Uma equipe de biólogos liderada por Craig Albertson e pela aluna de doutorado Chaise Gilbert, ambos da Universidade de Massachusetts Amherst, apresentou em estudo sua comparação entre coleções de museus de peixes ciclídeos (peixes de água doce como o acará) coletados antes do fechamento da barragem da usina de Tucuruí, no rio Tocantins (PA), em 1984, e espécimes contemporâneos retirados do reservatório por pescadores 34 anos depois. O trabalho foi publicado na revista “Evolutionary Application”.

Albertson e Gilbert trabalharam ao lado de Alberto Akama, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e de Cristina Cox Fernandes, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade de Massachusetts Amherst. A equipe testou a ideia de que se poderia esperar que esses peixes apresentassem mudanças na forma do corpo como consequência de mudanças no habitat e da busca de alimento depois que a represa mudou rapidamente as condições ambientais de um rio claro e fluente para um reservatório turvo e profundo.

“As corredeiras e riachos outrora históricos que caracterizavam o sistema desapareceram da área circundante. Isso, por sua vez, afetou a abundância e a variedade de fontes de alimento disponíveis para os peixes nativos”, eles escreveram no estudo.

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Mudar para adaptar-se

Os peixes ciclídeos são conhecidos no mundo científico por sua capacidade de alterar, em apenas uma única estação, aspectos da forma do corpo para corresponder às condições de alimentação e outras mudanças no ambiente, diz Albertson. O esqueleto é especialmente sensível a essas alterações ambientais. Estudar os peixes ciclídeos oferece vislumbres sobre como os organismos, em geral, podem se adaptar às principais mudanças ambientais induzidas pelo homem.

Usando morfometria geométrica, os pesquisadores avaliaram mudanças em seis espécies nativas – de grandes espécies que se alimentam de peixes a pequenos onívoros oportunistas – em cinco gêneros que representam variedades locais distintas, cujas formas corporais refletem seus papéis ecológicos. Para isso, eles usaram muitos espécimes de inventários de peixes coletados antes do fechamento da barragem, em 1980-1982, agora armazenados na coleção de peixes do Inpa, além de espécimes de levantamentos de rios ainda anteriores guardados agora no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

Albertson, autor correspondente do estudo, explica: “Nossa hipótese geral é que o represamento do Tocantins e a subsequente formação do reservatório de Tucuruí induziram mudanças no hábitat e no comportamento de forrageamento e que a anatomia das populações de ciclídeos residentes mudou de forma que lhes permite se adaptar a essas novas condições do ambiente. Este estudo representa um primeiro passo para avaliar tal hipótese”.

Surpresa

Gilbert acrescenta: “Foi algo surpreendente? Sim! Embora esperássemos ver mudanças nas espécies generalistas – aquelas já predispostas a viver em uma variedade de habitats –, ficamos surpresos ao ver mudanças de forma nas especialistas também. Evoluir para se especializar em um determinado tipo de presa ou habitat pode fornecer uma vantagem competitiva no curto prazo. Mas também pode ser um beco sem saída evolutivo em face de grandes mudanças ambientais.”

Essas espécies especialistas não apenas ainda são encontradas na área, mas parecem ser tão capazes de mudar a forma do corpo quanto as generalistas, relatam os autores.

Albertson observa ainda que as mudanças em todas as espécies “tendem a estar associadas a aspectos funcionalmente relevantes da anatomia, incluindo cabeça, nadadeira e formato do corpo”. Eles descobriram que as regiões do corpo que mudaram com o tempo são exatamente aquelas com maior probabilidade de permitir a sobrevivência em seu novo ambiente, acrescenta.