrida armamentista entre EUA e a Rússia e o desprezo da administração americana pelo consenso científico sobre a mudança climática. Para piorar o quadro, nos primeiros meses deste ano vivia-se uma escalada de ameaças entre o presidente americano e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, cada qual ameaçando aniquilar o outro com bombas nucleares.
Insultos mútuos
Desde julho de 2017, quando os norte-coreanos testaram um míssil balístico intercontinental, o mundo conviveu com uma espantosa troca de intimidações entre dois governantes imprevisíveis. Com a situação cada vez mais nebulosa, e depois de descerem ao nível das ofensas mútuas (Kim virou o “pequeno homem-foguete”, enquanto Trump foi tachado como “velho senil”), a dupla combinou uma reunião pessoal – algo que governos americanos anteriores sempre haviam evitado, pois significaria reconhecer como equivalente ao seu governante o ditador de um estado pária da comunidade internacional. A cúpula, realizada em Singapura em junho, aparentemente foi um triunfo para Kim – em troca de um vago acordo de paz, ele conseguiu que os EUA e a Coreia do Sul suspendessem seus exercícios militares conjuntos, considerados “provocação” pelos norte-coreanos, e não especificou nenhum cronograma específico de desarmamento nuclear.
O encontro baixou por algum tempo a temperatura entre EUA e Coreia do Norte, mas serve como exemplo da instabilidade gerada por Trump no tabuleiro mundial. Para manter a pressão sobre os norte-coreanos, por exemplo, o governo dos EUA depende da boa vontade da China, com quem Pyongyang mantém mais de 90% do seu comércio. O ideal seria americanos e chineses viverem uma relação amistosa, mas a situação se complicou. Acusando o gigante asiático de obter um imenso superávit no comércio bilateral e de supostos “roubos” de propriedade intelectual, o governo Trump iniciou no primeiro semestre uma guerra comercial com os chineses de consequências ainda imprevisíveis.
Sonhos de grandeza
Trump já é praticamente um ícone de iniciativas contrárias à paz (veja quadro ao lado), mas não está sozinho nessa lista. Um dos companheiros é o presidente russo Vladimir Putin, que não oculta a vontade de ver seu país como uma superpotência comparável à dos tempos da antiga União Soviética. Nesse embalo, os russos assumiram um papel proeminente na guerra civil da Síria e no conflito entre ucranianos e russos étnicos no leste da Ucrânia (que, inclusive, derivou para a anexação da península da Crimeia, em 2014. A Rússia também participa – associada a posições nacionalistas, populistas e de ameaça à democracia – em eleições no Ocidente via redes sociais. Sua influência foi notória, por exemplo, na escolha do próprio Trump nos EUA e na vitória do Brexit, em 2016.
Às turbulências internacionais em relação à paz somam-se os problemas internos de cada país. A América do Sul registrou em 2017 a segunda maior taxa de homicídios entre as regiões do globo, ficando atrás apenas da América Central e do Caribe. Por seu lado, o Brasil ocupa o 106o lugar entre 163 países no Índice Global da Paz de 2018, organizado pela ONG australiana Instituto para Economia e Paz (IEP), em virtude de fatores como criminalidade e corrupção.
Com tanta violência e desalento espalhados pelo globo, é possível pensar em paz neste momento? Não só se pode, como se deve pensar sempre em paz, indicam estudos científicos. A ideia inicial para a realização desses trabalhos surgiu com uma afirmação do guru indiano Maharishi Mahesh Yogi, criador da meditação transcendental. Maharishi declarou nos anos 1960 que se 1% da população mundial praticasse sua forma de meditação, as guerras desapareceriam da face da Terra.
As condições para testar essa afirmação surgiram por volta de 1974, quando mais de 250 mil norte-americanos já praticavam a meditação transcendental e, em muitas pequenas cidades do país, o número desses adeptos atingia 1% da população local. Os estudos começaram então, em quatro cidades com meditadores, focando em índices como estatísticas de crimes, taxas de acidentes e admissões em hospitais, comparados a seguir com os de outras quatro cidades que serviram como controle. Enquanto as taxas de crimes caíram nas cidades com meditadores, subiram nos demais núcleos urbanos.
Redução confirmada
O estudo foi então ampliado para 11 cidades com 1% de meditadores e 11 cidades-controle. As primeiras tiveram taxas de crime 16,6% menores do que as últimas. Nova ampliação, com 48 cidades de cada lado, mostrou resultados semelhantes, abordados no estudo “The Transcendental Meditation Program and Crime Rate Change in a Sample of Forty-Eight Cities”, publicado na revista “Journal of Crime and Justice” (Vol. IV, 1981). Os números obtidos foram considerados a evidência de um “Efeito Maharishi” sobre a violência.
A partir daí, a pesquisa se diversificou. Um dos estudos mais famosos que se seguiram foi realizado em 1983, durante a escalada na guerra entre Líbano e Israel. Um grupo de centenas de praticantes de meditação transcendental reuniu-se em Jerusalém para meditar pela paz mundial, com resultados surpreendentes, segundo o físico John Hagelin, presidente da Universidade Central Maharishi, em Fairfield (EUA). “Descobrimos que nos dias em que o grupo de meditadores teve o máximo de participantes (e também no dia seguinte a eles), os níveis de conflito tiveram redução de cerca de 80%”, afirmou Hagelin numa palestra realizada em 2007 no Instituto de Ciências Noéticas, na Califórnia. “Isso se tornou um efeito estatisticamente significativo e surpreendente, porque havia apenas entre 600 e 800 pessoas meditando no meio desse conflito inteiro e da altamente estressada população circundante.”
Os números não foram favoráveis somente nos campos de combate: os índices de crimes, colisões de trânsito, incêndios e outras ocorrências associadas a destruição também caíram durante os períodos de meditação do grupo. Na sua conclusão, Hagelin afirmou: “Existem muito mais evidências de que a meditação em grupo pode desativar a guerra como um interruptor de luz do que a aspirina diminui as dores de cabeça. É um fato científico.”
Estudos ampliados
Em sua edição de dezembro de 1988, o “Journal of Conflict Resolution”, da Universidade Yale (EUA), publicou esses resultados e uma carta na qual convocava outras instituições e grupos a replicar o estudo. Nos 821 dias seguintes sete experimentos foram conduzidos, com grupos baseados em Israel, no próprio Líbano e em países do Oriente Médio, da Europa e de outras partes do mundo. Mais uma vez, os resultados chamaram a atenção: quedas de 71% no número de mortos na guerra, de 68% nos casos de feridos e de 48% no nível geral de conflito, enquanto a cooperação entre os antagonistas aumentou em 66%. E com o aumento no número de experiências, concluiu-se que, para chegar a um efeito semelhante ao já obtido, não era preciso reunir 1% da população; um estudo de 1993 realizado em Washington, a capital americana, apresentou resultados positivos com a participação de apenas 0,17% dos habitantes locais.
Maharishi defendia a prática de sua forma de meditar para se obterem esses resultados, mas isso não parece ser necessário. O fundamental é harmonizar-se consigo mesmo e vibrar paz. E, como as pesquisas na área comprovaram, uma fração de pessoas vibrando organizadamente paz pode espalhá-la pelo mundo. É como explica Jon Kabat-Zinn – professor de medicina da Universidade de Massachusetts (EUA) e popularizador da meditação budista mindfulness (da atenção plena) no Ocidente – em seu livro “Aonde Quer que Eu Vá” (Editora Sinais de Fogo): “Sendo um todo e simultaneamente parte de um todo maior, podemos mudar o mundo simplesmente mudando a nós mesmos. Se me torno um centro de amor e bondade neste momento, então, possivelmente de uma forma pequena e insignificante, o mundo tem agora um núcleo de amor e bondade que faltava no momento anterior.” Não custa nada tentar, certo?