Os peixes barrigudinhos (Pœcilia reticulata) da ilha caribenha de Trinidad se comportam como toureiros, concentrando-se no ponto de ataque de um predador antes de se esquivar no último momento, mostram novas pesquisas. Esses peixes minúsculos (entre 10 e 40 milímetros de comprimento) chamam a atenção por tornarem suas íris pretas, o que faz seus olhos ficarem muito visíveis. Isso encoraja os jacundás (peixes maiores que são o principal predador dos barrigudinhos) – a atacá-los na cabeça, e não no corpo.

O estudo internacional, liderado pela Universidade de Exeter (Reino Unido) e publicado na revista “Current Biology”, revelou que os barrigudinhos usam seus rápidos reflexos para desviar a cabeça, fazendo com que os predadores errem o bote, antes de fugir.

Muitos peixes, incluindo os barrigudinhos, costumam abordar seus predadores para descobrir se estão com fome e, portanto, se constituem uma ameaça naquele momento.

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“Percebemos que os barrigudinhos se aproximavam de um ciclídeo [família de peixes à qual pertence o jacundá] em ângulo, escurecendo rapidamente os olhos para um tom azeviche e esperando para ver se ele atacaria”, disse Robert Heathcote, principal autor do estudo. Heathcote realizou o trabalho experimental em Exeter e trabalha agora na Universidade de Bristol (Reino Unido).

Olhos chamativos

“Os ciclídeos são predadores de emboscadas, aguardando como uma mola enrolada antes de se lançarem sobre suas presas”, prosseguiu Heathcote. “Os barrigudinhos realmente usam seus olhos para chamar a atenção dos predadores, fazendo com que eles invistam na sua cabeça e não em seu corpo. Embora pareça completamente contraintuitivo fazer um predador atacar sua cabeça, essa estratégia funciona incrivelmente bem porque os barrigudinhos esperam até que o predador se envolva no ataque antes de virar-se e fugir.”

“A velocidade de toda a interação é extraordinária – cerca de três centésimos de segundo”, afirmou ele. “Portanto, só era observável usando-se uma câmera de alta velocidade.”

Jacundá, o “touro” do barrigudinho. Crédito: Clinton & Charles Robertson/Flickr

Sabe-se que muitos animais usam cores chamativas com objetivos como comunicar-se, atrair parceiros, surpreender predadores e propagandear sua toxicidade. O estudo demonstra uma estratégia de evasão anteriormente desconhecida. Segundo os pesquisadores,ela  também pode ser usada por outras espécies.

“Não sabemos ao certo, mas parece altamente provável que outros animais também usem uma estratégia de ‘toureiro’ como a que identificamos nos barrigudinhos”, disse o professor Darren Croft, da Universidade de Exeter.

“Os olhos são uma das estruturas mais facilmente reconhecidas no mundo natural e muitas espécies se esforçam para ocultar e camuflar seus olhos para evitar a atenção indesejada de predadores”, prosseguiu Croft. “Algumas espécies, no entanto, têm olhos chamativos ou proeminentes e, na maioria das vezes, o porquê disso permaneceu um mistério. Nossa pesquisa mais recente fornece uma nova visão sobre por que os olhos ‘conspícuos’ [claramente visíveis] e coloridos evoluíram.”

Etapas planejadas

O estudo foi realizado em várias etapas:

1) Os barrigudinhos foram observados aproximando-se dos jacundás, muitas vezes deixando suas íris pretas;

2) A estratégia de ataque dos lúcios foi testada colocando-os em tanques com barrigudinhos robóticos realistas. Quando os barrigudinhos robóticos tinham olhos negros, os jacundás tendiam a atacar mais a cabeça do que o centro do corpo.

3) Ao colocarem barrigudinhos e jacundás em um tanque (com uma tela transparente para evitar que os barrigudinhos fossem comidos) e filmá-los com câmeras de alta velocidade, os pesquisadores observaram as taxas de sucesso dos ataques dos predadores. Os barrigudinhos que escureceram os olhos tiveram 38% mais sucesso em escapar do que aqueles que mantiveram a coloração normal dos olhos.

4) As descobertas foram então confirmadas usando-se imagens de um estudo anterior em que jacundás foram filmados caçando barrigudinhos reais.

“Este projeto apresentou uma maravilhosa variedade de desafios tecnológicos, incluindo a criação de barrigudinhos robóticos compatíveis com a visão colorida de jacundás e o rastreamento em alta velocidade dos barrigudinhos quando eles escapavam”, disse o dr. Jolyon Troscianko, da Universidade de Exeter. “Esses avanços nos permitiram descobrir se um ataque teria sido bem-sucedido sem a necessidade de realizar experimentos de vida ou morte com peixes.”

Descoberta surpreendente

Uma descoberta surpreendente foi que os barrigudinhos maiores se saíram melhor em escapar usando esse método do que os menores.

“À medida que ficam maiores, os animais geralmente se tornam menos ágeis. Se presas maiores não têm armas ou outras formas de se defender, isso pode resultar em mais facilidade para os predadores capturarem”, disse Heathcote. “Ao escurecerem os olhos, os barrigudinhos maiores realmente invertem esse fenômeno. Barrigudinhos maiores com olhos negros são melhores para evadir-se e escapar de ataques de predadores. Como os animais maiores produzem mais proles ou descendentes maiores, seria realmente emocionante descobrir se os animais que usam esse tipo de estratégia evoluíram para se tornar maiores.”

O professor Indar Ramnarine, da Universidade das Índias Ocidentais, campus de St Augustine, disse: “Descobrimos esse comportamento específico em barrigudinhos há vários anos e nos perguntamos qual seria o significado disso. Agora sabemos”.

Pesquisas anteriores mostraram que os barrigudinhos também escurecem os olhos para mostrar agressividade um contra o outro.

O dr. Safi K. Darden, da Universidade de Exeter, afirmou: “Sabíamos que a mudança da cor da íris estava de alguma forma envolvida nas interações com outros barrigudinhos, mas quando vimos que os barrigudinhos que realizavam inspeções de predadores também estavam mudando a cor de suas íris, achamos que algo realmente interessante deve estar acontecendo”.

Barrigudinho fêmea com íris negras: forma de enganar os predadores. Crédito: Jolyon Troscianko