Sem fiéis e pressionados por altos custos de manutenção, templos abrem suas portas a atividades incomuns: prática de esportes, eventos culturais e até mesmo baladas – tudo secular.Há anos a perda de fiéis aflige as igrejas na Alemanha – tanto a católica quanto as de linha protestante, que estão cada vez mais vazias. Não raro, a cena se repete também em templos centenários, cuja manutenção custa caro.

“Já não precisamos mais de metade das igrejas, e temos que encontrar outras possibilidades”, admite a Igreja Evangélica na Alemanha Central (EKM), entidade responsável pelos estados da Saxônia-Anhalt e Turíngia e partes da Saxônia e de Brandemburgo.

“No futuro, de cada dez igrejas, quatro ou cinco não serão mais usadas somente como espaço de culto”, afirmou a professora e pesquisadora Stefanie Lieb, do Instituto de História da Arte da Universidade de Colônia, à emissora alemã WDR.

Algumas entidades, como a EKM, anunciam esses edifícios em portais imobiliários, mas vendê-los não é tarefa simples: muitos estão sujeitos a rígidas regras de proteção do patrimônio, e por isso não podem ser demolidos ou excessivamente modificados; outros estão em más condições.

Em alguns casos, a solução para enxugar gastos é unir forças, trazendo católicos e protestantes para rezar debaixo de um mesmo teto, como já acontece em 51 templos na região de Oberpfalz, no sudeste alemão, por exemplo. Outra solução é repassar o uso do espaço para outras comunidades religiosas, como cristãos ortodoxos.

Em outros casos, contudo, as igrejas podem abrir suas portas a outras atividades totalmente seculares e estranhas à sua função original: gastronomia, prática de esportes radicais, eventos empresariais, exposições e até mesmo baladas.

Como igrejas vazias estão sendo reaproveitadas na Alemanha

Na pequena cidade de Bad Orb, próximo de Frankfurt, uma igreja católica fechada desde 2016 foi convertida em centro de escalada para crianças e jovens e rebatizado como “Boulder Church” (Igreja do Boulder).

“O padre foi um dos primeiros a subir pelas paredes”, diverte-se o empresário Marc Ihl, que investiu cerca de 500 mil euros no negócio, em entrevista ao Tagesschau.

A ideia de Ihl não é exatamente nova: em 2009, a Alemanha ganhou sua primeira “igreja para escaladores”, em Mönchengladbach, com uma rota de até 13 metros de altura. Gelsenkirchen também fez algo parecido.

Em Limburg, no estado de Hessen, um empresário transformou uma igreja, a “Kapelle auf dem Schafsberg”, em restaurante e espaço para eventos. Destino semelhante teve a antiga Igreja Martini de Bielefeld, na Renânia do Norte-Vestfália. Em Berlim, uma atração famosa é o café Pandoras, na igreja protestante Heilig-Kreuz, no bairro de Kreuzberg.

A moderninha Heilig-Kreuz, inclusive, é famosa por sediar eventos culturais, como exposições, concertos e espetáculos de dança e teatro e até mesmo noites de DJ. Outra igreja no mesmo bairro, a St. Thomas, já abrigou até rave.

Iniciativas do tipo também ocorreram em outras cidades europeias. Um caso famoso é o da igreja de Santa Bárbara em Llanera, na Espanha, convertida no Kaos Temple, um espaço para skatistas.

Igrejas cristãs em crise

O número de pessoas que se declaram oficialmente como católicas ou protestantes vem caindo há anos na Alemanha, o que significa uma menor base de contribuintes para lidar com despesas administrativas cada vez maiores.

Em média, os custos de manutenção de uma igreja na Alemanha giram em torno de 26,5 mil euros por ano, sem contar com eventuais reformas, segundo dados citados pelo portal alemão Tagesschau. Consideradas as cerca de 47 mil igrejas que existem no país, a conta gira em torno de 1,2 bilhão de euros anuais.

Atualmente, a Igreja Católica reúne um total de 19,7 milhões de fiéis na Alemanha – 23,7% da população. Já a Igreja Protestante contabiliza cerca de 18 milhões de adeptos (21,5%). No início dos anos 1990, as duas somavam 57 milhões de fiéis; até 2060, esse número pode cair para 23 milhões, segundo projeções.

Filiação religiosa é questão tributária na Alemanha

Na Alemanha, a filiação religiosa é medida pelas declarações oficiais de pertencimento, usadas no recolhimento de impostos às denominações religiosas.

Funciona assim: toda pessoa que reside na Alemanha tem que se registrar junto a um órgão da Prefeitura. Se declarar no ato do registro que segue uma religião, ela terá parte de sua renda automaticamente recolhida em impostos destinados à manutenção de denominações oficialmente registradas e reconhecidas junto ao Estado.

As igrejas Católica e Evangélica recolhem valores que variam entre 8% e 9% da renda da pessoa física, descontado o teto de isenção fiscal. Algumas religiões, porém, prescindem desse imposto – é o caso do Islã e da Igreja Ortodoxa.

ra (ots)