Novas pesquisas sobre populações antigas que residiam no Planalto do Tibete descobriram que a pecuária leiteira estava sendo praticada muito antes do que se pensava e pode ter sido a chave para o assentamento de longo prazo do ambiente extremo da região.

Uma equipe internacional se propôs a entender como as populações pré-históricas se adaptaram às vastas e pobres terras altas do planalto tibetano. Seu estudo, publicado na revista Science Advances, revelou que a pecuária leiteira começou no planalto há cerca de 3.500 anos.

A equipe de pesquisa foi liderada pela doutoranda Li Tang com a professora Nicole Boivin, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (Alemanha), o professor Shargan Wangdue, do Instituto de Conservação de Relíquias Culturais Tibetanas, e o professor Hongliang Lu, do Centro de Ciências Arqueológicas da Universidade de Sichuan (as duas últimas instituições na China). O professor Michael Petraglia, diretor do Centro Australiano de Pesquisa para Evolução Humana da Universidade Griffith, também fez parte do grupo.

Adaptação crítica

Os cientistas descobriram que a produção leiteira foi uma adaptação cultural crítica que apoiou a expansão dos primeiros pastores nas vastas terras altas não aráveis ​​da região, abrindo o Planalto do Tibete para a ocupação humana generalizada e de longo prazo.

“Os ambientes extremos do planalto tibetano – um dos maiores e mais altos do mundo e comumente referido como o ‘terceiro polo’ – oferecem desafios significativos para a sobrevivência humana e exigiram novas adaptações”, disse o professor Petraglia.

O papel das adaptações biológicas e agrícolas que permitiram a colonização humana precoce do planalto tem sido amplamente discutido.

“Isso incluiu adaptações genéticas que permitiram aos tibetanos usar quantidades menores de oxigênio com mais eficiência”, disse Li Tang. “Mas a contribuição da atividade pastoril para a colonização do Tibete é menos bem compreendida, especialmente a pecuária leiteira que historicamente tem sido central para as dietas tibetanas.”

Informações no tártaro do dente

Os pesquisadores usaram técnicas paleoproteômicas para analisar as antigas proteínas do leite preservadas no cálculo dental de 40 indivíduos humanos de 15 locais ecologicamente diversos no Tibete e no oeste da região chinesa de Qinghai.

O cálculo dental, ou tártaro, fornece uma fonte direta de informações dietéticas antigas sobre humanos individuais porque as proteínas alimentares e outras substâncias ficam presas na matriz calcificada durante sua formação. Essa matriz pode ajudar a evitar processos de decomposição, apoiando a preservação em longo prazo de biomoléculas antigas de certos alimentos como o leite.

A investigação das sequências de aminoácidos de algumas proteínas do leite revelou que esses humanos antigos obtinham seus recursos lácteos de ovelhas, cabras e possivelmente bovinos e iaques.

Os padrões de recuperação da proteína do leite destacaram para os pesquisadores a importância do leite e seus derivados para indivíduos que viviam em regiões agrícolas pobres acima de 3.700 metros acima do nível do mar.

Alimento suficiente para sobreviver

“Pesquisas anteriores sugeriram que o cultivo baseado em cevada tolerante ao gelo foi uma das estratégias adaptativas críticas que permitiram uma habitação mais sustentada do planalto tibetano, facilitando sua ocupação permanente por volta de 3.600 anos atrás”, disse a professora Boivin. “Mas essa descoberta reflete dados coletados apenas em regiões agricultáveis ​​do planalto situadas abaixo de 3.500 metros acima do nível do mar. (…) Nossas descobertas indicam que a produção de leite foi introduzida no interior do planalto tibetano há pelo menos 3.500 anos, mais de 2 mil anos antes do registrado em fontes históricas.”

Esse momento coincide com os primeiros ossos de ruminantes domesticados identificados arqueologicamente no planalto interior, indicando que a produção leiteira provavelmente foi adotada assim que o pastoreio se espalhou para essa região.

“Entender como as populações antigas obtinham comida suficiente para sobreviver nessas terras altas agrícolas marginais é a chave para entender o desenvolvimento econômico e demográfico de longo prazo, bem como o uso da terra do planalto tibetano”, disse Li Tang.