16/10/2025 - 16:28
Experimentos em laboratório na Alemanha mostram que anticorpo naturalmente produzido pelo organismo pode prevenir infecções e neutralizar o vírus. Testes são promissores, mas ainda levará tempo para provar viabilidade.A epidemia da aids é considerada uma das piores da história da humanidade. Em todo o mundo, 44 milhões de pessoas morreram desde que o vírus HIV foi detectado pela primeira vez, em 1981 – embora tenha sido oficialmente descoberto em 1983.
O número de mortes relacionadas à infecção tem diminuído constantemente ao longo dos anos, graças a campanhas de conscientização, educação e prevenção. Segundo o Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), 2004 foi o pico de fatalidades relacionadas à doença, com 2,1 milhões de mortes. Em 2024, foram 630 mil.
A descoberta recente de um anticorpo contra o HIV pelo Hospital Universitário de Colônia, na Alemanha, aumentou as esperanças de que outra arma na luta contra o vírus possa estar surgindo.
Mais de 800 anticorpos testados contra o HIV
A equipe de pesquisa, liderada por Florian Klein, diretor do Instituto de Virologia de Colônia, examinou amostras de sangue de 32 pessoas. Todas elas estavam infectadas com o HIV, mas desenvolveram uma resposta de anticorpos particularmente forte e amplamente eficaz contra o vírus, por conta própria e sem qualquer intervenção médica.
Os pesquisadores testaram mais de 800 anticorpos diferentes dessas amostras de sangue para verificar sua capacidade de neutralizar o HIV.
Um deles, chamado 04_A06, se destacou. Quando o HIV infecta uma pessoa e entra em uma célula, ele a reprograma para reproduzir o vírus, enfraquecendo o sistema imunológico a longo prazo. O anticorpo encontrado bloqueia uma área onde o vírus se liga às células, o que impede a sua proliferação.
Os anticorpos no sistema imunológico humano são produzidos pelos linfócitos B, ou células B.
Quando as células B detectam patógenos, elas se transformam em células plasmáticas que liberam anticorpos, como o 04_A06, descoberto pelos pesquisadores de Colônia.
Os cientistas decodificaram esse processo, ou “modelo”, para o anticorpo 04_A06, na esperança de poder reproduzi-lo.
“Você usa o modelo genético do anticorpo, transfere-o para uma linha celular em laboratório, usa outra célula e diz a ela: Por favor, produza este anticorpo”, resumiu Klein à DW.
Nova frente de tratamento e prevenção
Em experimentos com camundongos infectados com HIV, observou-se que o anticorpo 04_A06 neutralizou a maioria das infecções pelo vírus.
No total, os pesquisadores realizaram experimentos com quase 340 variantes do HIV, incluindo aquelas resistentes a outros anticorpos.
“O HIV tem uma grande diversidade genética, os vírus são todos bastante diferentes”, disse Klein. “É isso que torna o HIV tão difícil de tratar.”
Mas o anticorpo 04_A06 neutralizou 98% das variantes do HIV testadas.
Os pesquisadores afirmaram que a descoberta pode ajudar pessoas que já estão infectadas com o HIV, já que o anticorpo pesquisado bloqueia o acesso do vírus às células.
“Ele se liga à proteína do envelope do vírus, de modo que o vírus não pode mais infectar a célula-alvo”, explicou Klein. Além disso, os vírus bloqueados pelo 04_A06 foram mais bem reconhecidos e ativamente eliminados pelo sistema imunológico do corpo.
Os pesquisadores esperam que o achado também possa prevenir infecções por HIV.
“O anticorpo intercepta os vírus antes que eles possam infectar as células e se multiplicar no corpo”, disse Klein.
O anticorpo recém-descoberto poderia, portanto, atuar como uma imunização passiva. Uma imunização ativa seria uma vacina que permite ao corpo produzir anticorpos por conta própria. Mas ainda não existe uma vacina contra o HIV.
Busca por vacina e avanços na medicação
Estudos sobre uma vacina contra o HIV baseada na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA) estão em andamento. Pesquisadores pretendem estimular uma resposta imunológica com uma proteína retirada do envelope do HIV. Essa camada externa possui, assim como o vírus que causa a covid-19, proteínas spike que permitem que o vírus se fixe às células e as infecte. No entanto, esse método até agora só foi testado para uma variante do HIV.
Klein disse que será um desafio induzir a produção do próprio corpo de anticorpos potentes e amplamente neutralizantes com uma vacina ativa.
Vários medicamentos são oferecidos na forma de comprimidos ou injeções como medida profilática contra a infecção pelo HIV. E eles são muito bem-sucedidos. No entanto, os comprimidos geralmente precisam ser tomados diariamente.
Existem medicamentos profiláticos injetáveis de ação prolongada, como o lenacapavir ou o cabotegravir, que criam uma função de “depósito” no corpo – ou seja, ficam armazenados no organismo e são liberados aos poucos. São necessárias duas injeções desses medicamentos por ano.
A profilaxia com anticorpos 04_A06 poderia “dispensar os comprimidos, porque teria mais de 90% de chance de prevenir uma infecção”, defende Klein. Ele acredita que esse tratamento seria necessário a cada seis meses, como acontece com o lenacapavir.
Alternativas ao anticorpo 04_A06
Os pesquisadores descobriram outros anticorpos amplamente neutralizantes contra o HIV, mas o 04_A06 é “definitivamente um representante extraordinariamente potente desse grupo”, observa Alexandra Trkola, diretora do Instituto de Virologia Médica da Universidade de Zurique.
Sua potência determina quantos anticorpos são necessários para criar um efeito forte de proteção e com qual frequência eles precisam ser injetados.
“Teoricamente, o 04_A06 sozinho alcança uma eficácia que, de outra forma, só seria alcançada em combinações de anticorpos”, disse Trkola, que não participou da pesquisa em Colônia.
Provavelmente levará algum tempo até que o 04_A06 se torne um medicamento, disse Christoph Spinner, chefe de Infectologia do hospital da Universidade Técnica de Munique (TUM).
O estudo alemão até agora envolveu apenas dados de laboratório, disse Spinner, que também não participou da pesquisa. “Portanto, a eficácia não pode ser transferida diretamente para a vida real.”
Outros estudos sobre a dosagem, a tolerância das pessoas ao medicamento e sua eficácia precisariam ser realizados, disse ele.
Trkola concordou que ainda não é possível prever se o anticorpo provaria sua eficácia no uso clínico, mas acrescentou que os sinais são “definitivamente promissores”.