27/11/2025 - 11:38
Um misterioso pé fossilizado descoberto na Etiópia levanta a hipótese da existência de um ancestral humano até agora pouco conhecido, contemporâneo da espécie da famosa Lucy.
Até o momento, a espécie de Lucy, Australopithecus afarensis, era considerada o único ancestral do ser humano que havia vivido nesta região há mais de três milhões de anos.
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No entanto, este achado de 2009, em Burtele, no nordeste da Etiópia, pode, inclusive, colocar em dúvida o status de Lucy como ancestral direto do Homo sapiens, segundo um estudo científico publicado na quarta-feira na revista Nature.
O pé encontrado não pertence à espécie de Lucy, pois possui um dedo opositor, semelhante a um polegar, que permite agarrar-se aos galhos das árvores, como os macacos.

Os cientistas que descobriram os ossos desta extremidade deduziram, em 2015, a existência de uma espécie até então desconhecida de hominídeo, o Australopithecus deyiremeda, com base em mandíbulas de aproximadamente 3,4 milhões de anos também encontradas em Burtele.
Até o momento, a equipe não pôde afirmar com certeza que os ossos deste “pé de Burtele” pertenciam a esta nova espécie.
No entanto, neste estudo publicado pela Nature, os cientistas anunciaram que novos fósseis, entre eles uma mandíbula com 12 dentes encontrada no local, mostram que o pé era de um Australopithecus deyiremeda.
“Não temos nenhuma dúvida de que o pé de Burtele pertence à mesma espécie que estes dentes e esta mandíbula”, explica à AFP o principal autor do estudo, Yohannes Haile-Selassie, da Universidade do Arizona.
Ancestral do Homo sapiens?
Os pesquisadores descobriram novos indícios de um vínculo entre esta espécie e os Homo sapiens.
Uma imagem dos dentes descobertos sugere que o Australopithecus deyiremeda era mais primitivo que Lucy, segundo o estudo. Sua dieta era composta principalmente de folhas, frutas e nozes provenientes das árvores.
Seu dedão do pé, com capacidade de se agarrar, também sugere que esse parente do Homo sapiens passava mais tempo nas árvores.
Estes dedos tiveram um papel importante na evolução humana, já que indicam que abandonou as árvores e começou a caminhar com as duas pernas.
A possível coexistência entre o Australopithecus deyiremeda e a espécie de Lucy continua sendo um tema de debate entre os cientistas.
As novas pesquisas sugerem que a espécie Australopithecus deyiremeda passava seu tempo na mata, frequentemente nas árvores, enquanto os Australopithecus afarensis, como Lucy, ficavam mais no solo, uma diferença que lhes permitiu coexistir, segundo os pesquisadores.
Isso demonstra que “a coexistência está profundamente enraizada em nossa ascendência”, afirma Haile-Selassie.
Em busca das raízes
John McNabb, arqueólogo especialista em Paleolítico da Universidade de Southampton, elogiou estas novas investigações.
“Sempre haverá céticos, mas acredito que essas novas descobertas, juntamente com a validação das anteriores, ajudarão muitos pesquisadores a aceitar melhor o Australopithecus deyiremeda”, afirma o cientista, que não participou do estudo da Nature.
Isso “acrescenta um novo elemento à equação” na busca da identidade de nosso verdadeiro ancestral, afirma.
A espécie de Lucy segue sendo o ancestral mais importante, devido ao seu pé ser mais próximo do humano, em comparação com o Australopithecus deyiremeda, afirmam os cientistas.
No entanto, essa descoberta “abre a possibilidade de que ainda possamos encontrar outras espécies que datam deste período, já que parece que os australopitecos estavam ensaiando serem bípedes”, insiste Haile-Selassie.
Durante muito tempo, Lucy, encontrada em 1974, foi considerada a ancestral mais antiga dos humanos já encontrada, mas foi destronada em 1994 por Ardi, uma fêmea de Ardipithecus ramidus que viveu há 4,5 milhões de anos também na atual Etiópia.
